É CADA UMA QUE PARECE DUAS

Por Leandro Bertoldo Silva

Tem coisa que acontece e parece mentira. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer isso? Eu mesmo já ouvi muitas vezes. Ouvi e presenciei.

Outro dia estava na varanda da minha casa com a Rocinante – minha bicicleta de livros. Para quem não sabe, Rocinante é uma bicicleta cargueira retrô, usada como bancada de trabalho, onde, além de escrever, confecciono livros e cadernos em uma prensa de madeira, a qual chamo de “Paula Brito” em homenagem a Francisco de Paula Brito, tipógrafo do século XIX, contemporâneo de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho. Para isso, adaptei em sua garupa uma mesa também de madeira com gaveta, pois serve não apenas para guardar linhas, agulhas e outros apetrechos de artesania, como dinheiro, sim, dinheiro, já que é também uma loja itinerante graças à mala aberta cheia de livros prontos cuidadosamente dispostos para venda na parte da frente da carga. Com ela eu vou às feiras literárias, praças de eventos e onde mais é possível.

Mas nesse dia estava mesmo era na varanda de casa. Iria receber uma turma de alunos de uma escola com mais ou menos 40 jovens, moças e rapazes, ávidos por conhecerem o processo de fabricação de um livro, coisa rara, só possível mediante a ação de uma boa professora.

Preparei a Rocinante com todo o cuidado sem deixar faltar nada, nem mesmo o pano bordado de tecido fino debaixo da mala, o chaveirinho de filtro dos sonhos no guidom e o lencinho amarelo com uma rosa vermelha para dar aquele charme poético e especial, afinal ela não é qualquer bicicleta, é a Rocinante e precisa ficar bem bonita.

Hora marcada e lá chegavam os alunos com a professora naquela algazarra tradicional e prazerosa dos adolescentes, principalmente ao saírem de sala de aula e estarem em um lugar diferente.

O momento era simples: consistia em mostrar aos meninos e meninas todo o processo de confecção dos livros na “Paula Brito”, desde a colagem da lombada e, principalmente, a costura à mão com linha e cera de abelha para receber a capa de papel ecológico. Assim estava eu nesse trabalho minucioso ao explicar cada detalhe. E como cada detalhe é de fato minucioso a justificar até mesmo a redundância, pois vai agulha e vem linha, torna a passar e torna a ir, os alunos, agora atentos em silêncio raro, se aglomeraram bem perto da bancada com olhos e ouvidos atentos. Pela posição da bancada todos olhavam para baixo com a atenção total em minhas mãos. Nisso entra uma senhora manhosamente do nada a pedir passagem em meio aos jovens. Vem com um arrastar de chinelas e um pescoço esticado a fazer companhia aos olhos compridos. Mas tal foi sua surpresa ao constatar a razão da reunião, que soltou em alto e bom som:

— Ah, não! Pensei que fosse um velório…

E saiu tão desapontada quanto brava, pois onde já se viu aglomerar tanta gente em silêncio em uma casa a olhar para baixo em torno de uma mesa se não fosse para ser um velório e dos bons? Alguns jovens seguravam para não rir, outros não se davam a esse sacrifício e riam à solavancos enquanto a pobre senhora, decepcionada e sozinha, se afastava irritada por não ter uma boa historia para contar sem imaginar que deixava uma muito melhor para trás.

Não foi fácil retomar a atenção. Ora, também pudera! O fato havia sido inusitado por demais para fingir normalidades. Uma senhora não se sabe quem, surgida não se sabe de onde a falar uma patuscada daquelas. Ainda bem estarmos no final da apresentação. Quando os alunos foram embora, fiquei eu e a Rocinante a refletir o acontecido durante um tempo e a certeza de um velho ditado: É cada uma que parece duas… Já ouviu isso também?

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Obrigado por sua leitura! Espero que tenha gostado dessa história. Elas acontecem comigo em toda parte. Curta, comente, compartilhe. Para nós escritores isso é muito importante. A propósito, você já viveu alguma situação inusitada, dessas inesperadas? Conte pra gente.

Forte abraço!

Até a próxima.

A RAINHA SANTA ISABEL DE ARAGÃO

Por Luzia Maria.
Integrante da Vivência Novos Autores.
De uma viagem feita a Óbidos em Portugal em 2022.

Reza a lenda ou a história, não sei bem, que havia uma princesa que se tornou rainha de um reino tão, tão distante nos arredores de Portugal. Ela de chamava Isabel!

A menina ainda jovem já era pretendida por vários reis, devido a sua formosura e bondade.

O Rei Don Dinis apaixonou-se perdidamente pela bela princesa e foi o escolhido para com ela se casar.

Isabel, agora rainha, além de bela e formosa era de extrema bondade e simpatia.

Todos a admiravam e diziam:

— Nossa rainha Isabel é uma santa!

— Ela é misericordiosa com os que sofrem…

Outros ainda diziam:

— Ela dá de comer aos pobres e trata com carinho e respeito os mais humildes e necessitados.

— Parece uma criança feliz em meio aos miúdos, diziam.

E Isabel era assim mesmo, desse jeitinho. Alegre, caridosa, inteligente e muito bem quista por todos.

Todos os dias recolhia pães e outros alimentos do castelo, enchia sua cesta e saia feliz para distribuí-los a quem necessitava.

Afinal era o certo a fazer. Se o povo trabalhava para que o rei e a rainha fossem alimentados, nada mais justo que eles, o povo, também fossem sustentados pelo próprio trabalho.

Porém, o rei que não era muito sensível às demandas dos seus súditos, não se agradava desse gesto de sua amada rainha e passou a proibi-la de levar alimento do castelo para o povo…

— Minha amada rainha, doravante (afinal ele era um bom e velho português), não sairás mais do castelo a levar nosso alimento para o povo. Põe-te a meu lado sempre e esquece esse povo.

Isabel não era muito de aceitar ordens, mas era doce e ponderada. Ela encontraria uma forma de continuar alimentando o povo.

— Meu amado rei e senhor, temos tanto e nosso povo padece de fome. Crês que isso é justo? Enquanto temos tanta fartura o povo que nos alimenta nada tem para comer. Tudo lhes é tirado para que nós possamos nos esbaldar.  

— Minha ingênua Isabel, sempre foi assim. E povo não pereceu. É a lei!

Mas a bela e bondosa rainha continuou seu trabalho de alimentar os mais necessitados. Sempre que podia e com ajuda de alguns empregados do castelo dava um jeito de estar com o povo alimentando-os.

Estes quando a viam se aproximar, choravam de alegria e lhes beijavam as mãos e os pés.

Isabel era, de fato, muito amada pelos súditos.

Um dia, já muito bravo com o comportamento da rainha, o rei resolveu seguir sua amada. E tão logo ela saíra do castelo o rei saiu sorrateiro atrás dela.

Isabel levava cestos e o avental repletos de pães, frutas e carnes

Em dado momento ele a alcançou e muito determinado lhe disse:

— Tantas vezes pedi, tantas outras ordenei e nada de me ouvires. Serei obrigado a mandar matar-te se estiveres em posse de alimentos do castelo. O que tens nos cestos e no avental? Vamos, dize já!

— Isabel, com receio de declarar que carregava alimentos tão aguardados pelo povo, pediu a Deus em uma breve prece e um olhar ao céu que a protegesse… Nesse instante saiu de sua boca…

— Meu senhor e rei, são flores.

Ao que o rei indagou

— Em pleno inverno? Onde ainda há flores em pleno inverno?

Ela, buscando as palavras disse.

— Certamente foram a últimas que tive a felicidade de encontrar e colher nos jardins ao redor do castelo, meu rei.

O rei não satisfeito quis ver e pediu que ela lhe mostrasse.

Ao que ela, sem hesitar, e não se importando com o que aquilo significaria, deixou cair o conteúdo do seu avental… e para surpresa de todos, inclusive da bela e bondosa rainha, caíram flores, as mais lindas e perfumadas já vistas naquele reino. E qual não foi a alegria, e o contentamento de Isabel e do seu rei.

Afinal o rei amava sua linda rainha. E de fato não desejava matá-la. O rei apenas não havia aprendido a compartilhar. Às vezes precisamos do exemplo que nos ensina.  

E foi aprendida a lição. Milagres acontecem sim! Quando acreditamos e fazemos o que é certo os milagres acontecem.

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Sobre Santa Isabel

Menina Isabel,

Rainha Isabel,

Isabel de Aragão, Rainha de Portugal,

Rainha Santa Isabel.

Reinou como rainha consorte de Don Dinis entre os anos de 1282 e 1325, em cujo castelo conheci na cidade murada de Óbidos em Portugal em 2022.

Foi beatificada em 1516 pelo Papa Leão X e canonizada em 1625 pelo Papa Urbano VIII e hoje é a padroeira da cidade de Coimbra. 

COMO SE FOSSE PÁSSARO

Por Leandro Bertoldo Silva

Texto inspirado em canções de Chico Buarque e da tela Acidente de Trabalho, de Sigaud.

O operário que todo dia fazia tudo sempre igual achou um destino diferente…

Francisco escolhera o branco para se parecer com os pássaros que via em voos tão de perto por cima daquele andaime pingente. Juntou parte de suas economias, meteu-se em uma camisa de cambraia branca e saiu daquela loja como se fosse a última. Andava pelas ruas sentindo-se livre. Todo ele era um sorriso de passarinhar. Sentia que seus braços eram asas e as penas dos dedos tocavam o firmamento. Lembrou-se da história da cidade iluminada a qual por tempos não recordava o nome, mas havia lido em uma revista aberta ao acaso na espera do barbeiro, e quis tocar o céu, fazer um buraquinho nele para deixar passar o facho de luz brilhante. Logo ele a passar dias e dias como se fosse náufrago das alturas ao estar tão perto e tão longe do que desejava. Desejava? Ele não sabia, apenas sentia (que é bem diferente) um leve desprendimento.

Andava como se fosse sábado por aquelas ruas de segunda-feira. Como um aluno travesso, só que adulto, matava o dia de trabalho sem se importar com as consequências. Só gargalhava como se ouvisse música, aquela do farfalhar do princípio de um sorriso flácido de quem nasceu para olhar. Só olhar. Mas agora ele deseja voar como seus amigos das alturas; os pássaros, naturalmente, porque os outros eram operários como ele, com as mesmas mãos grandes e pés enormes contrapondo-se com as cabeças pequenas sem pensação.

Nisso, passou por aquelas ruas poetizando o tráfego sem se dar conta para onde ia. Não carregava pastas, documentos, celular, caderneta, patuá, nada para o identificar ou que lhe fizesse lembrar o desarranjo do uniforme azul marinho da firma. Ao menor sinal de memória corria a distrair-se em olhar para a cambraia branca e novamente se passarinhava.

Desejou tomar sorvete e comer cachorro-quente sem implicar de melar os dedos e os cantos da boca. E daí? Era só limpar! Não entendia a recriminação de sua mãe em tempos meninos e depois de sua esposa sempre tão arbitrária em questões de prazer. Ela era capaz de dizer que não ficava bem a um homem pai de família abocanhar um pão no meio da rua. E assim era por tudo: pela risada mais alta que a gente tem que engolir, pelo grito de gol que a gente tem que encobrir, pela alegria fortuita de nunca sentir. Arree!

Mal começa o sol se pôr, ouve-se o badalar do relógio da matriz. “Os carros avançam os sinais na hora da Ave-Maria”, já dizia a canção plácida de um amigo. “Seria o momento de sair do trabalho” — pensa Francisco — no exato instante em que ouve, vindo do alto dos andaimes, os operários o chamarem, clamarem, gritarem por cuidado. Nem se dera conta de como foi parar ali em frente à construção. Certamente o costume a direcionar a alma distraída para a obrigação de todo dia. A partir daí tudo foi lento e rápido. Rápido para a multidão que se aglomerava e maravilhosamente lento para ele ao sair da noite infinita e retornar à quietude do quintal como numa roda-gigante. Tudo, absolutamente tudo rodou num instante. De repente uma freada. Uma buzina. Um baque. Olhos assustados. Gritos. Muitos olhos. Mais gritos. Rostos disformes. Mãos na cabeça. Nas bocas. Tempo. Paz. Quanto tempo? Não sabia. Quanta paz? Ela agora existia. A sexta badalada do relógio. Silêncio.

Olhou para o vermelho da sua cambraia — não era branco? — e sentiu-se flutuando naquele chão de dormir. Ouviu novamente o farfalhar de asas por cima de sua cabeça ao som longe da Ave-Maria que lá vem, que lá vem, que lá vem…

Lá estavam eles, os pássaros, a esperá-lo…

Apenas sorriu…

Agora…

Podia…

Voar.

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“Amou daquela vez como se fosse a última”. As músicas de Chico sempre me fizeram pensar. Pensar em acontecimentos, pensar em situações, pensar em histórias… Essa é uma delas, e juntamente com a tela de Sigaud nos conduz a um desprendimento perfeitamente possível à suavidade. Por que não? Para uma experiência ainda maior, ouça e depois deixe seus comentários, eles são muito importantes.

Forte abraço!

Até a próxima.

GALILÉIA

Por Tomé Nasapulo.
Angola.
Memórias de infância do poeta vividas numa localidade humilde do município de Huambo, província de Huambo.

Galiléia!

Terra do canto, da dança, da esperança.

Carrego as lembranças,

da batata doce as nespereiras,

das noites a candeeiros,

da contemplação das estrelas sem luar.

.

Galiléia!

Memória da infância sofrida,

feridas de chute da bola de saco,

nudez da criança coberta de calções remendados,

que vai a escola sem merenda,

portando a lata para se assentar.

.

Galiléia!

Saudades das manhãs nubladas,

aquecida do capim seco do cacimbo,

das estórias contadas na cozinha de lenha,

com panelas de barro,

das farras de tchinganje

vestidos a farrapos,

crianças correndo para vê-los dançar.

.

Galiléia!

Viajei, mas não te abandonei.

Transportei os sonhos na mala,

vim parar em terras alheia,

fiel aos teus ideais,

pelejo todos os dias para torná-los reais.

.

Galiléia!

Voltarei um dia e contigo chorarei.

NOTA DE QUASE PESAR E UMA CARTA A JORGE AMADO

Por Leandro Bertoldo Silva

A NOTA

É com quase pesar que noticio uma tentativa de assassinato. Calma, deixe-me explicar. Refiro-me ao assassinato (mais uma vez) da nossa língua, da nossa cultura, da nossa história. Digo “quase” porque não chegou às vias de fato, mas nos abriu uma chaga desoladora.

O CASO

Ganhei de uma amiga uma coleção de Jorge Amado em capa dura com detalhes dourados das casas e ruas de Salvador/BA. Uma coleção de 1980. Pasme! Estava dentro de uma sacola jogada no lixo! Essa amiga carinhosamente os entregou a mim. Eu os peguei, limpei um a um e os acolhi em minha casa. Esse é o triste retrato de parte da nossa sociedade, a mesma que joga livros fora enquanto muitos se ocupam em demasia a produzirem dancinhas em redes sociais e são tidos como influenciadores, quando não chamados de heróis.

Livros encontrados no lixo.
Detalhes dourados das casas e ruas de Salvados/BA
“Que tempos! Que tempos!”

A CARTA

Querido Jorge Amado,

Quero lhe pedir desculpas. Posso imaginar a sua tristeza ao ver os seus livros dentro de um saco plástico jogados no lixo. Talvez você até saiba quem praticou essa tentativa de assassinato, eu nunca vou saber. Não, não é exagero meu e você bem sabe disso. Dentro daquele saco estava Gabriela e todos os capitães da areia, o Pedro Bala, o Sem Pernas, o Pirulito, o Boa Vida… Coitado do Boa Vida! Conheceu mais essa nesse nosso “País do Carnaval”. Lá também estava o Quincas Berro Dágua a morrer mais uma vez nessas “Terras do sem fim” quase sem ver “A luz no túnel” sem a ajuda do “Cavaleiro da esperança” porque todos eles estavam lá também sem esperança alguma. Enfim, Jorge Amado, estavam dentro daquele saco de lixo uma infinidade de personagens gestados ao suor de sua pena. Toda essa gente nasceu e fez nascer uma enorme quantidade de pessoas, artistas, atores, diretores de teatro, telenovelas, maquiadores, cenógrafos, figurinistas, até mesmo o baleiro da esquina e das casas de espetáculo e cinema cuidou da sua família por causa da sua obra, ou melhor, das suas obras. Muitos, muitos escritores e escritoras, inclusive este que lhe redige essa carta, não apenas em nosso Brasil, mas em outros países, como em África, foram influenciados pelo turbilhão de páginas criadas e recriadas por essa cabeça de cabelos fartos. Gente como Mia Couto, Pepetela, Agualusa, Ondjaki, Paulina Chiziane, entre outros e outras bebedores e bebedoras de sua fonte estavam ali a morrerem um pouquinho. Uma chacina.

Mas isso ainda diz pouco. Quase assassinaram dias, noites, madrugadas a fio em que se debruçou em sua máquina de escrever para dar vida à nossa cultura, esperança às vendedoras de acarajé, dignidade ao povo brasileiro, da Bahia de todos os santos para o mundo inteiro. Tudo jogado dentro de um saco e posto sem dor e sem consciência no lixo. No lixo…

Caro Jorge Amado, tentei resgatar as suas palavras, limpá-las em meio a páginas manchadas e amarelecidas, muitas estragadas. Estive em companhia de Tieta e com muito cuidado passei de leve o pano embebido em solução de compressa sobre ela para trazê-la à convalescença. Fiz o mesmo com muitos outros. Alguns recuperaram mais prontamente, teve aqueles mais necessitados e também os mais delicados. A vida é assim, cada qual com sua sorte e destino. Eu tentei.

Jorge Amado, desculpe a intimidade de chamá-lo assim em palavras sem saber se atrapalho o seu descanso (ou trabalho?). Atrapalho? Seja sincero. Principalmente por ser a primeira vez a fazê-lo de forma tão assim direta. Mas eu lhe digo: antes fosse apenas essa desculpa e não àquela, motivo dessa carta, isto é, a tentativa de assassinato. O meu pedido é porque eu como escritor e professor, ainda mais de literatura, em algum momento falhei. Poderia ter feito um pouquinho mais, falado mais de você para alguém, apresentado a sua obra, contado as suas historias. Talvez ao fazer isso tivesse chegado a quem teve a estupidez de fechar naquele saco plástico a riqueza que poderia ter lhe salvo a vida, não a sua ou a minha; a sua já está salva, a minha em tentativa, mas a dele mesmo ou dela e de tantos deles e delas nesse mundo, porque, infelizmente, em nosso país isso é fato corriqueiro e se a literatura é uma escada muito alta, e eu sempre acreditei nisso, mais vale deixar os degraus intactos a remendá-los. A subida é muito mais certa e segura contra a ignorância.

Bem, caro Jorge, nome de santo, Amado, nome do que mais se deve propagar nesse momento, como bem disse Angelo Campos, um amigo filósofo, fico por aqui, não sem antes enaltecer em alto e bom som que os livros estão comigo agora em ambiente seguro, não se preocupe.

Poderia acrescentar aqui nessas linhas a espera de sua resposta. Não acrescento. Deixo-o livre. Há de ter afazeres muito mais importantes por aí.

Cordialmente,

Leandro Bertoldo Silva.

P.S. Não poderia deixar passar a oportunidade de pedir-lhe que envie um abraço meu ao Graciliano, à Clarice, ao Carlos, ao Manoel, aos nossos Joões – o Cabral, o Guimarães e o Ubaldo -, ao Fernando, à Lygia, ao Gullar, Cecília, Henriqueta, Raquel, a sua saudosa Zélia e a tantos outros que foram em suas existências por aqui e ainda o são por aí autênticos e verdadeiros “influenciadores”, esses sim.

Que tempos! Que tempos!

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Bem, essa é uma daquelas histórias que nos fazem pensar: o que andamos a fazer com a nossa cultura, com os nossos valores? Livros não são amontoados de papel a jogar no lixo, são memórias a guardar na alma e a compartilhar com o mundo. O que acha disso? Comente. Compartilhe.

Forte abraço!

Até a próxima.

O VOO DE COLOMBO

Por Paulo Cezar S. Ventura
pcventura@gmail.com

Desde garoto Colombo gostava de subir qualquer coisa escalável. Com menos de um ano, engatinhando, subiu em uma cadeira à beirada de uma mesa, depois na mesa e chegou à janela. Com grades, ainda bem. Aos dois anos foi pego no alto da cortina da sala, escalou-a como se fosse uma corda. Daí a subir as torres da Cemig, para desespero de sua mãe, foi um pulo, quase literalmente.

Subiu montanhas, escalou falésias, se equilibrou em corda bamba, trabalhou no circo, suas ocupações sempre traziam esse interesse quase obsessivo pelas alturas. Quando foi procurar trabalho obviamente escolheu um que lhe permitia olhar as pessoas de cima, do alto de seu pedestal, como se fossem formigas carregando os jardins para casa, cada um a seu jeito. Ele sempre imaginava que, como pequenas formigas, as pessoas carregavam suas pequenas conquistas para casa e as guardavam como se fungos se tornassem e o bolor consequente os alimentasse ou os entorpecesse.

Não era exatamente a vida que queria. Só lhe faltavam asas para sua transformação em um ser humano da categoria dos himenópteros, ou dos columbídeos, bastando decidir se preferia ser inseto ou ave. Imaginava que seus pais já decidiram por ele. Colombo deve ser uma palavra derivada de columbídeo, pois, em língua francesa “colombe” é aquela ave universal conhecida no Brasil como pombo. Então, por que não voar como uma columbídea? Ou paloma, em língua espanhola? Gostava da expressão “paloma mensajera”, ou pombo-correio.

Em sua maturidade Colombo foi trabalhar na construção civil. Percebeu que suas habilidades alpinísticas o diferenciavam na profissão. Rapidamente subia nas alturas dos prédios em andamento, mesmo carregando um saco de cimento nas costas. Um empregado modelo, preferido pelos mestres de obra. Era querido também pelos colegas, que achavam diferente, um voado, sempre alegre. Tinha uma qualidade rara, intrínseca à sua personalidade: era querido pelas aves. Sempre haviam pássaros em seu entorno. Ele os alimentava, óbvio. Alguns pássaros o acompanhavam de uma obra à outra. Principalmente aquela pomba azul.

Pomba azul? Existe isso? Tal como o cisne negro, a gente pensa que não existem até vermos um. A partir dessa visão, essas raridades passam a nos acompanhar pela vida. Colombo deu até um nome para a pomba azul. Era Colombina. Formavam uma dupla, Colombo e Colombina. Ele até aprendeu a falar arrulhez, para emitir arrulhos tais que a Colombina. Deu certo, pois ela sempre aparecia quando ele começava a arrulhar.

Um dia, a Colombina azul não apareceu o que deixou Colombo preocupado. Não conseguiu trabalhar direito naquele dia. Recebeu com mau humor, raro mau humor, os deboches dos colegas.

— Está solteiro hoje, Colombo? Sua Colombina arrumou outro marido?

Fingiu não ligar, mas seu mutismo não era normal. Estava deveras preocupado. Passou o dia olhando o horizonte, arregalando os olhos na tentativa de ver ao longe se sua ave se aproximava. Nada. O sol já estava no meio de sua descida para se esconder atrás das montanhas distantes, desenhando no céu o pedaço diário de seu analema, quando ela chegou, machucada. Colombo tentou cuidar da bichinha, mas ela se manteve distante, ferida, dolorida.

De repente surgiu uma ave de rapina, um gavião ou um carcará, provavelmente o mesmo que a ferira, e desferiu mais um golpe em suas asas já sangrentas. Colombina tentou voar e caiu das alturas do prédio em construção. Colombo não teve dúvidas. Saltou, sem as asas dos columbídeos ou dos himenópteros. Esqueceu-se deste pequeno detalhe: suas asas eram apenas imaginárias e não suportavam o peso da queda. Morreu na contra mão sob os olhares assustados dos colegas peões da construção. A luz do sol do fim de tarde deu um colorido especial à cena, digna de um Sigaud, quiçá um Portinari, já que os dois eram amigos. De místico, virou música, do Buarque, que não sabia dessa Colombina, apenas de outra, da Noite dos Mascarados.

UMA HISTÓRIA INESPERADA

Por Leandro Bertoldo Silva.

Estava em viagem de ônibus para Teófilo Otoni quando entra um senhorzinho com um som portátil a tocar Dire Straits. Ainda bem que a música era boa. Ao sentar, seu celular chama e ele atende no viva-voz. Do outro lado a tal voz bem viva e sem se identificar foi logo dizendo tão alto quanto a música:

Moço, nem ti conto! Sabe o Seu João da Tutóia lá do Mandeu? Pois é, onti a gente tava lá e ele pegô um copo comprido com tampa em riba pareceno um canudo, ispremeu um bucado de limão dentro, sacudia, sacudia e abria a tampa, sacudia, sacudia e abria di novo; dizia ele que era pra sair o gás, sabe cumé? Com aquele troço sacudido, ele embrenhô um litro de cachaça lá dentro… Ê, minino! Mas nós entrô fechado naquele trem que dava até dó. Na hora de imbora, o Zaqueu aprumô uma iscada na carcunda e foi até bem. Mas quando chegô lá na frente, a iscada inganchô num gaio de arve que tava assim no arto, ele bambiô, iscorregô num arbusti e coiciô que nem cavalo bravo que só veno a disinbestança que foi. E aí num teve remendo! Foi Zaqueu prum lado, iscada pro outro, uma diabera danada… Ê trem da peste, sô. Teve bão dimais!

O senhorzinho foi responder quando a cobertura caiu. Entre as risadas de quem estava próximo e ouviu toda a história, fiquei a pensar de como a literatura surge pronta bem a nossa frente. Peguei meu bloco de notas e pus-me a registrar na tentativa de captar, entre um balanço e outro, o tom da voz que acabara de ouvir, sem saber se o que fazia era plágio ou uma apropriação indevida.  Pensei em pedir permissão ao dono do celular, mas já era tarde, não dava mais tempo. Ele havia decido. Ô diacho, sô.

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Pois é… Essa é uma daquelas histórias que nos pegam de surpresa quando menos esperamos. Vem, acontece e quando percebemos já foi. O privilégio de escrever é poder registrar e contar o que poderia ter sido perdido. Então me diz o que você achou e me conte aí: você já vivenciou histórias inesperadas?

Forte abraço!

Até a próxima.

ANIVERSÁRIO DA ACADEMIA TAGUATINGUENSE DE LETRAS

Por Paccelli José Maracci Zahler
(Brasília – DF)

Academia Taguatinguense de Letras,
Orgulho de nossa cidade,
Há 37 anos a promover,
A Literatura com dignidade.
.
Seus escritores e poetas,
Deixam sua marca na história,
Com obras e palavras lúcidas,
Constroem a nossa memória.
.
Em Taguatinga, cidade querida,
A Academia é um tesouro,
Um farol que ilumina a vida,
E inspira novos escritores.
.
Que siga por muitos anos,
A brilhar na comunidade,
Academia Taguatinguense de Letras,
Tradição da nossa cidade

ALGUMAS PALAVRAS

Por Leandro Bertoldo Silva

Escrever é uma habilidade necessária para todas as pessoas e, particularmente, para quem tem a literatura como estilo de vida. Para escrever com clareza é necessária uma anterior organização lógica do pensamento, podendo-se concluir que sem o pensamento logicamente ordenado não pode haver redação clara, inteligível. Isso significa que ensinar a escrever equivale a ensinar a pensar, tarefa obviamente impossível. No entanto, sugerir técnicas ou práticas que favoreçam o desenvolvimento do processo de redação é tarefa possível.

Quando assumi o compromisso de conduzir pessoas já experimentadas na leitura ao caminho da escrita literária, sabia exatamente aonde iríamos chegar: em um lugar onde o belo faria morada em nossos corações. Já vislumbrava estes livros que você tem a oportunidade de apreciar no vídeo abaixo, sabia das suas existências e até já conversava com eles. O que não imaginava é que eles trariam, junto com as palavras, a “calmaria” de uma amizade tão sincera, de uma admiração absolutamente profunda por cada pessoa, cada qual com as suas particularidades, com os seus sonhos, com as suas dores e cores. Tudo matéria-prima da escrita, ingredientes textuais que ao longo de doze meses teceram os mais saborosos pratos semânticos em um banquete de histórias.

Vivenciamos a linguagem, a leitura e a escrita de uma maneira na qual eu sempre acreditei: pelo amor, jamais pela dor e obrigação. Nesse lugar rimos, choramos, nos emocionamos, entramos nas vidas uns dos outros, soubemos de detalhes, nos pertencemos. Munimo-nos de ferramentas não apenas para um bom texto, mas para alcançarmos a qualidade de nossa humanidade.

Sim, a literatura é uma escada muito alta, e cada texto, cada verso, cada pensamento me fez chegar até o topo. Calo-me nesse instante, dando lugar às vozes principais presentes nestes livros agora entregues ao mundo. São eles, pelas mãos de quem os escreveram, as estrela a brilharem como sempre brilharam ao longo de suas feituras. Desejo apenas dizer uma coisa a todos e todas que acreditaram e se entregaram nessa travessia: por serem hoje mais um galho a crescer nessa Árvore das Letras a amparar os meus sonhos e mostrar que eu nunca estive errado, muito, muito obrigado! A literatura precisa de vocês.

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Para que você possa conhecer um pouco desse trabalho, acompanhe este vídeo de apresentação dos livros. Assim nos fizemos amigos, fortalecemos os laços já existentes e continuaremos nossa evolução literária agora com os Novos Autores.

Forte abraço!

Até a próxima.