BIBLIOTECA, TABERNÁCULO DOS SABERES

Por Leandro Bertoldo Silva e Valéria Gurgel

Alguma vez você já parou para pensar no quanto um livro pode mudar uma vida? Não é por acaso que aqui mesmo na Árvore das Letras mantivemos ao longo desse ano de 2023 um Clube de Leitura bem diferente… Porque, para nós, não basta só ler e debater um livro, isso seria muito pouco. Nós sempre queremos mais.

Rubem Alves dizia que “ler com rapidez o que o autor levou anos para escrever é um desrespeito”. O mesmo vale para falar sobre os livros. E assim criamos a Transposição Literária, que nos permite “entrar nas histórias”. Bem, o ano vai se aproximando do final e já estamos nos organizando para o próximo, em que, além do Clube on-line, ele também será presencial.

Viva!! Já estava na hora!

Inclusive, você pode saber de tudo isso clicando AQUI.

E para celebrar esse acontecimento tão maravilhoso, no qual os livros nos conduzem a verdadeiros encontros de almas, ilustro com uma narrativa poética da Valéria Cristina Gurgel — uma das integrantes do Clube —na qual ela traz a presença da biblioteca, tabernáculo dos saberes.

Desejo a todos e todas uma ótima leitura…

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Biblioteca, tabernáculo dos saberes

Sou Pronto Socorro das enfermidades desconhecidas.

Tesouro guardado dos remédios da alma, receptáculo de emoções sentidas.

Cartório de registros das inspirações dos mortais.

Sou hospedeira daquilo que o mundo viveu.

Olhos impressos do que a vida não viu, uma farmácia com bulas de indicação de cápsulas vocálicas e exclamações diluídas.

Biblioteca, um cenário de papel, ou simplesmente casa contada

para aqueles que almejam o conhecimento e desejam, entre vírgulas e interrogações, o aprendizado.

“Aspas” em negrito para a mestra sabedoria.

Sou “Biblion e Theca” vindas do grego e dos primórdios de uma era.

Dos primeiros registros impressos da Bíblia, por Gutemberg.

Guardo diversos contos bem contados, amores revelados no calor da poesia.

O mundo dentro de um livro, uma ilustração cravada na capa.

A história da vida enciclopedista.

Hospedo pessoas simples e célebres nesse paraíso de histórias que bailam no papel.

E autores diversos disputam um lugar nesse céu.

Sou aconchego bem alojado dos escritores, dos simplórios aos mais conceituados.

Ainda que não sejam observados, lidos, folheados, compreendidos,

identificados ou bem interpretados.

Títulos renomados buscam sobreviver em meio à ignorância pagã do conhecimento universal.

Dos destaques nas prateleiras da informatização, dos rebuscados aos anônimos ou independentes.

Vitrines terapêuticas nos convidam a saltar, abrir os olhos e admirar essa farmácia, emblemático cenário de papel.

Absorver a essência curativa das letras, sentar e se deliciar, não ver o tempo passar.

Curar almas doentias por desconhecimentos e, por tudo isso, seguirei sendo esse relicário de registros dos autores de hoje e do passado, como mostruário cognitivo de cada imaginação.

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Maravilhoso, não é? Com esse lindo texto da Valéria te convido a vir ler conosco. Venha fazer parte do nosso Clube, seja presencial ou on-line, ou mesmo os dois, por que não? O mundo precisa de mais leitura, de mais poesia, de mais histórias edificantes. O mundo não é um lugar de guerras como estamos vendo, porque esse sim é um lugar de ilusões. O mundo é um lugar onde a literatura nos dá o caminho da paz, porque quem lê verdadeiramente entende a essência da alma humana e de todas as coisas da natureza. E se assim é, somos paz. Vamos lá? Te espero no Clube.

Forte abraço!

Até a próxima.

O CADERNO DE RECEITAS DA MINHA MÃE

Por Regina Lúcia Caminha Tôrres

Buscava um fio de meada para tecer uma história sobre delícias da minha infância.

Buscava algo novo no meu baú de memórias e, de repente, aflorou!  Quantos momentos deliciosos compartilhei com minha mãe Efigênia em volta do seu cadernão de receitas escritas a mão, recortes de jornais e revistas. O caderno está agora em minhas mãos,

É um caderno 23X32 cm, capa grossa, forrado de pano grosso, costurado com barbante e tem um selo “ Índice do Imposto Territorial Rural da Coletoria Estadual”. Suas páginas têm linhas para a escrita e linhas vermelhas separando para contabilidade e em cada pág. está escrito:           “nome do contribuinte, número do livro, folhas do livro, no. da inscrição”. Deve ter sobrado no almoxarifado da Coletoria Estadual, após a introdução do primeiro computador na Secretaria da Fazenda de MG que, tenho notícia, foi implantado por meu pai Afonso Soares Caminha na década de 50 ou 60. Disseram-me que era imenso e ocupava uma sala inteira!

Só agora percebi o invólucro ou capa que narrei para vocês. O caderno já está esbeiçado, o urdume está se desfazendo, as folhas estão amareladas e rasgadas em vários pontos pelo uso. A maior parte das receitas estão escritas a lápis, com a linda caligrafia de minha mãe, e tem muitos papéis de receitas agregados de forma desordenada.

As folhas têm manchas diversas de gordura, manteiga, farinhas… São lembranças de muitas comidas gostosas compartilhadas ao lado dela. Como não lembrar do pé de moleque e eu, ao lado, com uma xícara com água esperando para provar o ponto? E as balas delícias sendo puxadas para dar o ponto para serem enroladas no formato de cobra e cortadas? E as balas de cachaça e gelatina cortadas e passadas no açúcar depois de esperar um dia no tabuleiro? Era o céu na boca saborear suas balas de licor…  Se esmerava nas tantas tortas doces e salgadas, pães, biscoitos e bolos. Naquela época, não havia padarias como as de hoje.

Numa primeira página, tem um recorte do “Jornal de casa” sem data. Debaixo dele encontrei o que, talvez, tenha sido uma das muitas festas que preparou para nós. É de lamber os beiços… está escrito:

“ Encomendei: pastéis de nata, brigadeiros, bombons de uva, bombons de figo, bombons de mandita, bombom da fábrica, olho de sogra” Ao lado acho que são as coisas que ela deve ter feito “ empadinhas, enrolados de salame (também chamados de sacanagem), pãezinhos de batata, rocambole de queijo, barquetes, pastel português”. Com certeza, também deve ter encomendado bolinho de feijão de uma senhora lá do alto do bairro Santo Antônio, marca registrada de suas festas.

Adorava a gelatina rosa e a mosaico com várias cores. Os bolos decorados  com glacê de cores diferentes eram sempre gostosos e maravilhosos. Fez aulas com a doceira Dona Madalena, que morava defronte à nossa casa na rua Carangola. Tinha todos os bicos para fazer os “ Bolos Artísticos” do grosso livro da Dolores Botafogo. Fazia também glacês e flores com massa de araruta com fécula.

Tinha nove anos mas lembro-me do bolo de Bodas de Ouro dos meus avós Judith e Sô Dinho, feito no formato de um livro aberto com dizeres das datas. Foi uma linda festa com muita cantoria afinada de minha mãe e meus tios. Uma destas músicas habita meu coração até hoje. É “Bodas de Prata”, de Carlos Galhardo:

“Estavas vestida de noiva

Sorrindo e querendo chorar

Feliz, assim, olhando para mim

Que nunca deixei de te amar…”

Comemoramos muitos aniversários (éramos 4 filhos) e fez bolo com casebre da roça, gata borralheira, jogo de futebol para meus irmãos, corações unidos, leque e outros. Fez cestas de flores com sanduiches primorosamente recortados e multicores, com sabores diferentes feitos com produtos naturais como beterraba, cenoura e espinafre.

Fez também o bolo de casamento de meu padrinho tio Pedro e Tia Alzira. Tinha 8 anos mas lembro-me que alguns enfeites foram recortados em cartolina e revestidos de glacê e açúcar cristal. Consegui hoje com minha prima a foto do álbum. Nem sabia que tinha sido feito por minha mãe. Um espanto a delicadeza artística!

Tinha formas de bolo diferentes: sino, leque, coração, retangulares, redondos com furo no meio etc. Os biscoitos eram recortados com carinha de gato e estrela (tenho estas formas até hoje).  O mais fofo é lembrar que tinha forminhas bem pequenas de alumínio e juntava às fornadas estes pequenos bolos, com furo no meio, que formavam o banquete para os nossos batizados de bonecas para os quais ela costurava roupas novas, fazia Q-suco e nos permitia chamar as amigas para as festinhas, que também traziam suas bonecas.

Algumas receitas têm os nomes das donas das receitas originais: “ Pão de queijo da Rosa, Bolo da Tina, Bom Bocado Da. Judith, Mãe Benta da Dona Mariquinha, Amendoim do Francisco, Pão de Ló da Leonor, entre outros.

Explorar estas tantas receitas que marcaram minha infância e a convivência com minha Mãe Efigênia, pessoa que AMO profundamente e da qual tenho imensas saudades, vai se fazer necessário…

Tenho que terminar este texto incompleto, que abriu um grande portal em meus tesouros da memória. Vou fazê-lo citando um escrito com minha letra e colado na última contracapa do livro de receitas da minha Mãe.

Lá estão escritos os nomes das bonecas de minha madrinha e avó Judith, que se casou em 1910, aos 16 anos de idade.

¨Ambira- asiática

Dejanira- europeia

Paraguaçu –índia

Ambá- crioulinho¨. 

Tem também o que deve ser o que dizíamos quando batizávamos nossas bonecas: 

¨Eu te batizo pela tua formosura

Não te dou os santos óleos

Porque não és criatura”.

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Texto elaborado na Oficina literária de Leandro Bertoldo “ Novos Autores”, em outubro de 2023.

UMA CERTA DONA NICINHA

Por Leandro Bertoldo Silva

Uma homenagem a todas as professoras e professores de verdade…

Dona Nicinha era uma professora diferente. Se estivesse na sala de aula, tratava logo de organizar as carteiras em círculo. Preferia mesmo que as salas tivessem almofadas no lugar de cadeiras duras e desconfortáveis. Mas, vá lá… Nada que não se pudesse improvisar. Por isso mesmo, Dona Nicinha gostava mesmo era de dar aulas na praça ao som dos passarinhos ou mesmo na quadra da escola, onde tudo era motivo de tornar as aulas mais interessantes, ou surpreendentes, já que era uma professora de Geografia e não de Educação Física.

Dona Nicinha tinha muitos alunos e gostava muito deles. A recíproca era verdadeira, pois os alunos adoravam a professora e seu jeito simples e diferente de os tratarem. Afinal, ela chegava perto deles e os ouvia com atenção…

Como dito, Dona Nicinha tinha muitos alunos, mas havia um em especial, um tal José de apelido “Desatento”. Acabou ficando conhecido como José Desatento. Ele não gostava muito de estudar. Até que Matemática ele gostava por ser uma matéria mais… Digamos… Absoluta, concreta mesmo. O negócio ficava complicado é quando ele tinha que imaginar… Não que ele não soubesse, pelo contrário, ele imaginava até demais. Aí sobrava exatamente para as aulas de Dona Nicinha. Como seria o tal fuso horário? Será que ele tinha ponteiros na ponta do nariz que indicavam as horas? E fuso horário tem nariz? Bem, deve ter. E ainda por cima deve combinar com os braços longitudinais e as pernas em latitudes de 15º, uma a leste e a outra a oeste…

— José, está prestando atenção?

— Estou fessora!

— O que eu disse, então?

— Que o fuso horário de tanto variar as horas e alternar o dia e a noite sem parar e a todo o momento, deve ter pegado um baita de um resfriado!

Pronto. Era gargalhada geral…

José Desatento não fazia por mal. Gostava de Dona Nicinha.

— Sabe o que é, fessora, eu não consigo entender esse negócio de geografia, sabe? Mapas, escalas… Daí eu começo a pensar e quando dou por mim já estou imaginando histórias…

Hummmm…. Já que José Desatento gostava de histórias, Dona Nicinha teve uma grande ideia! Propôs à turma uma aula na biblioteca da escola, em que deixou tudo muito bem preparado para levar a cabo seu intento. No dia seguinte, tudo combinado, os alunos dirigiram-se à biblioteca e estranharam, já que Dona Nicinha nunca havia se atrasado. Ao chegarem, viram que a biblioteca estava vazia. Entre os murmurinhos, risadas e brincadeiras que logo começaram a surgir, eis que uma voz exuberante, alta e vibrante se fez ouvir vinda de trás de um grande Atlas, cuidadosamente colocado em cima de uma das estantes bem ao alcance dos olhos das crianças. Os alunos logo perceberam que se tratava de mais uma invenção de Dona Nicinha, mas, seja como for, dessa vez estava muito real, pois a voz não parecia a dela e, ainda por cima, ela não estava atrás da estante. Dona Nicinha havia preparado tudo. Amarrara um microfone de tal maneira que não deixou à mostra nenhum fio que, passando pelos vários livros e estantes, permitia que ela falasse de outro lugar da biblioteca onde mantinha uma visão perfeita dos alunos sem que estes a vissem. Coisas de Dona Nicinha…

— Muito bem, crianças… Cheguem aqui perto de mim! Eu sou o Geógrafo e quero levá-los a uma viagem inesquecível! Mas… — começou a chorar. José Desatento achou aquilo fabuloso. Puxa! Um Atlas que fala! E ainda chora?! Como é que pode? Sua imaginação logo deu sinais de ação. Bingo! O plano estava dando certo… José colocou-se à frente do grupo e percebeu uma pocinha de água perto do Atlas (cuidadosamente colocada por Dona Nicinha).

— Ei, por que você está chorando? — perguntou José Desatento.

— Porque você não me usa! — disse o Atlas.

— Ah! Desde quando preciso te usar? Aliás, de onde está saindo essas lágrimas?

— Elas? São do oceano Atlântico! Tem também um pouco do Pacífico e um tantinho do Índico.

— Ai, ai! Você é maluco! Desde quando o oceano Atlântico, Índico ou Pacífico é feito de lágrimas?

— Desde quando você não percebeu que eu sou um Atlas!

E assim, Dona Nicinha, ou melhor, Geógrafo, foi dando toda a aula do dia, pedindo ora um, ora outro que folheasse uma parte do Atlas à medida que ela ia explicando e fazendo os alunos “viajarem” em suas páginas.

José Desatento estava agora mais atento do que nunca. A cada explicação do Geógrafo, ele se imaginava numa verdadeira aventura. Em seus pensamentos, à medida que Geógrafo ia articulando as palavras, ele ia ficando pequenininho e descobrindo várias coisas viajando de um lugar a outro na companhia do novo amigo. De repente, estava lá na Espanha descobrindo várias coisas, mais precisamente as touradas e, também, que lá tem um dos times de futebol mais ricos do mundo. Isso ele gostou à beça, pois adorava vários esportes, principalmente futebol. Depois ele voltou aqui mesmo para o Brasil e viu que no Nordeste tem duas danças chamadas frevo e axé e, no Rio de Janeiro, tem o samba. Em Minas Gerais tem uma comida típica que é o feijão tropeiro, que os turistas adoram, e também o pão de queijo. Na Argentina conheceu uma dança muito querida pelos hermanos, que é o tango. Ficou sabendo que na Itália inventaram duas comidas deliciosas que ele adora: a pizza e o macarrão. E assim, ele foi conhecendo o mundo pelas páginas do Geógrafo como nunca havia conhecido.

No fim da aula, Dona Nicinha deixou seu esconderijo e fingiu entrar na biblioteca se desculpando pelo atraso. Os alunos até sabiam que se tratava de uma grande brincadeira, mas tudo tinha sido tão bem articulado e conduzido pela professora, que eles não quebraram o encanto. Contaram a ela o que tinham aprendido e a respeito do Geógrafo de tal forma e com tanta verdade, que ela mesma quase acreditou na própria história. Quem mais falava era José Desatento, que mostrava a cada frase um grande aproveitamento. Dona Nicinha ouvia tudo com atenção. Sentia-se satisfeita, pois achava que tinha conseguido tocar o coração de seus alunos, principalmente de José, e fazer com que ele encarasse a Geografia com outros olhos. A confirmação disso se deu uma semana depois, quando José, ao apresentar um trabalho, falou tudo o que aprendeu nas páginas de seu “amigo” Geógrafo. Falou tão bem que foi aplaudido pelos colegas e pela professora Nicinha. Ao soar o sinal para ir embora, Dona Nicinha juntou suas coisas e saiu da sala satisfeita. Quando foi virar o corredor, ela ouviu José gritando para ela:

— Valeu, Geógrafo!

Dona Nicinha nada falou. Apenas sorriu e foi entrar em outra sala para mais uma de suas aulas inesquecíveis…

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Pois é… Eu tive algumas Donas Nicinhas na minha vida, as quais tenho por elas uma imensa gratidão, pois pegaram na minha mão e me conduziram até aqui. E você? Qual a Dona Nicinha da sua lembrança? Comente, diz o nome dela, compartilhe essa história. Quem sabe não chegue até ela?

Forte abraço!

Até a próxima.

A DOR DE UMA CRIANÇA

Por Tomé Nasapulo
(Angola)

Sou uma criança

            Que almeja crescer e tornar-se grande

            Mas as vezes me pergunto:

.

            Com que nome?

            Com que história?

            Com que conto?

            Em que canto?

.

            Se fui abandonado ao nascer

            Negado ao registro

            Nem meus pais conheço.

.

            Com que nome?

            Com que história?

            Com que conto?

            Em que canto?

.

            Se estou sem lar

            Parido na rua

            A cuidado da rua

            Com inocência pura

            Acredito  no futuro

            Mesmo no mundo impuro.

.

            Com que nome?

            Com que história?

            Com que conto?

            Em que canto?

.

            Se me negam a educação

            E a única coisa que tenho são os sonhos

.

            Me a dote, por favor!

            Me dê um nome

            Me legue uma história

            Me conte um conto no canto

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Em um mês que se comemora no Brasil o mês das crianças, em que presentes são ofertados, satisfação de tantas vontades, muitas de forma até excessiva, às vezes outros olhos precisam ser abertos. O poeta Tomé Nasapulo nos chama à reflexão.

Forte abraço!

Até a próxima.

VAMOS ACORDAR OS SONHOS?

Por Leandro Bertoldo Silva

Essa semana, no dia 12 de outubro, comemorou-se o Dia das Crianças. E foi exatamente nessa semana que nasceu a segunda edição do livro “O menino que aprendeu a imaginar”, com novo projeto, nova capa e nova história. O livro que virou peça de teatro do grupo In-Cena, de Teófilo Otoni, a partir da parceria com meu amigo Pierre André, com minha direção e também de Geane Matos — a primeira direção externa do grupo após 15 anos de existência — ganhará em breve os palcos e ruas desse nosso Brasil.

E já temos data do nosso primeiro ensaio aberto, que acontecerá em Belo Horizonte, nos dias 24 e 25 de novembro, no teatro Raul Belém Machado.

Como se não bastasse, acontecerá, também, o evento “Sábados Literários” em BH, cujo tema não poderia deixar de ser “O menino que aprendeu a imaginar”, onde estarei em roda de conversa sobre o livro, todo esse processo criativo e a autografar exemplares dessa obra pela qual eu tenho muito carinho.

Este é um livro escrito com o coração e com muitas lembranças, mas também com muita imaginação… Quer saber como? Vem que vou te contar. Vamos voltar um pouquinho no tempo…

É bem verdade que é fruto de um sonho que já existia. Os personagens dessa história — Oswaldo e seu brinquedo — bateram em minha porta há alguns anos e, como quem não queriam nada, apresentaram-se e disseram:

“Ei, você precisa nos soltar! Que história é essa de ficar nos guardando em seus sonhos?”

E, a partir daí, fizeram-me a mais maluca proposta que já recebi até hoje. Lembro-me que olharam bem nos meus olhos e dispararam:

“VAMOS ACORDAR OS SONHOS?”

De fato, acordei sobressaltado com aquela pergunta estranha e me sentei na cama. Ufa! Estava dormindo… Será? Ainda era madrugada e, seja como for, não mais preguei os olhos, pois aquela pergunta também não mais saía da minha cabeça. Corri para o computador e comecei a escrever… Foi assim que Oswaldo e o palhacinho de chapéu de guizos, que você está prestes a conhecer, ganharam vida e foram parar nas páginas de uma conceituada revista de educação.

O interessante é que, por algum tempo, Oswaldo, incentivado pelo brilhante amiguinho, pegou um livro que ganhara de presente, sentou no tapete de seu quarto e, pela primeira vez, abriu e começou a ler as histórias… Mas que histórias eram essas? Eu não sabia. Curioso como sou, perguntava a Oswaldo e ele falava que ainda não era hora de saber. Coisa estranha… E o tempo passou. Entrei para uma escola e fui dar aulas de Português, conheci muitas pessoas, fiz muitas outras coisas e criei o meu próprio trabalho que é hoje a Árvore das Letras, escrevi e publiquei os meus primeiros livros, entrei para a Academia de Letras de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, e fiz amizade com muitos escritores e escritoras, criei a minha própria produção sob demanda e o selo Alforria Literária através de prensa de madeira, a “Paula Brito”, onde os meus livros são feitos.

Até que um belo dia estava cortando alguns papeis para as capas de um livro, quando Oswaldo e seu amigo entraram sala adentro dizendo:

“Quer mesmo saber quais eram as histórias que eu lia? Elas estão aqui!”

Ao me refazer do baita susto que levei, olhei ao redor e só via os meus livros, os papeis, a “Paula Brito”, a Árvore das Letras. Aí perguntei:

“Aqui onde?”

E a resposta veio:

“Assim como os escritores nascem de outros escritores, as histórias nascem de outras histórias! E mais… Nascem das nossas experiências e dos nossos sonhos. Você já devia saber… Tudo o que tem a fazer é dar forma aos seus pensamentos, emendar um no outro, colocar os ‘pingos nos is’. Faça isso e irá se surpreender!”

Bem, foi assim que o livro surgiu. Das minhas lembranças de infância, das minhas leituras, fui juntando palavras, fatos, ideias, nomes daqui e dali como numa gostosa e divertida brincadeira. Dessa brincadeira juntei peças, troquei personagens de lugar, tornei a trocar, misturei um com o outro e consegui algo extraordinário: não apenas uma, mas várias histórias!

Ao término desse trabalho, Oswaldo e o palhacinho viraram para mim e disseram:

“Agora está pronto!”

Aí foi a minha vez de falar:

“Não está! Ainda falta uma coisa…”

E assim nasceu o epílogo do livro ao contar o que aconteceu após Oswaldo ter lido as histórias que seguiam…

Agora é com você! Leia-as e abra-se para o mundo dos sonhos e da imaginação, pois, tenha certeza, todas as possibilidades vivem guardadas lá…

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Pois é, pessoal, esse papo gostoso abre o livro “O menino que aprendeu a imaginar” que, como eu disse, tem nova capa e nova história. Agora, todos poderão encontrar, além do Oswaldo e o palhacinho de chapéu de guizos, outros personagens como o Vovô Teobaldo, a Vovó Cabrocha, o Tio Gerônimo e até o Fernando Luiz! Esse dá o que falar… Mas lá também estão a Dona Nicinha, a professora mais legal do mundo; o Mapinguari, o menino-bicho e até o Pedrinho da pedra lascada cara de gente mas olho de fada com a bola no pé não tem nem mané não anda descalço que é pra não se sujar e adora um cheirinho de sorvete no ar da Silva, que foi parar na capa do livro! É cada uma…

Deixe o seu comentário e aproveite para responder: qual dos seus sonhos você já acordou?

Forte abraço e até o nosso encontro!

Ah! Faça logo o seu pedido, hein, porque a produção dos livros já começou… kkkkk!!!

SE EU VOLTASSE A SER CRIANÇA

Letra de Ricardo Albino / Música de Leandro Bertoldo Silva

Se você tem de Zero a mais de 100 anos tenha um feliz Dia das Crianças hoje e sempre. Para comemorar, eu, Leandro, e os amigos Ricardo Albino e Pierre André fizemos nascer da nossa parceria de sempre uma música que está aqui para você ler, ouvir e cantar. A letra é do Ricardo, a melodia é minha e a edição do vídeo logo abaixo é do Pierre. Cante, dance, compartilhe com todo mundo o amor da eterna criança que mora no seu coração pela arte de viver, amar e ser feliz.

Se eu voltasse a ser criança,

Só mais uma vez,

Chamaria uma dama

Pra aprender a jogar xadrez.

.

Se eu voltasse a ser criança,

Na maquininha do tempo,

Meu relógio estragaria

Nos momentos de alegria.

.

Um dos ponteiros diria:

Eu quero brincar também,

Enquanto o outro sorria

Doido pra viajar de trem.

.

Se voltasse a ser criança,

Só mais uma vez,

Já ia nascer falando

Só pra assustar vocês.

.

Se eu voltasse a ser criança,

Prestem muita atenção,

Acabariam as tardes,

Toda segunda era feriadão.

.

Se eu voltasse a ser criança,

Não queria mais crescer,

Por isso é que conto histórias

Pra alma não envelhecer.

.

Mesmo de cabelos brancos,

Tocando o meu violão,

Sempre levarei comigo

O menino que joga botão.

.

Terminando essa história

Em forma de cantoria,

Seja uma eterna criança

Cheia de amor e magia.

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VAMOS A OUTRA PARTE COM ENGENHO E ARTE

Por Leandro Bertoldo Silva

Inicialmente, quero agradecer a Deus, razão maior de todas as conquistas. Quero externar meus agradecimentos a todos os colegas acadêmicos, confrades e confreiras da ALTO, todos representados e representadas na pessoa da excelentíssima presidente Elisa Augusta de Andrade Farina, do acadêmico e professor Wilson Colares da Costa. Cumprimento as senhoras Maria Beatriz Cunha Cicci Neves, e Íris Soriano Nunes Migio. E não poderia jamais deixar de externar de forma muito especial, com minha mais profunda admiração, o meu agradecimento à escritora e também acadêmica e amiga, Marlene Campos Vieira, para quem eu peço uma salva de palmas, por favor. Pessoa que primeiro viu em mim uma condição de poder estar aqui nessa casa tão importante, vindo a se tronar minha madrinha acadêmica quando da minha posse, há 11 anos, como membro correspondente, e assim será sempre; a bênção, minha madrinha.

Agradeço também de forma muito especial a minha esposa, Geane Matos, e minha filha Yasmin Bertoldo Silva Matos, pelo amor, pelo carinho, pela compreensão e pela parceria que vivemos cotidianamente por todos esses anos, e que assim permaneça e continue ao longo de nossas vidas, muito obrigado.

Agradeço de forma muito carinhosa a todos os meus familiares, em nome dos meus pais – Aniel e Maria Elena, que pela distância física não foi possível as suas presenças dessa vez, mas elas existem dentro do meu coração e em cada parte da minha alma. Agradeço, também em nome de Elisa, aos queridos amigos do grupo Novos Autores, que é o grupo que nos reunimos semanalmente na Árvore das Letras, minha escola-editora-ateliê. E por fim, e não menos importante, agradeço aos meus amigos e amigas aqui presentes, Fabiene, Alice, Solange e Cleiton, que muito contribuíram e contribuem para a construção da minha história.

Quando olho o tempo pretérito da vida, de 2012 para cá, as pessoas conhecidas a tornarem-se amigas, outras a chegarem e assumirem o seu lugar em mim e tantas coisas a poetizar caminhos escritos, vejo que tudo tem o seu momento. Foi preciso amadurecer letras e prosas para poder sentir a vida e fazer brotar um novo impulso para o futuro.

Há 11 anos tomava posse nesta Academia como membro correspondente, título esse que busquei honrar com muita gratidão e dedicação até o dia de hoje, fazendo jus quando à época disse que vinha para somar. Não sei se a matemática assim se fez, mas sei que busquei com afinco o estado de pertencimento. Fico realmente agradecido por fazer parte dessa Academia de Letras tão atuante em seus encontros, solenidades, publicações, concursos que nem uma pandemia conseguiu recuar nossas ações, porque mesmo on-line mantivemos nossos encontros, e foram muitos. E isso graças a uma presidente verdadeiramente atuante, que é um exemplo admirável de conduta, presença, capacidade de estar sempre vivendo o presente sem se furtar de absolutamente nada e que, para mim, é uma das minhas maiores inspirações.

Hoje, quando o sol de todos esses anos se põe, deixa em nossa alma marcas do que foi. E a partir de agora – o nascer de um novo sol – e que não sabemos quais dias serão esses, apenas apostamos nas doces incertezas da poesia e vamos a outras páginas, agora como membro titular.

Por isso, assumo essa cadeira com imensa responsabilidade e, principalmente, com muito respeito à memória de quem outrora a ocupou. Refiro-me, claro, a nossa querida professora, poetisa, cronista e contista Maria Laura Pereira da Silva Couy, que exerceu tão significativos trabalhos nesta e em outras Academias e que com sua vasta obra muito contribuiu para as nossas letras e cultura, não somente em Teófilo Otoni, mas em Minas Gerias e no mundo, porque, a partir do momento que aquilo que escrevemos é entregue ao mundo, a ele pertence: é assim que nos tornamos imortais.

Com a mesma responsabilidade e respeito, me refiro ao patrono dessa cadeira, o também professor, cronista, escritor, poeta e radialista Luiz Gonzaga de Carvalho, na promessa de fazer deste lugar um lugar não apenas de memórias, mas de ações vivas e construtivas a partir da nossa arte de escrever em busca de uma sociedade mais consciente, igualitária e feliz.

Finalizo com o que disse há 11 anos, como prova de que a literatura sempre estará atual:

Escrever… Dizer o que está por dentro, juntando sentimentos em palavras alucinadas, loucas, desvairadas que, quando encontradas, se acalmam. Será? Não sei… O que sei é que assim, minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.

Obrigados a todos e está dito o necessário.

Muito obrigado.

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Discurso de posse como membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni / MG. na noite de 07 de outubro de 2023. Mais uma página escrita neste grande livro da vida. Vamos a outras.

Forte abraço!

Até a próxima.

LÍNGUA PORTUGUESA

Por Tomé Nasapulo
(Angola)

Quanto tempo não te vejo
Nos passeios
Nas brincadeiras
A volta da fogueira

.

Agora se tronaste bandeiro
Te escondes em mosteiro
Te envaideces ou envelheceste?

.

Pareces tímido
Nos calões
E nos palavrões

.

Já não te contextualizas
Tratas toda gente de você
Não importa a idade ou posição
Ficaste com as mamoites e com os papoites

.

Que pena!
Até quando os senhores e as senhoras!
Que saudades tuas!E dos tempos!
Volta já!
Já estás sem tempo.

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A expressão, mamoites e papoites é a gíria que se usa para dirigir-se as pessoas mais velhas.  Os termos derivam das palavras pai e mãe respectivamente. (NA)

Forte abraço!

Até a próxima.

A MOÇA FANTASMA

Por Leandro Bertoldo Silva

Há muitos anos existia uma mulher tão linda que fazia estremecer de inveja as ricas filhas dos homens mais ricos da recém-fundada Belo Horizonte. Eu disse “filhas”? Não somente elas, mas as mães também. Estamos no ano 1899, mais precisamente no dia 1º de janeiro, na inauguração de uma das entidades recreativas mais auspiciosas da nova capital — o clube Rose, no Palácio da Liberdade, sob os cuidados de D. Ester Brandão, nada menos do que a primeira dama do Estado e, portanto, a esposa do presidente Silviano Brandão. Que festa! Belo Horizonte acabava de completar o primeiro aniversário.

A causadora de tanta inveja chamava-se Magnólia, outros a conheciam Jasmine, pela semelhança alva que possuía. De qualquer forma era mesmo uma flor cândida e pura. Não me alongarei na descrição da adorável criatura, basta saber que sua beleza cegava os homens de tal maneira que não importava serem casados. Eram atraídos como ímãs e perdiam a noção do espaço e do tempo, o que causava óbvios constrangimentos às senhoras. Na festa, até mesmo as melhores artistas de então, justamente por serem mulheres, ficavam incomodadas em perder a majestade da presença. Ora, o que valia a “Serenata”, de Schubert, até mesmo “Fantasie-Impromptu”, de Chopin ou “Dance des Sylphes”, de Berlioz tão bem executadas pelas artistas? Nada disso apagava o brilho de Magnólia (ou Jasmine).

Vale lembrar que a capital, com pouco mais de um ano, tinha uma população ainda muito escassa, aumentando sobremaneira a fama de Jasmine (ou magnólia), e o ciúme das senhoras, filhas e artistas da cidade já estavam à flor da pele. Então concluíram: Era preciso que a moça se mudasse dali, ou qualquer outra coisa que lhe fizesse desaparecer. Porém, demitir a moça de seus serviços domésticos e festivos não diminuiria sua atração ao passear pelas ruas. Fazia-se necessária uma atitude mais drástica como o caso exigia. Calma lá! Nada de violência… Isso não fazia o feitio das senhoras, donzelas e moças casadoiras da sociedade que se iniciava na capital mineira. Mas uma coisa seria a vingança perfeita: ela que cegava os homens com a sua beleza incutindo-lhes desejos e, por isso mesmo, poderia ter o namorado, noivo e esposo que quisesse, ficaria impedida de amar quem quer que fosse. Mas como? 

Bem, como dito, a população era pequena e qualquer coisa que se fizesse ficaria logo à vista de todos. Era preciso uma ocasião propícia. E ela veio: O carnaval!

Nos primeiros anos do século passado, essa festa era uma das principais realizações de rua da cidade, em que um préstito com pomposos carros de tração animal, ricamente decorados, desfilavam pelas ruas centrais da cidade, para alegria das famílias que faziam verdadeiras batalhas de confetes e atiravam das janelas das casas flores e serpentinas. Era uma grande festa, ideal para o intento de um grupo de senhoras que necessitavam que todos, principalmente os maridos, estivessem entretidos com o alarido. Nesse dia, o cortejo partiu do barracão do Congresso. Essa casa legislativa situava-se entre a rua da Bahia e a rua Tupis e a avenida Afonso Pena. O barracão referido ficava nos fundos desse prédio, lugar perfeito para atrair a moça sem riscos de serem vistas tão logo a festa ia adiante. Uma das senhoras, com a desculpa de pedir Jasmine para ir ao barracão buscar mais serpentinas, providenciou que as outras já estivessem lá quando da chegada da moça. Foi a última vez que Jasmine ou Magnólia, seja como for, fora vista, para o lamento dos homens e felicidade das mulheres… 

A moça, mantida presa nesse barracão, fora transferida na quarta-feira de cinzas para um outro cárcere ao pé da Serra do Curral, de onde só saía a noite, sem mais ter o direito de ver a luz do dia. Inocente e obediente — e não se sabe por qual razão — voltava sempre antes dos primeiros raios da manhã, de forma que toda a sua formosura foi se misturando com o negrume da noite até que a morte veio selar seu destino: tornou-se aquela que, por falta de amar e sendo filha da solidão, descia em branco desespero as mediações do bairro dos Funcionários, pois fora ela uma funcionária obediente e infeliz, a recolher os amores nascidos na iminência de se separarem para nunca mais se encontrarem. Era mesmo, como disse Carlos Drummond de Andrade: “um vapor que dissolve quando o sol rompe na Serra”.

É por isso que até hoje quem passa pelo bairro dos Funcionários em madrugadas sem neblina sente, vindo do sopé da Serra, o rastro frágil e hesitante da Moça Fantasma em um aroma característico de dama-da-noite, às vezes jasmim outras vezes magnólia, a perfumar os amores perdidos…

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Pois é… Arthur Azevedo, durante sua viagem a Minas Gerais, por volta de 1902, já dizia: “Ao lado do brilho, os detritos. As ruínas de uma dúzia de velhos bairros se amontoavam no chão. Para onde iria toda essa gente?” E assim, Belo Horizonte é conhecida como a capital dos fantasmas: o Avantesma da Lagoinha, a Loira do Bonfim, Maria Papuda e tantos outros; inclusive, a Moça Fantasma que trago aqui nessa história a fazer parte do meu livro “Histórias de um certo Aarão e outros casos contados – das histórias e lendas de Belo Horizonte recontadas por um segurança que recebia, em seu serviço, a visita ilustre do fantasma de Aarão Reis”, com um tantinho assim de que quem conta um conto aumenta um ponto…. A propósito, você já viu ou conhece alguém que tenha visto algum deles? Eita… Diz aí!

Forte abraço!

Até a próxima.