UMA HISTÓRIA ÀS AVESSAS

Padre Paraíso – portal do Vale do Jequitinhonha / MG.

Por Leandro Bertoldo Silva

É comum as pessoas saírem do interior e irem para a capital em busca de uma vida melhor e até mesmo para se encontrarem. E quando o contrário faz muito mais sentido?

O ano era 2011 quando mudei de Belo Horizonte para Padre Paraíso, a primeira cidade do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, levando, juntamente com minha esposa e filha, então com 5 anos de idade, o sonho de trabalhar com literatura em uma região que não tinha (como não tem) nenhuma livraria – a mais próxima fica a 100Km de distância – e, também, pouca cultura leitora.

Após 2 anos como professor de português de uma escola e ter feito parcerias com editoras da capital, consegui levar livros para a cidade, fazendo com que os alunos tivessem contato com uma literatura mais contemporânea, inclusive promovendo visita de autores. Uma delas foi o meu grande amigo e parceiro Pierre André, com os seus livros “Emengarda, a barata” e “Bichos De-Versos”.

Assim foi até 2014, quando a grande mudança ocorreu: criei no fundo de uma loja de artigos religiosos, com apenas um quadro na parede e 4 carteiras, o curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita para jovens e crianças, trabalhando todos os gêneros de produção textual – da escrita criativa até os textos dissertativos, tendo a leitura como nossa grande matéria-prima. Foi o nascimento da Árvore das Letras. Foram 7 anos ininterruptos formando centenas de pessoas e as vendo produzirem textos cada vez melhores, alcançando excelentes notas na redação do ENEM e se formando profissionais como médicos, psicólogas, cirurgiões dentistas e, claro, escritores e escritoras.

Até que veio a pandemia… O curso, até então presencial e já com mais carteiras na sala e em outro local, passou a ser on-line e duas novas mudanças ocorreram: a Árvore das Letras ao longo desse tempo e pela minha escolha em ser um escritor independente por opção se transformou também em uma editora sustentável, onde os livros são feitos utilizando matéria-prima reciclada e ecológica em uma prensa de madeira totalmente fabricada artesanalmente – a “Paula Brito”. Foi assim que me coloquei no mercado literário e editorial e passei a publicar não apenas os meus livros, mas também outros autores da cidade e outras capitais.

A segunda mudança é que o curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita transformou-se em uma vivência on-line e passou a focar exclusivamente em textos literários com o objetivo de formar, aprimorar e publicar novos autores dentro do processo sustentável e ecológico, que ganhou um selo de publicação chamado Alforria Literária. Tudo feito pelo esforço de acreditar em novas possiblidades e promover a liberdade da escrita e publicação, consolidando esse caminho como uma nova forma de fazer literatura.

Junto com tudo isso, criei este espaço em 2017 — o blog da Árvore das Letras —, um lugar em busca de uma literatura de identidade própria, onde passei a publicar matérias, entrevistas, vídeos e as Crônicas de Domingo, tudo relacionado à literatura independente, fazendo parcerias que hoje transpuseram o continente e chegou à Angola, Luanda e Maputo em África, divulgando e compartilhando textos meus e de vários autores de forma totalmente gratuita.

Esse trabalho irá continuar porque é o meu propósito de vida, mas com apoio pode ir muito mais além!

O como você pode conferir aqui neste link: https://apoia.se/arvoredasletras

Bem, quis escrever essa história por três razões: primeiro para mostrar quais são as minhas motivações, e elas partem de querer dizer que não existe apenas um caminho para se conseguir o que se deseja e realizar os seus sonhos, sejam eles quais forem. Sempre existirá uma estrada, e se não existir é possível construí-la. Segundo porque me perguntaram aonde eu quero chegar com esse trabalho, e eu digo sem problemas que é me tornar a maior referência de publicação “realmente” independente e sustentável do Brasil. E terceiro para agradecer a todas as pessoas que torcem por mim, que entendem o meu amor e a minha dedicação, a todos os meus alunos, ex-alunos, parceiros, leitores, enfim, é por vocês que faço o que faço.

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Se você gostou dessa história, curta, comente, compartilhe; caso queira fazer uma pergunta estou à disposição. Quer vir fazer uma visita, conhecer nosso espaço físico, nossas prensas, nossa forma de produção, teremos muito prazer em recebê-lo(a).

Muito obrigado e vamos em frente, sempre!

Forte abraço!

Até a próxima.

O TEMPO

Por Tomé Nasapulo.

Aí vai a minha história de vida com o Tempo.

Chamo-me Tomé Nasapulo, conheci o Tempo assim que nasci. Na verdade, foi o tempo que conheceu-me primeiro. Evidentemente, eu nem sequer tinha noção de sua existência no começo da vida. Em franqueza vos digo: foi um amor à primeira vista! Desde então, tornamo-nos inseparáveis, partilhando cada instante das nossas vidas, sejam bons ou ruins.

Dias, meses, anos passavam até descobrir que não conseguíamos viver separados, logo, decidimos selar a cumplicidade em matrimónio. Como foi maravilhoso! Jovem, de apenas 18 anos de idade, ansioso para conquistar o mundo.

Após o matrimónio não se demorou para que tivéssemos a nossa primogénita, Paciência.

Com o ímpeto da juventude, queria dar tudo ao Tempo, sem obedecer as etapas. Entretanto, o Tempo dotado de experiência, mostrou que as coisas não funcionavam daquela maneira. Demorou perceber que o tempo tinha razão. Só tomei consciência após o nascimento da nossa filha Paciência. A Paciência mostrou-me que com o trabalho, comprometimento tudo se ajeita no momento certo.

O amor era tanto! Não esperamos mais, veio o segundo filho, a quem chamamos de Resiliência. A Resiliência nasceu no momento mais conturbado da nossa vida. Na ingenuidade, estava na eminência de separação, trocar o Tempo pelo Suicídio, mas o Tempo como sempre, mostrou-se experiente provando que não passava de uma neblina e tão logo o sol daria a sua graça e continuaríamos as nossas vidas.

Olhei para Resiliência, percebi que era o momento do recarregar das energias e lutar para enfrentar a crise.

Os anos foram passando, com eles foi se apimentando a nossa relação, daí o Tempo propor que tivéssemos mais um filho, todavia receei em anuir devido as dificuldades da vida, mas vocês sabem que quando a mulher quer tudo acontece. Por conseguinte, nasceu a nossa filha Kwasula, o qual demos o nome de Maturidade.

A Maturidade é o show-off da casa, tudo acontece a sua volta e com ela compreendemos a razão do ser das coisas.

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Essa é a linda e inspiradora história do tempo de Tomé Nasapulo, poeta e contista de Angola que nos visita aqui neste espaço. Conte aqui nos comentários o que achou e também nos diz como você lida com o “seu” tempo. Adoraríamos saber 🙂

Forte abraço!

Até a próxima.

O QUE AS EDITORAS QUEREM?! ACHO QUE ESSA PERGUNTA PODE SER FEITA DE OUTRA MANEIRA…

Se você é escritor ou escritora ou mesmo familiarizado com a escrita já deve ter ouvido essa pergunta: “o que as editoras querem”? Engraçado, nunca ninguém havia me perguntado o que eu queria das editoras… Bom deixar claro: não sou contra elas, só acredito que existem outros caminhos. E se não existirem? Nós construímos. Não tão simples assim, mas possível.

Foi esse pensamento que me fez recusar um contrato em 2016 e passar alguns anos elaborando o meu jeito de publicar, porque mais do que escrever e ter os meus livros em uma estante de livraria, eu sempre quis costurá-los, colá-los, prensá-los, e mais: mostrar às pessoas como se faz isso.

Mais do que o suposto lugar de honra do escritor inatingível, eu prefiro o lugar do encontro, da fala, do contato simples com o leitor. Essas imagens mostram isso.

Por isso, quero agradecer à professora @viviane_goncalves24 (há professores e professores… Os alunos agradecem) por sua dedicação exemplar e inspiradora, por ter escolhido o meu livro “Entrelinhas contos mínimos” para trabalhar com eles e, claro, todos os alunos e alunas da Escola Estadual Professor José Monteiro Fonseca pela visita, pelo carinho e pela partilha.

São por momentos assim que escolhi ser um escritor realmente independente e criar uma literatura que chamo de identidade própria. Quer vir fazer uma visita?

Saiba mais sobre a Alforria Literária clicando AQUI!
Forte abraço.

FUTURO INCERTO

Por António Alexandre
Angola

Olhei a minha volta e vi tudo natural

Mas tudo que vi me fez mal

Vi crianças descalças sem destino sem caminho

O tempo para elas passa e dos adultos não há nada nem carinho

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Vivo numa terra de abundância riqueza

Mas o povo conserva tristeza

O sofrimento perpétuo das crianças me atormenta

Na lixeira, nas ruas estão elas catando restos que não alimenta.

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Vejo os mais velhos comendo tudo até as sementes

De barrigas cheias nada deixam para as crianças

Vejo velhos e crianças sem alimentação

E refugiam-se ao  criador do céu e da terra como solução.

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Aqui trago mais uma vez a poesia de António Alexandre, um poeta sensível que se compadece das dores do mundo. Um dia viu quatro crianças a caminhar e a catar na lixeira algo para se alimentar. “Por que isso acontece em uma terra tão rica?” Que a poesia nos aponte uma resposta…

Forte abraço!

Até a próxima.

MATERNIDADE

Por Leandro Bertoldo Silva

Maternidade era uma das palavras esquecidas no seu dicionário. Era fácil demais para algumas pessoas pensarem nisso, não para ela, de corpo perfeito e vida em liberdade. Por isso, seu ventre crescido estava na contramão de todos e recordava sua rejeição. Daquele invólucro perfeito, ficariam cicatrizes, marcas que sobreporiam ao efemeramente físico e atingiriam sonhos interrompidos.

Dejanira era mulher do mundo. Esse era o resguardo que nunca pensou em abandonar, nem sequer substituí-lo por um momento que fosse. Sentia-se sem vida, apesar da vida que crescia dentro de si. E, agora, mesmo sendo duas, teimava em sua solidão. O tempo passava, mas não levava a angústia que aumentava a cada dia que a circunscrição de seu estado apontava. Já dividia seu alimento, mesmo sem sua permissão, como seria dividir o resto? Era o que pensava desolada e inquieta. Só havia um jeito: acabar logo com aquilo. Porém, o feto crescido já era uma criança e, antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, de seu corpo redondo começou a emergir um líquido que, ao rebentar da bolsa, jorrou junto com uma sensação indefinível que a urgência do momento não permitiu reflexões. Elas só vieram quando, já com a criança liberta deitada em seu peito em meio aos médicos, começou a cantarolar uma cantiga de ninar no mesmo momento em que seus seios saciavam o filho que calava a ouvir.

Seus olhos recém-maternos se iluminaram, e o coração, que antes rejeitava, agora acalentava e se punha a descobrir uma desconhecida impressão felina e protetora.

A mulher do mundo sem fronteiras não sabia se o choro convulso que irrompia naquele instante era amor ou remorso, talvez fossem os dois. Aquele momento eternizado na música que embalava sua criança fazia pensar: afinal, é a mãe quem dá à luz um filho ou é o filho que faz nascer a mãe?

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Esse texto já esteve por aqui. Mas o trago novamente nesse dia porque fala de um sentimento que é maior do que o mundo, que abraça e salva. O dedico a minha mãe e a todas as mães dessa terra.

Forte abraço!

Até a próxima.

MIUDEZAS GRANDIOSAS

Por Gabriela Lopes

Gabriela Lopes dos Santos é escritora, poeta e artista plástica mineira, de Teófilo Otoni.

Olho a fumaça

saindo da boca,

no frio da manhã.

Raios tímidos de sol

aquecem o corpo,

revigoram os pulmões.

Ao redor, o verde cintilante.

Estar vivo é um êxtase vibrante.

Sinto o cheiro do mato.

Toco orvalhos

umedecendo as mãos.

Alegro-me com o céu azul.

O sol pulsa a vida.

No rosto os raios

trouxeram certezas,

o belo está nas miudezas.

A pena de um pássaro

se solta de um galho,

lentamente cai

pousando na minha mão.

Voa pena, voa cantos.

Estar conciliado consigo,

é um carinho na alma.

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Você já percebeu a capacidade que muitos pessoas têm de enxergar a grandiosidade das miudezas? Quais são as coisas mais simples da sua vida, aquelas que não têm nenhum valor de mercado, mas que você não venderia por nada?

Forte abraço!

Até a próxima.

ATÉ QUANDO?

Por Leandro Bertoldo Silva e Antônio Alexandre

Vejo sonhos no ar, vejo a professora ao fazer da pedra um assento de esperança, e não é a esperança que existe entre o querer e a imaginação, mas entre o acreditar mesmo no impossível.

Vejo sonhos no ar, e as crianças a esconderem sorrisos com um olhar, o mesmo que se desnuda de uma infância prometida.

Vejo sonhos no ar, mas também roubados de crianças inocentes. Vejo crianças na escuridão, vejo o futuro do futuro do amanhã ameaçado.
Mas na inocência, vejo rostos e um sorrir de crianças alegres.

Vejo sonhos no ar, vejo árvores protetoras – ao menos elas – a doarem mais do que um amparo, mas a suas raízes a fortalecerem o desejo de ensinar.

Vejo sonhos no ar, vejo o branco alvo das roupas das crianças ao contrastar ao chão de poeira amarelecida, mas soberano ao ganhar a companhia do verde dos quadros inapropriados à trabalhar.

Vejo sonhos, muitos sonhos no ar. Vejo flores, mesmo que desenhadas, a embelezarem o conhecimento em meio a um aceno franco de um menino. O que estaria a pensar?

Essas são as nossas evidências de gente pelos cantos, aglomeradas, em desalentos como o professor sem condições, o caderno sem mesa, o estudo sem teto, as folhas refletidas no chão.

Mas, mesmo assim, vejo sonhos no ar: da menina que quer ser bailarina – por que não? -, do miúdo que deseja ser astronauta e brilhar com as estrelas e de tantos outros a emanarem sombras, mas não é a sombra que você imagina, entre a tristeza e a solidão, mas aquela que do descaso se torna a vontade de um arrebol.

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Esse texto é um dueto além-mar entre Brasil e Angola, que desnuda um retrato literário de um descaso ocorrido em uma escola de Lubango. Muitas realidades parecidas presenciamos por aqui também, e cabe à arte o seu papel de fala e escuta. Literatura é a arte da palavra e, como tal, é também um meio de denúncia, mas com arte-delicadeza e arte-leveza. A comunicação não violenta se faz urgente em todos os países do mundo.

Forte abraço!

Até a próxima.

PERDOE-ME PELA MINHA ANSIEDADE – UM BREVE COMENTÁRIO DA OBRA DE FABIENE LEMOS

Por Leandro Bertoldo Silva

Para que consertar algo se é possível, rapidamente, substituir pelo novo? O futuro são homens-máquinas? O caminho que se está per(correndo) o leva para qual direção?

Esses e outros questionamentos são apontados pela escritora e psicóloga Fabiene Lemos em um texto que não se propõe agredir, mas, muito antes pelo contrário, acolher e afagar as nossas mais sinceras reflexões a respeito de nós mesmos ou, sem qualquer exagero, ao futuro da humanidade. “Perdoe-me pela minha ansiedade” já traz no próprio título esse que talvez seja, sim, o mal do século apontado por tantos estudiosos, cientistas, pesquisadores, profissionais de saúde e, por que não, escritores e atores das mais variadas manifestações artísticas: a ansiedade, essa angústia perturbadora que, segundo a autora, “foi se modificando com o tempo, juntamente, com o comportamento da sociedade e se transformando quase em um arquétipo”.

É exatamente assim que acontece. É natural nos sentirmos ansiosos, como bem diz Fabiene Lemos, ao nos submetermos a um teste ou nos prepararmos para um encontro. Porém, a vida do desejo mimético ou daquilo que nem sequer necessitamos, mas nos vemos compelidos a consumir porque a sociedade nos obriga, cria em nós a desordem que nos impele ao enigma das emoções.

E é aqui que passado, presente e futuro se confundem… É preciso lançar olhos carinhosos com absoluta sinceridade de nos reconhecermos nesse jogo de verdades e ilusões para que o monstro arquetípico não consuma o humano que nós somos.

É Com esse carinho, alinhado a uma escrita afetuosa, alcançável e profundamente talentosa de quem sabe tecer as palavras certas, no tom certo e no lugar certo, que Fabiene nos presenteia e nos proporciona a oportunidade do melhor encontro possível: o encontro com nós mesmos, no nosso tempo e no nosso lugar.

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Gostou dessa temática? Absolutamente atual e necessária, não é mesmo? A sociedade – e nós somos a sociedade – necessita, e muito, lançar olhos para essas questões. Por isso, convido para o lançamento desse livro que será essa semana em uma live com a autora. O horário e mais informações podem ser adquiridas no perfil https://www.instagram.com/psifabie/

Forte abraço!

Até a próxima.

SILÊNCIO É A HORA DA DESPEDIDA

Por Tomé Nasapulo.
Angola.

Caríssimos amigos leitores:
Sabemos que as nossas vidas são marcadas de encontros, despedidas e reencontros. As despedidas são momentos marcantes carregadas de emoções, se não mesmo difíceis! Algumas despedidas abrem possibilidades de próximos reencontros, mas, infelizmente, nem sempre é assim.

Daí é que neste edição das Crônicas de Domingo, apresento as emoções vivenciadas em torno destes momentos. Espero que ada um de nós se reencontre neste “SILÊNCIO É A HORA DA DESPEDIDA”.

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Silêncio é a hora da despedida!

Despedidas: Em cânticos polidos
Em choros revoltos
Em gritos bramidos
Em elogios nostálgicos.

Silêncio é a hora da despedida!

Sem abraços
Sem palavras
Sem desejos de renúncia a estadia.

Silêncio é a hora da despedida!

A hora da reivindicação
Das promessas perdidas
Das vontades ruídas
Da solidariedade comprometida
Da reciprocidade falida.

Silêncio é a hora da despedida!

A hora das emoções explodidas
Da ternura ferida
Das dores colhidas
Da tranquilidade merecida.

Silêncio é a hora da despedida!

A DITADURA DAS BETERRABAS

Por Paulo Cezar S. Ventura

Paulo é Graduado e Mestre em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação. Publicou Mistérios de Marte (poesia) em 2015, Zorro (infantil) em 2017, Projetos Escolares para Feiras de Ciências, em 2017, e Haicais do Riobaldo (poesia), em 2022 e participou de várias Antologias.

Meu Vô Ventura era um especialista em baboseiras. Na lista das vividas por ele ao longo da vida, uma que mais fundo o marcou foi namorar a vizinha rica porque ela tinha um carro e o levava para dar um rolê pela cidade. À época pareceu-lhe uma façanha para um garoto bonito e com uma família de parcos recursos financeiros, ele mal tinha grana para o ônibus. A façanha, no entanto, custou-lhe uma surra dada pelos potenciais interessados na menina. A cicatriz em seu braço nunca o abandonou.

Outra baboseira sempre foi sua birra com beterrabas. O vermelho da beterraba manchava seus dentes, sujava sua camisa branca sempre na hora de ir para a escola ou, mais tarde, ir para o trabalho (ele sempre foi desajeitado assim). Aquela birra foi se transformando em ódio pelas beterrabas à medida que sua data de nascimento na carteira de identidade foi ficando antiga, bem antiga. Não podia nem ver.

Recentemente, após ter vivido tantos jubileus pela existência ativa e rica, sua filha o conduziu à nutricionista para acertarem sua dieta alimentar. Vô Ventura precisa de alimentos fortes, ricos em nutrientes saudáveis, para manter sua saúde, sem ganhar gorduras desnecessárias.

Imaginem sua cara amarrada, careta feia mesmo, quando a profissional da alimentação sugeriu um cardápio rico em… beterrabas.

— Beterrabas? Nem pensar!

— Mas, Sr. Ventura, beterrabas são ricas em vitamina C, cálcio, vitamina A, ácido fólico, potássio e fibras. Além disso, contém antioxidantes que previnem doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, e auxiliam na redução do seu colesterol sanguíneo, que está bem alto.

— E afirma isso com esse prazer estampado em seu rosto? Você só pode ser uma torturadora. Abaixo a ditadura das beterrabas!

Vô Ventura pegou sua bengala, a que o mantinha ereto em situações como essa, mostrou-a para a moça com uma careta de fúria e saiu resmungando do consultório. Beterrabas não fazem parte de seu cardápio.

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Aqui está um personagem fascinante! As aventuras do Vô Ventura são assim, curtinhas, e com esse toque que parece que iremos encontrá-lo logo ali na esquina. Sim, existem muitas outras! E se o Paulo consentir, o traremos mais vezes por aqui. É cada história…

Forte abraço!

Até a próxima.