COMO LIMPAR E CONSERVAR SEU LOCAL DE INFORMAÇÕES VARIADAS, REUTILIZÁVEIS E ORDENADAS – L.I.V.R.O

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Por Leandro Bertoldo Silva

Ser um leitor vai muito além da leitura propriamente dita. Ser um leitor passa pelo amor aos livros e o prazer de tê-los. Ser um leitor é realmente muito diferente de um não leitor…

Tudo bem! Vivemos uma era de modernidade impossível de ignorar (e nem podemos e queremos), em que os livros eletrônicos — os chamados ebooks — com diferentes formatos de arquivos de leitura e programas estão em evidência, deixando os livros tradicionais com os dias contados.

Será mesmo?

Machado de Assis, no célebre conto A igreja do Diabo, diz:

“As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão”.

Isso nos leva a pensar, e no meu caso ter a certeza, de que o velho e bom livro de papel… Ah, esses sempre irão existir… Há quem acredite que não; felizmente, tanto como leitor e também como escritor, não faço parte dessa opinião.

Para fortalecer e sustentar a tese dos que acreditam na continuidade da espécie, leia a deliciosa crônica de Millôr Fernandes, que vem ilustrar muito bem o que quero dizer.

Vamos lá…

L.I.V.R.O

“Existe entre nós, muito utilizado, mas que vem perdendo prestígio por falta de propaganda dirigida, e comentários cultos, embora seja superior a qualquer outro meio de divulgação, educação e divertimento, um revolucionário conceito de tecnologia de informação.

Chama-se de: Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.

L.I.V.R.O. que, em sua forma atual vem sendo utilizado há mais de quinhentos anos, representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, nem pilhas. Não necessita ser conectado a nada, ligado a coisa alguma – nem mesmo à internet (grifo meu). É tão fácil de usar que qualquer criança pode operá-lo. Basta abri-lo!

Cada L.I.V.R.O. é formado por uma sequência de folhas numeradas, feitas de papel (atualmente reciclável) que podem armazenar milhares, e até milhões, de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantém permanentemente em sequência correta. Com recurso do TPOTecnologia do Papel Opaco – os fabricantes de L.I.V.R.O.S podem usar as duas faces (páginas) da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os custos à metade!

Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. É que, para se fazer L.I.V.R.O.S com mais informações, basta se usar mais folhas. Isso, porém, os tornam mais grossos e mais difíceis de serem transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema, visivelmente influenciados pela nanoestupidez.

Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, no próprio cérebro, sem qualquer formatação especial. Lembramos que, quanto maior e mais complexa a informação a ser absorvida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.

Vantagem imbatível do aparelho é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite o acesso instantâneo à próxima página. E a leitura do L.I.V.R.O. pode ser retomada a qualquer momento, bastando abri-lo. Nunca apresenta “ERRO FATAL DE SENHA”, nem precisa ser reinicializado. Só fica estragado ou até mesmo inutilizável quando atingido por líquido – caso caia no mar, por exemplo. Acontecimento raríssimo, que só acontece em caso de naufrágio.

O comando adicional moderno chamado ÍNDICE REMISSIVO, muito ajudado em sua confecção pelos computadores (L.I.V.R.O. se utiliza de toda tecnologia adicional), permite acessar qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder na busca com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com esse FOFO (softer) instalado.

Um acessório opcional, o marcador de páginas, permite também que você acesse o L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na última utilização, mesmo que ele esteja fechado. A compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou tipo de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração. Todo L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de página, caso o usuário deseje manter selecionados múltiplos trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com a metade do número de páginas do L.I.V.R.O.

Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O. por meio de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada – L.A.P.I.S.

Elegante, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro, como já foi de todo o passado ocidental. São milhões de títulos e formas que anualmente programadores (editores) põem à disposição do público utilizando essa plataforma.

E, uma característica de suma importância: L.I.V.R.O. não enguiça!”

Fantástico, não é?

Sei que como eu, existem muitas pessoas que amam seus livros, que se sentem bem simplesmente estando na companhia deles, sentindo o seu cheiro, o prazer de passar as páginas, namorando cada folha, cada detalhe numa espécie de ritual mágico para a leitura…

Mas o livro, como qualquer objeto, principalmente valioso, precisa de cuidados… Muitos cuidados…

Você que está lendo esse artigo e, que como eu e muitos, ama os seus livros, responda rápido:

 Você limpa os seus livros? Conserva-os? Sabe como fazer isso?

Bem, conheço muita gente que nunca ou raramente se predispõe a esse serviço…

Mas como quem “ama, cuida”, resolvi publicar esse artigo mostrando como é possível fazer a limpeza dos seus livros de maneira correta e eficiente.

Na verdade, a ideia veio a partir de uma coleção de Jorge Amado que ganhei recentemente… Os livros são editados pela Livraria Martins Editora, capa dura, marrom, tipo couro, uma verdadeira relíquia. Para os amantes dos livros e da boa, boa não, ótima literatura, não poderia haver presente maior!

Porém, como os livros estavam um tanto velhos, alguns mofados e estragados, parti para uma busca pela internet de como poderia limpá-los da melhor forma. Encontrei muitas dicas aqui e ali, lá e acolá…

Prece interessante? Então continue lendo para saber mais sobre:

  • O material necessário para a limpeza dos livros;
  • O passo a passo de uma limpeza correta e eficaz de seu livro;
  • Alguns cuidados e dicas essenciais;
  • Um conselho final, que faz toda a diferença na conservação do seu livro.

Como sei que essas informações também podem ser de muita valia para muitas pessoas, resolvi reunir as melhores dicas que encontrei em um único lugar e publicar este conteúdo aqui no blog. O resultado gerou o infográfico abaixo e que tenho o prazer de compartilhar com você. Espero que goste.

Como limpar e higienizar os seus livros

E então, gostou do conteúdo? Viu como é fácil e possível cuidar dos seus livros?

Então, compartilhe esse artigo e ajude outras pessoas que também amam os seus livros a saberem a melhor maneira de limpá-los e conservá-los. Os livros agradecem e a cultura também…

DOSTOIÉVSKI: O ESCRITOR DAS REDENÇÕES

Por Leandro Bertoldo Silva

Será que investir na leitura dos clássicos é uma atitude inteligente e necessária para o leitor moderno?

E para você?

Ser considerado um leitor, uma leitora crítica, preparada para tecer argumentos quanto a construções semânticas das obras, as estruturações psicológicas humanas dos personagens relacionadas à época, ao momento contextual social são grandes feitos, concorda?

No mesmo caminho, conhecer as grandes vozes que arquitetaram verdadeiras obras-primas, saber de suas histórias, de seus trajetos, que os colocaram no patamar de grandes influenciadores do pensamento moderno, é um atributo do homem e da mulher culta, e é inegável que essa cultura influencia, por sua vez, diretamente a vida de quem as aprecia e cuida.

Segundo o professor Paulo Venturelli, a leitura do literário é altamente transformadora e fundamental, pois ela faz com que a vida muda, uma vez que mudamos a sensibilidade, a visão de nós mesmo e do mundo, a percepção do outro, tendo, portanto, mais elementos para pensar-se e pensar a própria vida.

E se assim é, e é, conhecer os clássicos é fundamental, pois é possível traçar uma linha cronológica da evolução da humanidade e entender muito melhor o nosso processo de estar no mundo, com suas contradições, encontros, harmonias, paz, guerras, fazendo com que entendamos tudo isso de uma forma dialógica, sendo possível, inclusive, “prever” determinados pensamentos e tendências futuras a partir do acontecido…

Olhando por este ponto, percebemos que a leitura como um todo, e especialmente os clássicos, é mais do que uma questão de gosto, mas uma providencia e uma questão de necessidade e sobrevivência, fazendo com que essa importância ultrapasse, e muito, os bancos escolares. Ainda bem…

Mas esse reconhecimento não acontece da noite para o dia

É necessária uma mudança de atitude com o livro e com a leitura.

Ainda segundo o professor Venturelli, a partir do momento que uma pessoa se torna um leitor consciente, ela passa a absorver uma série de ideias, absorvendo uma série de ideias ela consegue metabolizar tudo em sua cabeça e começa a ter ideias próprias, pois, para isso, a cabeça precisa ser “alimentada”, e o resultado que disso provém, é a autonomia e independência de cada um.

Não é fantástico?

Quem não deseja tal autonomia? E ela é possível! Mas é preciso, como dito, mudar a relação com a leitura, tirá-la do campo da obrigação e acolhê-la como uma amiga que te conforta e te conduz a um mundo melhor.

Mesmo que você não queira ser um crítico literário, como o professor Paulo Venturelli, investir na sua leitura pode trazer muitos outros benefícios para sua vida, inclusive profissional. Por exemplo, se você está interessado em:

  • Despertar o interesse prazeroso e consciente da leitura;
  • Provocar o gosto pela diversidade literária;
  • Familiarizar com o melhor da literatura clássica e seus escritores;
  • Ser visto(a) como alguém culto(a);
  • (Re)construir uma relação de amor com os livros…

Você precisa elaborar sua estratégia de leitura pessoal.

Portanto, a Árvore das Letras passará a trazer mensalmente, em um de seus conteúdos, a vida e obra dos grandes escritores da literatura universal, com o intuito de ajudá-lo(a) a conhecê-los e a reverberar a cultura no que consideramos ser de extrema importância para o conhecimento humano.

Em posse desse “dossiê” que será formado, você pode, a partir das curiosidades, semelhanças, afinidades e gostos, ir estruturando uma agenda de leitura daquilo que você quer conhecer melhor.

A partir daí é encontrar o seu tempo, pois, sim, ele existe — nem eu, como escritor e professor de literatura teria tempo de ler se eu não me planejasse para isso — e se aventurar por caminhos até então inexplorados, e se explorados, revisitá-los, que é também uma prática recomendável…

Gostou do que vem por aí? Então já compartilhe com seus amigos para que eles, também, possam conhecer essa nova referência de leitura e, quem sabe, adotá-la em suas vidas fazendo crescer o coro de leitores mais conscientes.

E para abrir esta porta, ou melhor, para construir esta ponte, iniciamos com ele: FIÓDOR MIKHÁILOVITCH DOSTOIÉVSKI: O ESCRITOR DAS REDENÇÕES…

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Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski é conhecido como o escritor do excesso, em que toda sua ficção é povoada por personagens que vãos às situações-limites, aos extremos – crimes, sobretudo –, que beiram o abismo e tremem de vertigem.

Mas há muito mais na história de Dostoiévski. Além de cristão, ele tinha profundo interesse em profetas e reservou longas passagens em seus romances para pregações.

Não há livro de Dostoiévski que não ofereça redenção. De Recordação da Casa dos Mortos e Notas do Subterrâneo a Os Possessos e Os Irmãos Karamásov, passando por Crime e Castigo e O Idiota, há sempre um personagem santo ou que será santificado.

Há leitores que se chateiam com o remoer interminável dos personagens de Dostoiévski, com a obsessão da culpa a fim de redimir seus atos anticristãos. Mas Dostoiévski não seria Dostoiévski sem os seus excessos que retratam a sociedade colocando-a em frente ao espelho…

Como Dostoiévski, temos tantos outros gênios da literatura universal que, com seus talentos e determinações, sonhos, controles e descontroles, prazeres e dores, glórias e até suicídios, vieram tecendo a cultura de nosso mundo e influenciando gerações de leitores e escritores entre tempos.

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Em junho de 1812, a Rússia é invadida pelas tropas napoleônicas e a elas se rende após sangrenta batalha. Após cinco semanas numa Moscou incendiada, abandonada por seus moradores, tem início a famosa retirada do Grande Exército, ordenada por Napoleão. Mas as tropas russas seguem-lhe as pegadas até a Alemanha, e nesse país travam diversas batalhas. A perseguição continua até Paris, onde, no mês de março de 1814, Alexandre I entra triunfalmente.

De volta à Rússia, jovens oficiais se impressionam com os abusos da burocracia, com a arbitrariedade do governo, com o sofrimento dos servos, com juízes corruptos, entre outros desmandos. Algumas sociedades secretas começam a se organizar para reverter a situação, e até 1820 ocorrem vários movimentos revolucionários por todo o país.

Nessa Rússia conturbada, na cidade de Moscou, nasce Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, em outubro de 1821, descendente de uma aristocrática família lituana, porém agora sem fortuna alguma.

O pequeno Dostoiévski cresce em meio à pobreza e a pessoas doentes: seu pai é médico em um sanatório para pobres em Moscou, e é aí que reside a família. Além das condições materiais bastante adversas, ainda lhe amarguram a vida o temperamento despótico e brutal do pai, que vive aos gritos com ele, e a passividade triste e nervosa de sua mãe, Maria Fiódorovna Nietcháieva. Martirizado, o menino alimenta a esperança de que o pai morra, o que chega a pedir a Deus em suas preces. Contudo, quem morre é sua mãe, que não resiste a tantos sofrimentos.

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Viúvo, Mikhail dedica-se com mais afinco ao trabalho e resolve mandar o filho para a escola militar de engenharia em São Petersburgo, atual Leningrado. E é ali, entre exercícios de campanha e cálculos matemáticos que o adolescente Fiódor descobre o prazer da literatura.

Entrega-se febrilmente à leitura e fica impressionado com Schiller, Dickens, George Sand e Balzac. As ideias de muitos escritores de séculos anteriores, como Byron, Shakespeare e Cervantes, e de seu contemporâneo Victor Hugo, mais tarde influenciam suas obras.

A inesperada notícia do assassinato do pai, em 1839, acaba pesando na consciência do jovem Fiódor, que tanto rezara para ver-se livre dele. Amargurado, angustiado pelo remorso, sentindo-se responsável por toda a miséria do ser humano, ele busca se redimir por meio da criação literária. Aos vinte anos, começa a escrever Bóris Gudunov e Maria Stuart, que não só refletem a preocupação de seguir a moda romântica, como também sua problemática pessoal: o primeiro é a história de um tirano, como seu pai, e o segundo é o drama de uma rainha infeliz e injustiçada, como sua mãe. Fiódor não conclui nenhuma das duas obras.

Em 1843 termina os estudos e vai servir como alferes na seção de Engenharia de São Petersburgo. Nessa mesma época, traduz duas obras românticas: Eugênia Grandet, de Victor Hugo, e a peça Dom Carlos, de Schiller.

No ano seguinte, ainda tentando seguir os padrões do romantismo, Dostoiévski começa a elaborar Pobre Gente, novela que descreve o ambiente medíocre em que vive. Por fim, cada vez mais fascinado pela literatura, demite-se do cargo público para dedicar-se inteiramente à carreira de escritor.

Publicada em 1845, Pobre Gente transforma-se em grande sucesso de público e de crítica, o que o encoraja a escrever com mais afinco. Em 1847, ano em que sai a segunda edição de Pobre Gente, sofre uma séria crise de epilepsia. No ano seguinte, publica O Duplo, romance que não obtém o mínimo sucesso literário.

A fase de glória parece estar chegando ao fim, a fama começa a declinar: os críticos e autoridades literárias russas que tanto o haviam elogiado, chegam a confessar de público que se enganaram e que haviam exaltado equivocadamente seu talento literário.

Tão inesperada mudança de opinião isola Dostoiévski do convívio geral. É tomado então por repentinas dúvidas a respeito da própria capacidade e de qual seria sua real vocação.

Em 1848, Dostoiévski, aos 21 anos, começa a frequentar um grupo socialista revolucionário em São Petersburgo, do qual passa a fazer parte. Mais tarde, no entanto, no livro Os Possessos, denunciaria o clima de violência e niilismo vigente entre os revolucionários, acusando-os de agir, sobretudo, movidos pelo tédio e de viverem inutilmente à custa dos servos.

Antes do rompimento com o grupo, porém, o escritor já se havia comprometido em favor do socialismo, em seus discursos públicos. Denunciado juntamente com os companheiros de grupo, é preso e condenado à morte por fuzilamento.

Já no patíbulo, no momento em que se iria cumprir a sentença, um toque de clarim interrompe a execução. Para incredulidade e imenso alívio dos réus, o auditor imperial anuncia que Nicolau I mudara de ideia e que a pena de morte fora comutada em prisão perpétua com trabalhos forçados na Sibéria.

Para lá segue o escritor, então, na véspera do Natal de 1849. Na bagagem que leva é pouco o peso: um exemplar do Evangelho – só! Mas quanto alento, força e inspiração lhe dá a leitura desse único livro. Daí a certeza renovada de que os sofrimentos são o preço necessário da redenção.

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Na convivência com ladrões, criminosos e prostituas no exílio, Dostoiévski jamais põe em dúvida a bondade humana. No livro Recordações da Casa dos Mortos, ele registraria:

“Posso testemunhar que no ambiente mais ignorante e mesquinho encontrei sinais incontestáveis de uma espiritualidade extremamente viva”.

Após cinco intermináveis anos de trabalhos forçados, em 1854, com 33 anos, Dostoiévski é incorporado como soldado raso em uma guarnição siberiana, onde passa outros cinco anos. Não tem amigos nem família, tampouco dinheiro. Na fria solidão da Sibéria, sofre o suplício de apaixonar-se por uma mulher casada, Maria Dimítrievna Issáievna. Seu sofrimento aumenta quando ela se muda para outra cidade, mas depois de alguns meses, para sua alegria, ele vislumbra uma esperança: Maria fica viúva. Em menos de um ano, passado o período de luto, eles se casam, em 1857.

O casamento, porém, não tem um bom começo. Na noite de núpcias Dostoiévski sofre uma violenta crise de epilepsia, como já tivera anos antes. A mulher apenas o observa, com o espanto estampado nos olhos.

Não há consolo na Sibéria: a desolação da paisagem o deprime, sua saúde é péssima, o casamento revela-se um fracasso. Tudo que lhe resta é escrever um novo romance, Recordações da Casa dos Mortos, e esperar que o czar lhe dê permissão para voltar a São Petersburgo.

Nicolau I já está morto, e seu sucessor, Alexandre II, atende-lhe o pedido. Em novembro de 1859, o escritor volta à cidade que tão bem retrataria em seus contos e romances.

O retorno, porém, é melancólico e solitário: os amigos já o esqueceram, o público também. Com o irmão Mikhail, funda um periódico, O Tempo, em 1861. A publicação de Recordações da Casa dos Mortos, nesse mesmo ano, ajuda-o a fazer ressurgir seu nome, mas a fama não é suficiente para livrá-lo das graves dificuldades financeiras. Tudo o que ganha, Dostoiévski gasta com o jornal e com a mulher doente, contrai empréstimos que não consegue pagar, e, por fim, ao ver-se ameaçado por credores, foge para o exterior, em 1862. Deixa a mulher em São Petersburgo e, com recursos obtidos na Caixa de Socorros a Escritores Necessitados, percorre a Alemanha, Itália, Suíça, França e Inglaterra, levando consigo uma jovem estudante, partidária do feminismo, entusiasta da literatura e candidata a romancista: Polina Súslova, que posteriormente seria a musa inspiradora das personagens de O Jogador, O Idiota e Os Irmãos Karamázovi, entre outros. No entanto, gasta no jogo tudo o que lhe resta e mais o que consegue ganhar com a penhora de seus pertences e os de Polina.

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De volta a Petersburgo, em 1863, Dostoiévski encontra Maria agonizante e o jornal fechado por ordem do governo. No ano seguinte, encontra ânimo e funda então outro periódico, A Época. Ainda em 1864, num período de três meses, morrem Maria e Mikhail, ficando a seu encargo a sobrevivência da cunhada viúva e dois sobrinhos. É e meio a esse sentimento de angústia que Dostoiévski inicia a redação de Memórias do Subterrâneo, obra que marca o completo amadurecimento literário do escritor. A partir desse livro, ele superaria os modismos românticos que marcaram as obras anteriores, passando a interessar-se pela sondagem dos mistérios da existência e da complexidade da alma humana, pelo refortalecimento das qualidades essenciais do povo russo e pela busca do homem bom.

Entretanto, embora tenha encontrado o caminho para se realizar como escritor, Dostoiévski é um homem solitário e infeliz. Polina, que ele deixara em Paris, recusa seu pedido de casamento, e ele se afunda mais e mais em dívidas de jogo. Quando seu editor exige que ele cumpra o prazo para a conclusão do manuscrito de Crime e Castigo, ele contrata a estenógrafa Ana Grigórievna para ajudá-lo, e finalmente encontra na jovem de 21 anos a companheira que procurara por toda sua vida.

Casa-se com ela em 1867, aos 46 anos. A paixão pelo jogo, porém, só faz aumentar-lhe as dívidas. Os credores voltam com as ameaças de cadeia, e Dostoiévski emigra com Ana para a Europa Ocidental. Um adiantamento do editor permite-lhe fixar-se em Genebra. Mas o vício o persegue… Tudo empenha — da aliança ao capote — e tudo perde.

A morte da primeira filha em 1868, com três meses de idade, ameaça comprometer sua sanidade mental, o que é agravado pelo sentimento de culpa por privar a amada esposa do conforto e dos bens materiais. Sem filha, sem paz, o casal abandona Genebra e a literatura. Vagueia pela Itália, atormentado pela solidão, curtindo a saudade da pátria distante e da filha morta.

Amigos compadecidos e o editor mandam-lhe da Rússia uma ajuda financeira, que, mais uma vez, esvai-se nos cassinos. A Dostoiévski não resta escolha senão voltar a escrever, e o faz sem cessar, procurando ganhar o mínimo para o sustento doméstico. O nascimento da segunda filha, em 1869, vem atenuar um pouco a rudeza da vida.

Com ânimo renovado, o casal retorna à Rússia em 1871, ano em que publica Os Possessos. Dois anos depois, Dostoiévski assume o cargo de redator-chefe em O Cidadão. E é a partir dessa época que escreve algumas de suas obras-primas. Em 1874 publica O Adolescente e Diário de um Escritor, e em 1880 Os Irmãos Karamázovi. Torna-se ídolo de seus leitores, guia espiritual, exemplo de força e coragem, o “Escritor da Rússia”, que, ao retratar a alma de seu povo, evidenciara a própria condição humana.

As aspirações de Dostoiévski estão, enfim, realizadas. Não só o escritor alcança seus intentos: o homem encontra o amor sofridamente buscado, a alegria de ter os filhos que quis e a paz que tanto almejara.

Mas já não há tempo para ser feliz. Num dia nevado de 1881, vítima de uma hemorragia, morre aos sessenta anos Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, consagrado até hoje como um dos mestres da literatura universal.

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Confira abaixo um infográfico cronológico resumido da vida de Dostoiévski. Que tal salvá-lo e ir colecionando com os próximos escritores que publicaremos? Assim, você terá uma lista de consulta pessoal. Acredite, valerá a pena!

Cronologia - Dostoiévski