(DE)SENCONTRO

Por Leandro Bertoldo Silva

Costuma-se dizer que ouvir conversa alheia é falta de educação. Concordo. Mas e quando a conversa vem até você? Vinícius de Moraes já dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Vinícius era poeta ou profeta? Seguramente os dois. Não sei em quais circunstâncias os escritores, músicos, compositores criam suas obras… Humm, está certo! Não posso dar-me como o poeta de Pessoa a fingir dores ou mesmo dissabores! É porque durante certo período acreditava que esses magos da palavra entravam em estado de nirvana, banhavam-se em algum rio ou subiam alguma espécie de montanha imaginária, talvez até real, e acessavam o ápice da criação. Deuses da palavra ou escultores da controvérsia: eis a questão para, como Shakespeare, ficar entre o ser e o não ser. Todas essas possibilidades, porém, caíram por terra frente o acaso do meu copo de cerveja pousado ao lado do meu bloco de notas em um bar de quinta, onde tentava, até então em vão, escrever seja lá o que fosse a fim de tornar-me o novo best seller, como se isso representasse alguma coisa…

“Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.”

Foi o que ouvi dito por uma mulher, muito bonita por sinal, a um homem supostamente seu marido ao se aproximarem da mesa em que eu estava. Não digo isso pelas alianças em seus dedos, mas pela experiência mística — porque não há outra forma de definir aquilo — revelada bem ao alcance dos meus olhos e ouvidos. Eles ainda nem tinham se sentado à mesa ao lado quando, ao fazerem, presenciei um curtíssimo diálogo ou, pelo menos, uma tentativa iniciada por aquela pérola de declaração muito, muito verdadeira:

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.

— Como?!

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para…

— O que? Só um minuto, por favor, o celular… […] Sim, agora pode falar.

— Certa vez, a rosa se enfeitara…

— Nossa, lembrei que tinha que ter postado aquela foto ontem! Desculpe, meu bem… Então…

— Certa vez, a rosa se…

— Preciso trocar esse telefone… Ah, desculpe. O que estava mesmo dizendo?

— Certa vez…

— Será que pedimos batata frita ou macarrão na chapa? Bem, parece que você estava dizendo alguma coisa…

— Certa… mente.

— O que?

— Nada. Quero ir embora.

— Você é sempre assim! Depois diz que não te dou atenção…

Saíram tão rápido quanto chegaram. Terminei meu copo de cerveja, guardei meu bloco de notas, paguei a conta e fui-me embora com essa — meu estado de nirvana — cantarolando o “Samba da benção” enquanto outros best sellers da vida  provavelmente estariam a serem escritos por aí, ou, quem sabe, cantados.

Porque o samba nasceu lá na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração…

A benção, Vinícius.

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Pois é… Se você já viveu algo parecido, se já foi arrebatado ou arrebatada assim “sem mais nem porquê” por alguma pérola que a vida nos proporciona, conte nos comentários. Lembre também de curtir e compartilhar essa crônica com os amigos. Fico muito agradecido.

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe…”

Forte abraço!

UM CONTO DE JUVENTUDE: A MELHOR MÚSICA DO MUNDO

Por Leandro Bertoldo Silva

Engraçado como algumas frases nos impactam. Deparei-me com uma delas, lembrada por uma amiga no excelente espaço Jornal Presença Itabirito,MG, na qual fiquei a refletir. Dizia assim:

“Quanto de você existe naquilo que você odeia?”

Essa máxima atribuída a Sigmund Freud remeteu-me a um outro pensamento irmão ao nos trazer a seguinte consideração:

“O que está fora é o que está dentro”.

Não, esse não é de Freud, embora ele pudesse explicar. Eu nem mesmo sei de quem seja, mas lembrei-me de um acontecimento, desses inusitados, e o transformei em história para nunca mais ser esquecida, pois, como dizia Guimarães Rosa, “Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável. Muita coisa importante falta nome”…

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Uma vez encontrei um menino sozinho na rua. Estava todo sujo. Estava tão sujo, que eu jurava ver poeira saindo do seu corpo quando caminhava em minha direção. Curioso perceber o quanto a sujeira contrastava com sua felicidade. Vinha com um sorriso a esbanjar contentamento. Carregava uma caixinha de fósforo e nela dedilhou um sambinha e, tão logo me viu, começou a cantar:

            Oh, seu moço, por favor, dê um sorriso!

            Porque hoje aprendi o que é o amor.

            O que é o amor…

— Por que está tão feliz, menino? — perguntei admirado.

— Porque hoje conheci a melhor música do mundo e descobri que ela está dentro dessa caixinha! — respondeu-me prontamente.

— Música?! Mas isso não é música! É apenas um batuque!

Ele me olhou de uma maneira tenra e dócil…

— Não, moço… É música. E é tão linda! Mas só os puros podem ouvi-la e reconhecê-la.

— Não é engraçado um rapaz como você, tão sujo, falar de pureza?

Mais uma vez ele pousou em mim um olhar dócil, sorriu e disse:

— Você acha isso mesmo? É, moço… As coisas do mundo, assim como seus ouvidos e olhos, nem sempre são como se diz ou mostra. Preste um pouco mais de atenção… Eu vou ajudar você.

A partir daquele momento, não mais disse nada. Na verdade, não fora preciso. Ele tocou a caixinha de fósforo de uma forma tão maravilhosa, com uma alegria tão especial, eu fui, aos poucos, percebendo a grande música ali presente. Nessa hora, enxerguei, afinal: não era poeira suja a sair de seu corpo, mas partículas minúsculas de luz ao envolvê-lo completamente. Foi quando vi como eu estava enganado pelo pessimismo muitas vezes arrogante dos mais velhos ao julgar ter o direito de achar ser isso natural.

Quando o jovem me viu diferente, deu um sorriso largo e escultural — não me lembrava de ter visto igual — e saiu tocando a sua caixinha de fósforo até sumir de minha vista. Quanto a mim, fiquei feliz. Ele está por aí, na sua missão de caixinha. Por isso, repare em todas as pessoas “sujas” pelos caminhos e, ao invés de se desviar, dê a elas um pouco de atenção e as toque como a uma caixinha de fósforo. O que vier delas pode ser a melhor música do mundo…

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*Essa história eu a presenciei em parte. Felizmente me fiz moço para viver por ele a realidade a qual desperdiçou. Compartilhe com um amigo, comente se já viveu alguma situação que o fez repensar conceitos…

Obrigado por sua leitura.

Forte abraço!

NO PRINCÍPIO, A PALAVRA: FEMININA, DIVINA

Por Leandro Bertoldo Silva

Tencionava descer à Terra e finalmente dar-se a conhecer aos homens. Foi assim que Deus deixou de ser mulher, e de uma forma tão brutal, que esta história virou lenda para que nunca mais fosse tida como verdade…

Fala-se de um tempo onde tudo eram fragrâncias; fala-se da chuva e do sol – harmonia perfeita das estações; do calor e do frio, da maciez das flores, das sementes que germinam em tempos de esperas. Para que a pressa? Não há pressa; há lucidez, e tudo basta. Assim era a vida no mundo: sem embates, sem crimes contra a íntima Natureza. Durante muito tempo, as mulheres viveram na mais absoluta bem-aventurança. Eram as senhoras de todos os saberes. Conheciam, pelo cheiro, os segredos das ervas, e por suas infusões cantavam a essência dos sentimentos. Não havia terra que não pudessem cultivar, nem animais que não pudessem domar. Na escala da natureza, a mulher reinava, mas sem armas; seus instrumentos eram feitos de fragilidade, pois não conheciam impetuosidades e tinham na humildade o regaço de sua beleza. A terra, também feminina, entendia o trabalho e se deixava fecundar pela semente da mulher, pois não conhecia varão e, sendo assim, nunca fora aberta, em suas partes, chagas violentas, mas sulcos com total respeito e devoção onde a vida continuava a crescer ininterruptamente.

Mas eis que um dia, as mulheres ficaram atônitas. Um fruto diferente, de uma beleza incomparável surgira de entre as folhas de uma macieira. Como tendia a crescer a cada mês diferente dos outros frutos, as mulheres o esconderam por nove meses, quando de dentro de seu invólucro vermelho surgiu uma criança tão bela como um anjo. As mulheres, hipnotizadas pela beleza da criança, perceberam sua anatomia diferente, mas como todo o resto era tão igual, porém de uma beleza nunca vista, não deram a importância merecida. Estava acontecida a invasão original.

A partir daquele dia, algo mudou. As mulheres, antes tão altruístas, viram nascer um sentimento desconhecido, pois lhes doía ter que dividir entre elas a criança, desejando-a só para si. Sabedoras de um desequilíbrio fortuitamente a fazer morada em suas almas, foram ter com a Deusa que pressentira a quebra da harmonia, mas a sabia inevitável. Faltava-lhes um ensinamento e era chegado o momento do grande dilúvio, tão grande e medonho que a história não o mencionou…

O menino cresceu resguardado pela Deusa e a beleza crescia junto dele, mas crescia também, mesmo veladamente, os sentimentos de ciúme, inveja e discórdia. O menino, agora homem feito, logo entendeu a origem do infortúnio ao perceber ser ele mesmo o motivo, e isso o fez se sentir tão poderoso ao ponto de se estabelecer como o senhor das mulheres. A Deusa, em sua compreensão, sabia ser exatamente aquele o ponto do conflito. Era ali onde haveria de existir o equilíbrio entre as polaridades e, à sua vontade, se misturavam entre homens e mulheres ao passar a dividir a mesma terra. Como as mulheres eram filhas do céu e, sendo assim, possuidoras das verdades, e os homens filhos da terra maculada e, por isso, cegos pelo véu da ambição, a Deusa se fez Deus para ter aceitação nos corações vaidosos destes e de quem se achavam, em véu de ilusão, serem os donos do mundo. Muitos anos se passariam, muitos conflitos aconteceriam até entenderem – homens e mulheres – não haver dissociações; um se completaria no outro como o dia e a noite, o sol e a lua, o fogo e a água. Até lá, as mulheres se recolheriam em suas sabedorias e verdades só a elas destinadas, só elas sentiam, ao ponto de realizarem o que desejassem tendo nos olhos a morada de seus mistérios. Os homens, por suas vezes, se revelariam na força e na coragem, mas mediante o barulho que criariam na fantasia de seus domínios, revelariam suas fraquezas e seus medos frente ao desconhecido. Mas o tempo chegaria e, quando chegasse, o verbo, antes feito carne, entenderia a existência de algo muito maior que lhe gerara: a palavra, alma feminina em sua natureza divina. E o tempo se refez…

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*Este conto, publicado no dia 8 de março, deixo em homenagem à imensa e incomparável sabedoria das mulheres.

VOCÊ AINDA ESCREVE CARTAS? NÃO SABE NEM O QUE É ISSO? SERIA BOM SABER!

Por Leandro Bertoldo Silva.

Bem, aqui estou eu depois de ter escrito o texto que aí vai ainda no ano de 2018 e tê-lo publicado em meu Blog. Digo isso em estado de alegria por ter recebido, depois de 4 anos, uma carta… Sim, isso mesmo, uma carta!

Hoje ao ver as timelines das pessoas lotadas de mensagens (sim, eu também envio muitas), fiquei a imaginar se existe alguém nesses tempos de tecnologia que ainda escreve carta… E se sim, não posso deixar de imaginar também o outro alguém ao recebê-la naquele quase ritualístico processo da surpresa, ao constatar a presença do envelope na caixinha do correio, abri-lo após ter escolhido a melhor hora para fazê-lo e lançar-se à leitura com os olhos marejados de saudades…

Pois foi em uma conversa com um casal de amigos escritores que essa magia das cartas ressurgiu. Por isso, republico o texto com algum ajeito aqui e ali para quem ainda não teve a oportunidade de ler. Para aqueles que já leram, espero encontrarem nele algum ponto distraído escapado aos olhos. E no final eu farei um convite bem possível de ser o que muitos estavam por esperar.

Mas…

É, não posso deixar de dizer: sim, eu sei… Cartas são coisas antigas, ainda mais nos dias de hoje onde tudo são messengerwatts e face; # pronto, falei. Até o e-mail já se sente meio vovô! Mas para quem acha que as cartas já não têm dias contados, por não terem nem mais dias para serem escritas, engana-se! Vejamos… As cartas, essa missiva dos tempos dos dinossauros, têm um lugar de honra na inquestionável beleza de ser… As cartas, diferentes das mídias ceifadoras de palavras e até de expressões inteiras, falam com o coração; elas deslizam em nossas memórias e alcançam o patamar da delicadeza e da elegância.

Costumo comparar as cartas a fusquinhas, e todos sabem: criança não mente. O que isso tem a ver? Tudo! Faça a experiência e veja como uma criança não “contaminada” pela mídia – coisa infelizmente rara – vai preferir o fusquinha à Ferrari… Por quê? Simples! Fusquinhas se parecem com joaninhas; e as Ferarris? Com Ferraris mesmo. Ah, mas isso é coisa de criança! Será mesmo? Uma vez colocaram um fusquinha 76 original, impecável, rodas pintadas, uma beleza, ao lado de uma Ferrari dentro de um shopping para ver a reação das pessoas. De cada dez pessoas, oito contemplavam o fusquinha por muito mais tempo. Ou seja, o fusquinha, o chamado popopósaboneteiravai-que-eu-fico, e tantos outros nomes e apelidos, é como a nossa carta: antiga, mas de uma beleza incomparável, de uma elegância inquestionável e expressa, além de palavras, a sabedoria de quem dignifica a escrevê-la, pois ali se cravam histórias.

Escrever cartas hoje é sinônimo de coragem, de pessoas sem medo de expressar, além de sentimentos, sua capacidade para tal. Reparem nas pessoas que escrevem cartas – tudo bem, eu sei! É difícil encontrá-las, mas elas existem, sim, e só o fato de serem difíceis demonstram especialidades raras. Verá, quando as encontrar, que são pessoas polidas, que jogam o jogo das singularidades e não dos plurais, que fomentam encantamentos e nos deixam perplexos pelo diferencial de um gesto, de uma fala ou da própria escrita elaborada, bem cuidada, articulada até o último fio da gramática, digo, das palavras. Escrever cartas vai além de uma questão de escolha; é uma questão de estilo. Em um mundo onde as pessoas parecem ser feitas em série, ser diferente é um perigo. Mas, às vezes, esse risco, ou a falta dele, é onde a vida ficou sem graça, sem cor, sem movimento, apesar de tantos atrativos. Sabe de uma coisa? As pessoas são como as cartas: algumas têm conteúdos e, por isso, continuam existindo fazendo a diferença no meio de milhões, enquanto outras… Bem, as outras, por sofrerem tantas mutilações ao longo da vida, é o que todo mundo vê… Mas não podemos deixar de pensar na vida como um ciclo. Uma vez se está por cima, outra vez se está por baixo. O que hoje é considerado antiquado, ultrapassado, amanhã será um ouro, não o de tolo, esse já sabemos onde se encontra.

            Como dizia uma ex-aluna minha, “de acordo com os fatos supracitados”, é interessante pensar nos ditados populares, porque muito nos ensinam pela sutileza de suas ideias. Por isso, termino estas palavras com um desses ditados que vem bem a calhar e tão usado em cartas antigamente: “Em terra de cego quem tem olho é rei!”. Pense nisso…

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E aqui, eu, minha amiga escritora Valéria Gurgel e meu amigo escritor Paulo Cezar ventura deixamos o convite mencionado lá em cima feito em seis mãos!

Você ainda é do tipo de pessoa que escreve cartas? Gostaria de voltar a escrevê-las e também de recebê-las? Pois estamos a criar o movimento #aindaescrovocartas.

Não há palavras para mencionar a emoção ao escrevê-las, enviá-las e recebê-las. Experimente! Escreva uma carta e envie para um amigo, uma amiga e verá como é deliciosa a nostalgia, como a alegria irá invadir o seu coração.

O mundo anda muito necessitado de tempo e de carinhos. Muitos não possuem mais o dom da paciência e escrever cartas é uma terapia, além de um abraço em forma de palavras. Mais do que isso, é um exercício de espera.

Vejamos… Precisamos encontrar um tempo preciso para pensar no tema que iremos escrever, corrigir e até passar a limpo, se necessário, com a melhor caligrafia possível. Enquanto escrevemos vamos idealizando do outro lado a sensação da pessoa ouvindo a nossa própria voz lendo a carta para ela. É um momento muito especial. Depois, endereçar e levar a uma agência dos Correios, para seguir naquela gostosa expectativa da resposta! E…

“Quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão”…

Portanto, convidamos você a aderir ao movimento #aindaescrevocartas.

Como?

Curta e siga o grupo Ainda escrevo cartas no facebook e esteja em meio a pessoas que valorizam essa prática. Este grupo é formado pela parceria entre a Árvore das Letras editora-escola ateliê e a Rolimã Editora.

O objetivo geral é escrever cartas, óbvio, e refundar o delicioso hábito de enviar e receber uma carta na caixa dos correios, e não apenas contas a pagar ou publicidade de distribuidora de gás, de pizzaria e de hamburgueria, ou, em tempos de eleições, os famigerados “santinhos” dos candidatos.

Trata-se de uma ideia simples, mas poderosa, forte e realizável e com grande possibilidade de expandir ou mesmo retomar pelo mundo relações mais verdadeiras e humanas com enorme potencial de fazer alguém feliz…

Você pode escrever para seus amigos, pais, irmãos, filhos, pessoas conhecidas do próprio grupo. O importante é escrever.

Você pode fazer parte do grupo acessando este link: https://www.facebook.com/groups/1629135930765971

Este é um espaço onde compartilharemos nossas impressões ao escrever e receber cartas, fotos de cartas enviadas e recebidas (trechos, é claro, ocultando nomes e endereços das pessoas), e principalmente ser um lugar incentivador dessa prática.

E então, vamos lá? Só falta começar.

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* Obrigado pela sua leitura. Se você gostou, peço a gentileza de curtir, deixar um comentário e até compartilhar com um amigo, uma amiga. Quem sabe este texto não despertará em alguém a vontade de escrever cartas e um novo sentido de alegria? E se for você esse alguém, sinta-se em casa!

Forte abraço!

PELO CANTO DISTINGUEM-SE PÁSSAROS LIBERTOS: A LITERATURA DA CORAGEM

Por Leandro Bertoldo Silva

Em 2019 eu já havia criado as prensas de madeira, as quais eu chamo de “Paula Brito” e já confeccionava os meus livros e até de outros escritores e escritoras. Foi o ano em que comecei a idealizar a bicicleta de livros que veio a ser a Rocinante, uma vez que hoje sou conhecido como Quixote das Gerais. Uma bicicleta que sustentasse uma bancada de trabalho e uma mala repleta de livros escritos e feitos por mim de maneira artesanal e ecológica, além de enfeites pendurados que remetessem à literatura e a todo o seu universo mágico de criação.

Portanto, já naquele ano eu vislumbrava uma bicicleta que seria, ao mesmo tempo, uma oficina de livros e uma loja itinerante; oficina para mostrar ao vivo às pessoas o processo da costura de um livro e suas etapas a partir da prensa feita com madeira reaproveitada, e loja como local de vender o meu trabalho da forma mais poética possível ao estar frente a frente com os leitores. Foi e é assim a minha escolha em ser um escritor independente por opção e convicção, como costumo dizer, sem me arrepender das recusas pelas editoras. Entenda melhor essa história clicando AQUI.

Porém veio a pandemia e com ela, além do medo, o isolamento social. O que eu pensava em ir para as ruas, praças, escolas, livrarias, precisou cair em “modo de espera” sem que tivéssemos a menor noção de quanto tempo iria durar. Como consequência, fomos todos ainda mais para o mundo virtual. Os encontros passaram a ser por lives. A internet lotava de pessoas enquanto as praças esvaziavam.

Não reclamo. Adaptei-me como todo mundo. Fiz lançamento on-line do meu último livro até então, criei programa de entrevistas pelo Youtube sempre a valorizar a literatura independente e seus autores e autoras e, principalmente, fiz muitos amigos, muitos mesmo.

A Rocinante passou a ser cenário das minhas lives, chegou a ser mostrada e comentada em programas de televisão e rádio, mas alguma coisa faltava em meu coração. Era como um pássaro, com toda sua exuberância e beleza de cantos e cores, triste por ser ver fechado e preso em um mundo frio e metálico.

O mundo virtual veio para ficar. Dele extraímos várias possibilidades, facilidades e até a chance de reunir centenas de pessoas em um mesmo evento de maneira muito fácil, mas… Não tem o brilho do olhar, a emoção do momento, o contato ainda necessitado de cuidados, mas presente pela proximidade do outro. Assim foram necessários dois anos para aquela idealização inicial, além de todos os outros de preparação e muito trabalho, se transformarem em realidade.

Desculpem-me os entusiastas virtuais, mas a presença física das pessoas, o encontro de almas, o calor da fala, do estar ao vivo em inteirezas não há tecnologia que supere. Dois anos… Um tempo de espera pragmática para que hoje, com todos os cuidados, repito, eu possa mostrar, ao vivo e a cores, a coragem de fazer literatura independente no Brasil.

Deixo aqui o meu agradecimento ao Instituto Cultural In-Cena e ao espaço Papo Café, em Teófilo Otoni, que abriram a porta do “Sábados Literários”. Agradeço por estarmos irmanados na missão de arte e poder existir além das telas. O pássaro está liberto e a Rocinante está nas ruas. Que venham cidades, escolas, feiras.

Que assim seja.