DESENHANOTADOR DE LEMBRANÇAS INVENTADAS

Por Pierre André
https://www.instagram.com/pierrecontacontos/

Eu me lembro…

Eu me lembro…

Todos iam para os bailes

Brincar o carnaval

.

“Oh Abre alas que eu quero passar”

E tantas outras marchinhas

Agora querem passar, e passam,

Aqui, diante dos meus olhos…

.

Eu gostava de ouvir

Aquelas marchinhas

Tocadas naqueles

Fevereiros passados

.

Eu ficava em casa

Eu e o meu caderno

Não podia ir aos bailes

Criança ainda

.

Dias de baile

Dias de aproveitar

Meu caderno

De “anotações”

.

Não sabia escrever

Mas anotava tudo

Tudinho que eu pensava

Com desenhos

.

Desenhava tudo que eu ouvia

Pierrôs apaixonados

Colombinas desapaixonadas

Arlequins sempre felizes

.

Nunca os via,

Sempre os desenhava

Minha imaginação

Desenhava pra mim

.

Músicas diziam muito

Não só as dos bailes

De qualquer lugar

De onde saíam

.

rádios

Televisões

Banheiros

Bocas dos adultos

.

E eu “desenhanotava”

Tudo que ouvia

Até os sentimentos

Adorava “desenhanotar”

.

Desenhava

Cheiros do mato

O Molhado

Da terra molhada

.

O Bem-me-quer

Da Margarida

Eu sempre desenhava

Com lápis amarelo

.

O Mal-me-quer

Com lápis branco

No papel Branco

Ele nem aparecia

.

Ninguém via

O Mal-me-quer

Mas estava lá

Desenhanotadinho

.

Gosto do biscoito

Da tia Paulinha

Desenha também

E bem anotadinho

.

O que eu mais gostava

De desenhanotar

Era o perfume

Da “Flor-Cheirosa”

.

Nome inventado

Ela tinha outro nome

Eu nem sabia

Se chamava Jasmim

.

Desenhanotando

Tudo que eu gostava

Eu era sempre feliz

Eu com o meu caderno

.

Como eu amava

Escrever sem saber

Sem imaginar

Que estava escrevendo

.

Hoje não desenhanoto mais

Agora que sei escrever

Escrevo essas lembranças

Que acabei de inventar

.

Ah, eu me lembro

Me lembro de tudinho

Me lembro sim, viu!

NAUFRÁGIO ACADÊMICO

Por António Alexandre
(Angola)

Ainda vejo, aqui e acolá, muitos abraçados na escuridão e na incompetência.

Em plena época das trevas e da independência.

Ainda vejo o que os outros não querem ver

Ainda vejo o que os outros não querem ser

.

Adormecido na apetência da maldade

Vejo-me nas ondas do mar como um surfista da idade

Insatisfeito estou cá e acolá fazendo barulho

Na busca de paz sossego laboral e orgulho

.

Todos se escapam dele

.

Adormecido na apetência da maldade

Ainda vejo o que os outros não querem ser

Sem brilho sem ninguém ao lado para ofuscar

Naufragou, ele, assim por excesso de maldade.

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E você, o que vê?

Forte abraço!

Até a próxima.

FOI LÁ NA VENDA DO SEU LIDIRICO

Por Leandro Bertoldo Silva

“Foi lá na venda do Seu Lidirico…
tem de tudo e cada coisa que tem eu explico…”

Foi lá na Venda do Seu Lidirico que eu conheci em 2018 uma das lendas, agora não viva pelos lados de cá, mas pelos lados de lá, da nossa história: Lidirico José de Almeida, o Seu Lidirico. Atleticano, nascido em Novo Cruzeiro (hã?!), no ano de 1927, chegou na cidade de Araçuaí, no Norte de Minas Gerais, em meados da década de 40 e, como ele mesmo me disse, se voltou a sua cidade de cinco a seis vezes ao longo de todos esses anos foi muito. Desde então, ele mantinha um dos pontos comerciais mais tradicionais do lugar: a Venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico”… E como explicava…

Sentado em uma cadeira simples de bar ao lado da neta atrás do balcão, Seu Lidirico chegou a levantar quando nos viu – eu, minha esposa, minha filha, minha sogra e meu sogro Gelson Pinheiro, outra lenda viva da nossa história que merece capítulo especial.

Tínhamos ido de Padre Paraíso a Araçuaí para conhecermos dois lugares muito comentados: uma “flor e cultura”, que não floresce apenas flores e transpira cultura, como tudo naquela cidade, e… a Venda do Seu Lidirico.

A floricultura era o primeiro destino. Por isso, Seu Lidirico sentou-se pacientemente como se soubesse que o melhor sempre fica por último, afinal o apressado come cru, como diz o bom mineiro. Acenei para ele como quem falasse “estou indo aí” e podia ver as histórias e causos se ajeitando em sua cabeça para serem contados, como se já não tivessem sido centenas de vezes…

A conversa de mineiro de que um lugar fica bem pertinho um do outro, “bem ali”, esticando o beiço, nesse caso era verdade. Era só atravessar a rua. Quem vai em um tem que ir no outro. E Seu Lidirico estava lá nos esperando certo da nossa visita.

Nunca havia conhecido uma celebridade de verdade, porque as falsas se acham; as verdadeiras acham as pessoas, no carinho das mãos que recebem, no afeto do aperto que sentimos na verdade do coração como uma ponte que liga pessoas. Foi assim, nesse bem-querer, que fomos recebidos por Seu Lidirico e sua esposa, Dona Iaiá, chamada por sua neta a pedido dele.

Não sabíamos para quem olhar. Os casos se misturavam e se completavam sempre com precisão de datas e uma memória invejável de quem a própria história pedia licença. O início da venda, as primeiras casas da rua, os únicos dez carros da cidade, se muito, quando chegaram, a data do casamento (1948), o número de filhos – quinze no total – e os mais de 30 netos somando, ao todo, 98 pessoas vivas, excetuando uma nora que morreu intoxicada na fazenda – “só morreu essa nora nesses anos todos”, explicava Seu Lidirico, eram algumas das muitas histórias que se sucediam.

Esses e outros causos, até a partida do Atlético contra o São Paulo na noite anterior vencida pelo time mineiro com gol contra, eram contados, comentados e explicados enquanto apresentava as famosas cachaças produzidas por um dos filhos na região que, claro, provamos, eu e meu sogro, e levamos dois litros, enquanto Dona Iaiá dividia a conversa entre o engarrafar outros dois litros de cloro para a venda e as fotos tiradas sempre atrás do balcão, como se aquela amizade nascente já fosse antiga.

Fico feliz em encontrar pessoas assim em que a simplicidade é verdadeira e que a história também se faz espontânea na hora, sabendo que está sendo escrita e conhecida não apenas nas páginas dos livros, mas ali, ao vivo, porque se tem um lugar que tem história para contar é mesmo lá na Venda do Seu Lidirico.

Para que possam conhecer mais do que tem na Venda do Seu Lidirico, passa lá, é bem ali… Pertinpertin, um tirin de bala de bodoque, no Norte de Minas Gerais, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Mas se não der para ir, se avexe não, como dizem por lá, ouça abaixo a música, pois até música feita por Miltinho Edilberto e Xangai, apresentada no programa Sr. Brasil, do Rolando Boldrim (outra lenda), Seu Lidirico tem, afinal, é a venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico…”. E ele também! E como explicava…

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Existem histórias que é preciso contar e recontar. Essa já esteve por aqui, logo quando eu conheci o Seu Lidirico em 2018. Mas republico em homenagem a essa lenda que nos deixou em 17 de junho de 2023 e que eu tive o prazer de conhecer e prosear.

Vai com Deus, Seu Lidirico!

Forte abraço!

Até a próxima.

A SABEDORIA DO DESAPEGO

Por Valéria Cristina Gurgel

Certa vez um sábio caminhava em silêncio por uma praia deserta junto a um de seus jovens  discípulos, quando ele lhe perguntou:

— Mestre ensina-me a arte do desapego? Em minha humilde opinião é a mais preciosa de todas as artes!

— Você já construiu um castelo de areia?

— Não, Mestre! Para quê o faria?

 São feitos de meras ilusões!

— Construa, cuide, aproveite, desapegue-se!  Orientou o Mestre, seriamente. Jamais altere essa ordem.

O jovem sentou-se na areia e começou a engenhar uma suntuosa arquitetura de areia. Aquelas horas que se sucederam, nas quais ele se dedicou àquele grande feito, não teve pensamentos paralelos, viveu e desfrutou daquele momento, não teve olhos para outra coisa. Estava no momento presente. Ele construiu, cuidou, aproveitou… Mas a maré subiu, as ondas se agitaram e o castelo se desmanchou.

Frustrado, mesmo já prevendo o que logicamente aconteceria, ele se recolheu ao descanso ali nas proximidades onde estavam em um retiro com demais colegas.

No outro dia, novamente caminhando com seu Mestre, o jovem relatou o ocorrido no dia anterior, na praia e o Mestre outra vez lhe recomendou:

— Vá e construa um castelo de areia! Construa, cuide, aproveite, desapegue!

E o jovem discípulo bastante desanimado obedeceu e construiu outro castelo de areia, ainda maior e mais belo que o anterior.  Ele construiu, cuidou, aproveitou e veio a maré e o levou!

Assim se sucedeu na praia por quarenta dias em que passou em companhia de seu Mestre, construindo castelos de areia. Construía, cuidava, aproveitava e se decepcionava quando as ondas vinham e os levavam sem dó, nem piedade.

Pela quadragésima vez o Mestre o recomendou:

— Construa um castelo de areia!

Dessa vez, o jovem construiu, cuidou, aproveitou e se foi, sem olhar para trás! Já não estava preocupado quando as ondas viessem para destruí-lo e o tomasse dele.

O Mestre o chamou e disse:

— Agora sim, você entendeu.

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Existem histórias que que é preciso se calar após a leitura para que possamos refletir… Essa é uma delas.

Forte abraço!

Até a próxima.

UMA HISTÓRIA ÀS AVESSAS

Padre Paraíso – portal do Vale do Jequitinhonha / MG.

Por Leandro Bertoldo Silva

É comum as pessoas saírem do interior e irem para a capital em busca de uma vida melhor e até mesmo para se encontrarem. E quando o contrário faz muito mais sentido?

O ano era 2011 quando mudei de Belo Horizonte para Padre Paraíso, a primeira cidade do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, levando, juntamente com minha esposa e filha, então com 5 anos de idade, o sonho de trabalhar com literatura em uma região que não tinha (como não tem) nenhuma livraria – a mais próxima fica a 100Km de distância – e, também, pouca cultura leitora.

Após 2 anos como professor de português de uma escola e ter feito parcerias com editoras da capital, consegui levar livros para a cidade, fazendo com que os alunos tivessem contato com uma literatura mais contemporânea, inclusive promovendo visita de autores. Uma delas foi o meu grande amigo e parceiro Pierre André, com os seus livros “Emengarda, a barata” e “Bichos De-Versos”.

Assim foi até 2014, quando a grande mudança ocorreu: criei no fundo de uma loja de artigos religiosos, com apenas um quadro na parede e 4 carteiras, o curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita para jovens e crianças, trabalhando todos os gêneros de produção textual – da escrita criativa até os textos dissertativos, tendo a leitura como nossa grande matéria-prima. Foi o nascimento da Árvore das Letras. Foram 7 anos ininterruptos formando centenas de pessoas e as vendo produzirem textos cada vez melhores, alcançando excelentes notas na redação do ENEM e se formando profissionais como médicos, psicólogas, cirurgiões dentistas e, claro, escritores e escritoras.

Até que veio a pandemia… O curso, até então presencial e já com mais carteiras na sala e em outro local, passou a ser on-line e duas novas mudanças ocorreram: a Árvore das Letras ao longo desse tempo e pela minha escolha em ser um escritor independente por opção se transformou também em uma editora sustentável, onde os livros são feitos utilizando matéria-prima reciclada e ecológica em uma prensa de madeira totalmente fabricada artesanalmente – a “Paula Brito”. Foi assim que me coloquei no mercado literário e editorial e passei a publicar não apenas os meus livros, mas também outros autores da cidade e outras capitais.

A segunda mudança é que o curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita transformou-se em uma vivência on-line e passou a focar exclusivamente em textos literários com o objetivo de formar, aprimorar e publicar novos autores dentro do processo sustentável e ecológico, que ganhou um selo de publicação chamado Alforria Literária. Tudo feito pelo esforço de acreditar em novas possiblidades e promover a liberdade da escrita e publicação, consolidando esse caminho como uma nova forma de fazer literatura.

Junto com tudo isso, criei este espaço em 2017 — o blog da Árvore das Letras —, um lugar em busca de uma literatura de identidade própria, onde passei a publicar matérias, entrevistas, vídeos e as Crônicas de Domingo, tudo relacionado à literatura independente, fazendo parcerias que hoje transpuseram o continente e chegou à Angola, Luanda e Maputo em África, divulgando e compartilhando textos meus e de vários autores de forma totalmente gratuita.

Esse trabalho irá continuar porque é o meu propósito de vida, mas com apoio pode ir muito mais além!

O como você pode conferir aqui neste link: https://apoia.se/arvoredasletras

Bem, quis escrever essa história por três razões: primeiro para mostrar quais são as minhas motivações, e elas partem de querer dizer que não existe apenas um caminho para se conseguir o que se deseja e realizar os seus sonhos, sejam eles quais forem. Sempre existirá uma estrada, e se não existir é possível construí-la. Segundo porque me perguntaram aonde eu quero chegar com esse trabalho, e eu digo sem problemas que é me tornar a maior referência de publicação “realmente” independente e sustentável do Brasil. E terceiro para agradecer a todas as pessoas que torcem por mim, que entendem o meu amor e a minha dedicação, a todos os meus alunos, ex-alunos, parceiros, leitores, enfim, é por vocês que faço o que faço.

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Se você gostou dessa história, curta, comente, compartilhe; caso queira fazer uma pergunta estou à disposição. Quer vir fazer uma visita, conhecer nosso espaço físico, nossas prensas, nossa forma de produção, teremos muito prazer em recebê-lo(a).

Muito obrigado e vamos em frente, sempre!

Forte abraço!

Até a próxima.