
Por Leandro Bertoldo Silva – do livro Entrelinhas Contos mínimos.
O segredo de uma velhice agradável
consiste apenas na assinatura
de um honroso pacto
com a solidão.
– Gabriel García Marquez –
Seu Walternoon já não falava; brincava de estátua. Emoldurava-se nos seus quase 90 anos de idade. Fora esse o recurso que encontrou para fugir dos momentos de visita, uma vez que não havia ninguém para visitá-lo e, dessa forma, o tempo passava despercebido, levando-se em conta que estátua não sentia…
Naquele lar de idosos, as cartas já não lhe imprimiam saudades, não lhe traziam palavras ou sequer lembranças, mesmo que descompassadas de tempos meninos – os seus meninos. Aliás, as cartas há muito não existiam, eram inventadas. Em cada palavra que eu lia na insistência de lhe levar notícias fingidas, espreitava se o semblante rígido da estátua se humanizava… Nada, pois, mudava aquela forma inerte de morte e era assim que eu me sentia todas as vezes que o deixava com o papel no colo molhado de lágrimas, não as dele, porque estátua não chora, mas as minhas, que deixavam ainda mais manchadas de inverdades as histórias que lhe imaginava.
Eu era apenas o faxineiro daquele lugar e me agoniava a falta dos seus, como me agoniava vê-lo sem nem os dos outros e a sua atitude de se enrijecer na espera que o tempo passasse.
Assim se repetia a cada visita e a cada uma delas eu lhe trazia novas cartas, e seguíamos em nosso encontro até o momento de repousá-la em seu colo. Um dia, porém, ao chegar a casa e perceber o assento vazio de sua poltrona e os olhares tristes de quem espera por sua vez, compreendi o ocorrido…
Uma enfermeira entregou-me uma caixa contendo dezenas de cartas. Eram as minhas, mas, junto delas, uma resposta por dentro de cada envelope que dizia, em letras sumidas, trêmulas, quase fugidas: “Obrigado por tudo…”.
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Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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