DIÁRIO DE VIAGEM QUE BEM PODERIA SER: PARE O ÔNIBUS QUE EU QUERO DESCER

Por Leandro Bertoldo Silva

Existem muitas histórias em nossas vidas e até dariam um filme. Como não sou cineasta e sim escritor, deixo registrada aqui uma viagem a começar com meus itens básicos em minha bolsa tiracolo…

Livro, diário, caneta, caderno de anotações, carteira, dinheiro, passagens. Chiclete, celular, lenços de papel e óleo essencial. Máscara, vidro de álcool.

— Nossa, parece até bolsa de mulher! — disse com um sorriso minha esposa na rodoviária, ao aguardar comigo a chegada do ônibus que teimava atraso. Junto dela, meu sogro, minha sogra e minha filha também esperavam pacientemente – meu sogro nem tanto assim – o momento de despedirmos, pois chegava a hora de iniciar uma longa jornada de viagem de Minas a São Paulo até a casa dos meus pais.

Sim, a distância é longa, no entanto mais longo é o incompreensível atraso típico dos brasileiros presente em todas as ocasiões, e isso se deu logo no início antes mesmo de começar. O ônibus estava marcado para sair às 21h30 de Padre Paraíso com destino a Belo Horizonte e lá estava eu às 21 horas pronto para o embarque. O ônibus, porém, proveniente de Araçuaí, ainda estava a caminho. E a caminho ficou por 15… 25… 30… 45 minutos, 1 hora sem nada acontecer a não ser uma chuvinha miúda e fina para aumentar o frio.

Quando finalmente o ônibus apontou na pista, as despedidas se sucederam, para total alívio do meu sogro, o qual rapidamente se transformou em agonia ao escutar o agente de viagem falar ao me aproximar com as bagagens:

— Sua passagem é de 21h30?

— Sim…

— Então aguarde, por favor, porque este é o ônibus das 20 horas.

Fiquei perplexo por 45 segundos, mas logo consegui convencer minha esposa e todos a fazer valer aquelas despedidas e, assim, lá fiquei eu sozinho no frio e na chuva por mais algum tempo até a chegada do ônibus das 21h30.

Tempo, tempo, tempo, tempo… Já cantava Maria Bethânia! E eu precisei fazer um pedido ao senhor sentado no meu lugar quando, após uma longa espera, enfim poder entrar no ônibus às 22h40.

— É… O senhor está sentado no meu lugar.

— Jura?! Eu jurava ter lido o número do assento certo. Espere um pouquinho, vou conferir…

— Olha, não precisa; eu não me importo! Eu sento aqui do lado mesmo. É só o senhor arredar um pouquinho, e…

— De jeito nenhum! O certo é o certo. Se o senhor está dizendo que eu estou sentado no seu lugar, precisamos conferir.

— Meu senhor, não precisa. Eu só disse porque…

— Ahá! Viu só? Se disse é porque o senhor quer viajar no seu lugar, certo?

— Todo lugar é lugar, meu senhor… Eu só quero é começar logo a viagem.

— Mas ela já começou…

— Para o senhor sim, mas para mim… Bem, pode ficar em seu lugar. Eu me sento aqui ao lado mesmo.

— Mas o senhor não disse: “o senhor está sentado no meu lugar”?  Então o lugar é seu!

— Disse, mas pode ficar com ele.

— De jeito nenhum!

Nisso o ônibus pelo menos já tinha partido e eu lá em pé sem conseguir convencer o homem a não se incomodar. Depois de aproximadamente cinco minutos ou um pouco mais e de revirar todos os cantos das bolsas em seu colo, ele finalmente encontrou a passagem no bolsinho da camisa.

— Olha, que cabeça a minha… Eu jurava ter colocado a passagem em alguma das bolsas. Ih, olha só… — disse ajeitando os óculos — Eu também jurava ter lido certo o número da poltrona. A minha é essa outra. Mas uma vez aqui, se importa se eu ficar nessa mesma e o senhor ir aí ao lado?

Ou aquele homem não batia bem ou estava gozando da minha cara! Apenas me sentei e disse a ele:

— O senhor jura demais!

— Sou muito religioso, sim senhor.

A partir daí, acomodei no lugar, coloquei o cinto de segurança, esborrifei álcool para todo lado, fechei os olhos, indiferente ao som longe de um ronco, e…

— Moço, desculpe, mas o senhor poderia trocar de lugar comigo?

Já ia perder as estribeiras quando vi se tratar de outra pessoa a me chamar. Dessa vez era uma moça bem nova ainda, quase menina, e me olhava com olhos um pouco assustados. Nem foi preciso esforço para adivinhar: ela, moça, ao viajar sozinha pela primeira vez, estava insegura, para não dizer medo mesmo, de ficar lá atrás do ônibus na companhia de pessoas desconhecidas. Tudo bem na frente também serem pessoas desconhecidas, mas…

— Minha mãe disse para eu tentar trocar de lugar com alguém caso eu…

— Sim, sim, tudo bem, eu compreendo. Onde você estava sentada?

Ela estava sentada muito atrás, bem ao lado do dono do ronco cujo som já não era mais longe, mas perto, insuportavelmente perto, sem contar o cheiro igualmente insuportável do banheiro. Desconfio daquela moça… Ela até podia ser uma menina ainda, mas suspeitei ter caído no maior conto do vigário. Não por acaso os olhos assustados e pedintes dela me lembraram de um certo gato do filme Shrek, mas quem poderia ter certeza? E se a suposta simulação existisse apenas na minha cabeça? Assim, passei a viagem toda sem pregar o olho e sem o roncador acordar sequer nas paradas. Ao chegar a Belo Horizonte debaixo de chuva, ainda bem para esfriar a minha cabeça, ouvi do incômodo companheiro:

— Nossa! Já chegou? Como passou rápido…

E era apenas a metade do caminho…

Tempo, tempo, tempo, tempo… Assim esperei pelas ruas e rodoviária de BH de 8h. até às 21h45 quando, por fim, chegou a hora de embarcar para a cidade de Marília, em São Paulo. Bem, “chegou a hora” é modo de dizer. Na verdade, a passagem havia sido marcada para esse horário e, antes mesmo de chegar a Belo Horizonte recebi uma mensagem da empresa de ônibus a perguntar se eu me importava em trocar o meu horário para 20h., mas sem explicar bem o motivo. Respondi positivamente, pois esperaria menos tempo para iniciar a viagem para Marília. Ao desembarcar na rodoviária em BH, dirigi-me ao guichê da companhia para certificar aquela mensagem e pedido. Dois funcionários lá estavam, mas não sabiam do ocorrido. Porém, ao verificarem no sistema de passagens viram que os horários já estavam trocados conforme minha autorização. Tudo resolvido, e apesar daquela desconfiançazinha típica do mineiro, esperei até a hora do embarque com a pulga atrás da orelha. Às 19h45 o sistema de som da rodoviária anunciou: “senhores passageiros, faltam 15 minutos para a próxima partida. Ocupem seus lugares”. Lá fui eu para a plataforma de embarque ocupar meu assento — dessa vez esperava ser o correto —, quando, ao querer ligar para minha esposa e dizer que tudo estava bem, percebi o celular sem bateria. Certo, 15 minutos é o suficiente para conectar o celular na carga, falar com ela e entrar no ônibus. Subi novamente com toda a bagagem as escadas até ao saguão onde ficam as tomadas de recarga, conectei rápido o celular que teimava em demorar a ligar. Nisso aquele friozinho na barriga já começava, pois o ônibus esperava ligado lá embaixo. Já estava ali mesmo, então insisti na ligação, pois minha esposa ficaria muito preocupada se eu não desse notícias. Finalmente consegui falar com ela, puxei rapidamente o telefone da tomada e fui desembestado tropicando pelas escadas em direção ao ônibus batendo as bolsas em todo mundo. O motorista e o agente, após conferirem a passagem e acomodarem as malas no bagageiro, me autorizaram a entrar e eu, coração acelerado, sentei-me aliviado até perceber algo o qual me fez rir de nervoso: em todas as poltronas, inclusive a minha, havia entradas USB para recarregar celular… Seria cômico se não fosse trágico! E não digo isso pelo fato acabado de ocorrer, mas de um problema de última hora, o qual fez com que o ônibus antes marcado para às 21h45 e passado para 20h., saísse somente às 22h30.

A viagem transcorreu normalmente sem percalços nem nada, tirando apenas duas chateações… Os vinte e oito reais pagos em uma xícara de café com pão em uma parada, onde só então entendi o porquê de nos entregar na entrada uma plaquinha com um código de barras e só anunciar o valor do pedido no caixa na hora de pagar e, consequentemente, depois de ter comido, e a distância que era longa, longa demais! Parecia até aqueles probleminhas de matemática do tempo de escola… “Leandro saiu de Padre Paraíso, em Minas Gerais, às 21h45 de quinta-feira para chegar a Marília/SP, sábado, às 11h30, com parada prevista de 14 horas e 30 minutos em Belo Horizonte até a próxima partida. Considerando que o ônibus espacial da NASA até à lua, passando por Júpiter e fazendo uma escala pelos anéis de Saturno é 10 vezes mais perto, quanto tempo levaria para ele gritar SOCORRO??”

Brincadeira à parte, a viagem se mostrava mesmo muito longa, e o motorista a cada rodoviária na qual entrávamos – e entramos em todas, cidade por cidade – gritava duas vezes como se fosse para certificar a distância: “Rodoviária de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto; Rodoviária de Baurú, Baurú…”. E de repetição em repetição, de cidade em cidade, cheguei ao meu destino muitas horas à frente do previsto e com muita história para contar.

A volta? Bem, até contaria se não fosse o frio do ar condicionado do ônibus e eu sem blusa por tê-la esquecido na casa dos meus pais. Além disso, a minha companheira de assento, devido ao seu porte físico um tanto avantajado, ocupava o dela e a metade do meu. E eu ali, espremido entre o anelo e o suspiro, ou melhor, entre a minha sobra e o braço da cadeira. Assim, não pensava em mais nada. Eu só lembrava a minha irmã ao dizer:

— Tudo pronto para iniciar a viagem planetária? Saindo hoje para chegar só sábado, se fosse de avião chegaria ao Japão.

Seria uma boa pedida se na minha cidade existisse aeroporto… Como não tem, fui a novas aventuras, intercalando em minha cabeça novos probleminhas matemáticos que no meu tempo ainda mantinham todos os atrativos de uma boa história como aquelas que eu vivia.

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** Mais uma vez grato pela sua leitura. E se esse texto te fez lembrar alguma viagem que tenha vivido, diz aí nos comentários. A propósito, lembro que no meu tempo de escola a professora sempre pedia para escrevermos uma “composição” com o tema: “Minhas férias”… Se lembra disso?

Forte abraço!

FILOSOFANDO ACERCA DO SILÊNCIO

Contemple uma flor…
Viu? Deus está nos silêncios…
Por que o grito?
(Haicai – Leandro Bertoldo Silva)

Por Valéria Gurgel

“Comunicar não é produzir ruídos.”

Parafraseando essa máxima citada é que começo a refletir sobre o silêncio. Qual a sua verdadeira importância? E o que esse “tal do silêncio” tem a nos dizer?

Dialogando com meu digníssimo amigo das letras, Leandro Bertoldo Silva, acerca do silêncio, ele também se referia a outra máxima, essa de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa que diz: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito, é preciso também que haja silêncio dentro da alma”.

Todos nós, salvo alguns que possuem alguma deficiência da voz, ou da audição, nascemos com esse privilégio de desenvolver a capacidade de falar e de ouvir. E para isso desenvolvemos também o raciocínio, que nos permite pensar, analisar e construir uma conversação, o que nos difere dos animais.

Confesso que já tive muita dificuldade em entender o silêncio em sua subjetividade. Já me senti completamente esgotada ao escutar a um monólogo o tempo todo e principalmente se não tem discernimento daquilo que diz, é uma experiência bastante fatigante. Mas, é nesse processo de aprender a escutar, que treinamos o valor do ouvir e consequentemente o do silêncio. Afinal ninguém pode ouvir o outro de verdade se não se abster da ansiedade de abrir a boca, interrompendo o suposto interlocutor.

E quantas vezes atropelamos as conversas porque mais que querer ouvir o que o outro tem a nos dizer, queremos falar e falar e falar. E geralmente é nesse momento, que quem fala demais se equivoca ou se complica, ou até mesmo passa vergonha em diversas situações envolvidas. E às vezes nem percebe!  Enquanto que o ouvir, muito nos ensina e só nos compromete quando decidimos abrir a boca, sem antes pensar.

São muitos os provérbios construídos sobre a temática do falar e do ouvir, e os ditos populares são também muito verdadeiros. “Boca fechada não entra mosquito,” “Palavra é prata e silêncio é ouro,” ou “Quem fala demais dá bom dia para cavalos,” e tantos outros mais… Sem contar que o nosso próprio corpo sinaliza tudo isso, uma vez que nascemos com dois ouvidos e apenas uma boca!

 Silêncio não é mera ausência de palavras, nem sinônimo dos introspectivos. Silêncio consciente e estruturado é virtude dos sábios.

Muitos de nós efetuamos conversas clonadas, porque pensar dá trabalho. E seguimos tagarelando. Na verdade, não desenvolvemos a capacidade de tampouco ouvir à nós mesmos quem dirá aos outros.

Nessa ânsia desenfreada de falar, sem prestar atenção ao conteúdo proferido, vamos jogando palavras ao vento e desaprendendo mais que nunca a nossa capacidade de discernimento e absorção através do ouvir.

Comecei a entender o valor do silêncio, quando comecei a gostar mais de ouvir que de falar. Observando calada e atentamente os encontros familiares, as rodas de amigos, os debates em escolas, as mesas de bares, as praças de alimentação, os pontos de ônibus, filas de bancos, bancos das praças, e diversos estabelecimentos comerciais aonde se aglomeram pessoas. E percebi que o repertório falante é muito repetitivo e fútil.

Geralmente os temas giram em torno de si mesmo, numa extrema egolatria, ou da vida daquele que está ausente.

 Se todos de um grupo estiverem ali presentes, de que vão falar afinal? Quanta superficialidade e falta de vida interior existe entre as pessoas!

Assim, é perceptível que realmente o silêncio seja ouro diante a tantas palavras de bijuteria enferrujadas, ruídos sem nenhum valor, murmúrios falantes de meras frases baratas são cuspidas e até escarradas a todo momento.

Não me refiro aqui, a nenhum silêncio forçado, forjado, ou associado à frustração, desgosto, mal humor, ou o dito popular; do engolir palavras. Falo do silêncio de raiz, de lucidez que tudo diz, ainda que calado. Muitas vezes na paz de um sorriso, de um olhar, da sabedoria que transcende o sábio no diálogo profundo consigo mesmo dentro de seus olhos.

Aquele diálogo interno do autoconhecimento. Que pensa antes de abrir a boca porque tem plena consciência que se o que tiver que ser dito não for melhor que o silêncio, que não diga! É desse silêncio que me refiro. Silêncio dos ruídos externos e internos. Tal como um esvaziamento dos excessos da alma turbulenta, uma calmaria que começa na mente através também da prática da meditação. 

Uma palavra pode significar uma vida! Como já foi citado no Clássico Budista Dhammapada, que se refere ao Sidarta Gautama, “mais do que mil palavras sem sentido, vale uma única palavra que traga consolo a quem houve.“

De tantas milhões e milhões de palavras proferidas por nós a cada dia, se pudéssemos filtrar e recordar todas elas, será que no fim de um dia, de uma semana, de um mês, de um ano ao menos, filtraríamos “aquela palavra” que poderia justificar a nossa existência?

Se sim, já valeu a pena ter vivido!

Preocupante é não percebermos isso o mais cedo possível. Antes mesmo que nos comprometamos nas relações familiares, afetivas, no ambiente laboral, na sociedade em geral e na maioria das vezes por termos a infelicidade de falar algo que não tenha passado pelo crivo das três peneiras, como assim, já se referia o grande filósofo Sócrates. 

“O que será dito é bom? É justo? É verdadeiro? Se não for que prevaleça o silêncio”!

Os grandes seres humanos que por aqui passaram, tinham bem expandidos essa percepção do silêncio, e o quanto ela pode ser importante para dizer muito de nós mesmos. Quando se aprende a calar, e ouvir a si mesmo, ouvimos o outro. E aprendemos a ter cautela, dar tempo para o entendimento refletir e interpretar, para somente depois, questionar a razão.

Há os dois extremos nesse mundo dual.

Imagina um mundo sem sons? Ou uma melodia sendo executada sem pausas? Sem nenhum momento de silêncio para percebermos o contraste entre os sons? Chegaria um dado momento que estafaria os nossos ouvidos.

Por outro lado, seria possível toda a humanidade entender bem uns aos outros sem emitir ou ouvir nenhum tipo sequer de som? 

Assim como o vazio existe para que as coisas se acomodem, se ajeitem no espaço, o silêncio existe para que as palavras e os sons possam ser emitidos, cautelosamente, ordenadamente, e absorvidos, escutados, apreciados e compreendidos.

Chegará um tempo, em que a humanidade aprenderá enfim a congraçar seus preciosos sentidos, como dizia Hermes Trismegisto, em O Caibalion, e  “Os lábios da sabedoria só se abrirão para os ouvidos do entendimento”.

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** Grato pela sua leitura. Compartilhe este texto com seus amigos e aproveite para refletir… Qual é o seu maior silêncio?

Forte abraço!

SÁBADOS LITERÁRIOS

Com muita literatura, beleza, música e histórias realizamos o primeiro encontro dos “Sábados Literários”, em Teófilo Otoni.

Gratidão imensa a todos os parceiros e apoiadores, como a todas as pessoas que prestigiaram esse momento tão lindo com muita arte e poesia, em especial a presença da presidente Elisa Augusta De Andrade Farina e membros fundadores da Academia de Letras de Teófilo Otoni – MG. Poder levar meu trabalho junto com a Rocinante, minha bicicleta de livros, minha prensa de madeira, os cadernos sustentáveis feitos em parceria com Geane Matos e contar minha história como escritor independente é algo muito valioso.

Agradecimento especial ao Instituto Cultural In-Cena e à Livraria Papo Café.

Espetáculo “Drummond pelos Cantos” (Grupo In-Cena).

Já temos o nosso próximo encontro marcado para o dia 12 de março. Então… Até lá!

Realização: Papo Café Livraria e Cafeteria.

Produção: Instituto In-Cena.

Apoio: Restaurante Rua das Flores, Árvore das Letras Escola Ateliê, Grupo Criativa.

O SILÊNCIO MAIS GOSTOSO DE OUVIR

Por Leandro Bertoldo Silva

Certa vez, em um texto de Rubem Alves, li o seguinte: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.” E mais adiante ele parafraseia Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, e diz: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Fiquei pensativo. Não porque aquilo não fazia sentido para mim; pelo contrário, fazia muito, muito mesmo. Lembrei-me, inclusive, de uma experiência vivida e é a ela que recorro. 

Sou uma pessoa muito ligada à espiritualidade à minha maneira… Gosto de ler, meditar, fazer minhas orações e práticas diárias, mas, confesso, não sou muito de ir a Igrejas, embora as respeite profundamente. Sou de enxergar todos os lugares e ocasiões como perfeitos para uma imersão profunda com nós mesmos —e isso inclui meu travesseiro — e acredito que, se somos partículas do todo, como a gota é de um rio, somos o todo e, portanto, não necessitamos de momentos e locais propícios ao encontro, embora, repito: respeito quem pense o contrário.  

Um dia, porém, estava a passar em frente uma Igreja e, na ocasião, até um pouco atormentado, triste mesmo. Ao ver a porta aberta, senti uma imensa vontade de entrar naquele templo e assim fiz, com tranquilidade e a mais absoluta simplicidade. Sentei em um dos enormes bancos de madeira e, para a minha surpresa, não havia absolutamente ninguém lá dentro. Eu estava completamente só. Não poderia ser melhor, pois todo o meu desejo era estar em minha própria presença sem “conselhos” e sermões de quem, fosse um padre, ministro ou pastor, jamais saberia dos meandros dos meus propósitos e eu não estava disposto a dizer. Desculpe a sinceridade, mas naquele momento a minha conversa era mesmo com o “Dono da casa”.  

Imerso aos meus questionamentos e com tantas coisas a dizer fechei os olhos, e… Não me veio nada que eu pudesse verbalizar. Até tentei, forcei, busquei uma sentença, uma palavra ao menos e nada. Falta de inspiração ou de educação? Não sei… Resignei-me. Ao perceber meu insucesso, não quis e nem pretendia maquiar o meu sentimento e mantive disposto a aceitar a minha dor nua e crua em silêncio. Embora eu estivesse calado, minha cabeça era um tumulto de vozes, mas naquele momento, curiosamente, se aquietava. Estaria a ser escutado? Certamente não foi por aquela única senhora ao entrar furtivamente por uma portinhola e sair por outra, quase como um fantasma a soar alto o batido não de correntes, mas de suas sandálias pelo interior da nave, fazendo não sei o quê e sequer prestou atenção em minha presença. Sozinho estava e sozinho fiquei. As pessoas simplesmente passam sem perceber e às vezes é o melhor que podem fazer por nós. 

Não sei quanto tempo fiquei ali. Perdi os ponteiros das horas. Mas digo efetivamente, excetuando os passos da senhora de há pouco, ter sido o silêncio mais delicioso que eu já ouvi em toda a minha vida. Lá dentro, ao usufruir do inexplicável, senti o quanto precisava dele e não imaginava o tanto que me acolhia como um acalento de mãe, um colo de pai, um afago de avó. Ao sair já não era mais a mesma pessoa de outrora, mas alguém a celebrar um encontro. Foi quando disse (finalmente consegui) ao Ilustríssimo Anfitrião sem mesmo vê-lo, mas certamente senti-lo: “Por favor, entenda esse silêncio como a minha oração”. Tenho comigo que Ele entendeu, porque eu compreendi perfeitamente… 

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** Grato pela sua leitura. E você, já ouviu um silêncio que te fez bem? Deixe nos comentários. Compartilhe também este texto com seus amigos. Para mim é de muita valia.

Forte abraço!