PEQUENA LIBERDADE

Por Kafala Tibah*
(Angola)

Em prosa…

Quando, atrás, vislumbramos o passado vital do cristal humano, por intermédio do seu natural espelho retrovisor, percebemos a fragilidade humana à sombra de uma Pequena Liberdade, pregada numa miragem inumana; deciframos, igualmente, o valor nevéo ou renidente da sua mémoria, quando o seu frio acende a inospitabilidade de uma cínica saudade vazia de liberdade.

Lá longe da minha visão, vai um ido 1977. Convencido. Frio. Núveo. Por lá, uma Mulherona, Angola, vinha até mim a crescer, em passos de caracol tímido, mas com um sonho lesto, que nem a de uma formiga num morro de salalé*… Esta mulherona, já contava, como uma flor de pequena liberdade, no olhar da indiferença humana, a idade dos seus dois anitos: De 11 de Novembro de 1975! Ao abraço obstrito de um Sol tórrido. Pintada com uma nuvem cheia de makas** personalizadas…

Molépe, um muzanga*** com sonho das lapizeiras. Ficar encostado aos estudos. Parecia já alguém que mais gosta de uma pequena liberdade. Gostava mais assim da sua vida. Nesse lado, todo mundo lhe reconhece muito forte. Mas nesta vez, caiu. E de que naneira?… Começou tostar os sentimentos. Começou amar nesse pavimento escorregadio…

A paixão, no seu olhar cínico-amoroso, tinha um nome: Naty.

Naty era filha de Xico Toyo. Electricista de base, na empresa de electricidade de Angola — SMAE.

Linda jovem. Um lírio em pessoa! Cabelo era aquele. Sem carapinhado. Liso.

Naquele tempo, já estudava 6ª classe, na escola Ngola Nzinga. Molépe era aluno da 8ª classe, no Liceu Ngola Kilwanji.

Os dois alunos eram do período da manhã. De regresso a casa, encontravam-se no Largo da Independência. Juntos iam, em passos de tartaruga, presos em sonhos jovens. Aproveitavam a rara oportunidade para conversar e de quando em vez, abraçavam-se em pensamento de rosas. De quando em vez, distraídos, davam-se as mãos a caminhar. Era sempre assim. E como gasolina próxima do fogo, a paixão acendeu a porta de uma declaração de amor… Muita coisa Naty parecia não entender. Mas nem sempre a pequena liberdade é interpretável à luz dum flash. Eram muitas palavras novas a encantar a virgindade dos seus ouvidos. E ela estava a começar a gostar. Ela sorria. E Molépe a via encostada a uma doçura de bom astral. Tudo para quanto orava. Naquele sorriso contido em dentinhos, artisticamente branco como a fuba**** das pedras do Kwanza Sul.

18H00. Molépe preparava-se. Depois de chegar da escola, restava-lhe uma vontade insuportável de voltar encontrar a Naty. O coração apertava-lhe o desejo em chama. De bombeiro, só restava-lhe mesmo a sombra de Naty ao seu lado… E assim aconteceu.

Dias depois, resolveram ir ao cine Ngola para assistir a um filme romántico. Nesse filme, o personagem principal tratava a sua amada de Pequena Liberdade.

Naquele dia, depois do filme, de regresso a casa, Molépe propós uma paragem e, Naty, sem se pronunciar, parou num lugar onde se sentia apenas o canto do luar encapsulado. Os prédios do Kaputo vomitavam sua sombra escura. 19H00. As horas passavam a reboque de um tic-tac natural e silente. O jovem num arrojo singular soltou o eflúvio do desabroxar do canto de rosa a declaração de amor, resultante da inspiração do que viu no filme “A PEQUENA LIBERDADE”. Abraçou Naty e, seguidamente, experimentou-lhe o primeiro longo e virgem beijo da sua vida, revelando para ela:

“És a grande Pequena Libedade procurada pela humanidade falha. Mas eu não sou falho. Estou ao teu lado. Assim sinto-me a viver. Feliz. Apenas ao teu lado. Oh, parte do meu corpo! Minha vida. O outro lado do meu coração”. Molépe, num canto pausado de amor, declamava o calor duma motivação eclíptica.

E Naty, que nunca conhecera o sabor dum beijo ou o canto de uma poesia, como a alegria duma flor de porcelana envolvida em manto pluvial, bebia também o sentir da sua primeira vez em beijo lustral… Foi a raíz de um longo mais de quinze minutos em beijo. Era uma doce primeira vez. Uma pequena primeira liberdade latente. Parecia-lhe que toda primeira vez sabe a cansaço. Sentia-se exausta. E, então, disse:

“Mor, sinto algo, como electricidade na minha coluna. Me solta! Isso é o quê? – perguntou ela. Electrocutada. Sem norte… Pracecia uma otária envolvida num sentimento latente. Assexual…

Molépe respondeu, carinhosamente, beijando o seu pescoço continuamente e dizendo:

“É o que sinto por ti. Feliz por sentir o calor do teu corpo e a radiação milagrosa vinda tua boca lustral. Ela mudou a minha temperatura. Ai!… se este mundo podesse ver essa grande pequena liberdade que sinto contigo. Um amor, fora do deserto, a acordar na boca das flores. A tua boca… agora minha pequena liberdade”.

Em verso…

Proibidos…

Amores escondidos
no ventre
dos ventos em asas de tempestade
num incêndio de amor
em banho-maria

Que ponta de iceberg na noite!

Sol não acende
ascende ao prumo do amor atado…

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* salalé – linguagem angolana, que significa formigueiro; toca em morro de areia onde vivem as formigas.

** makas­ – Palavra da língua kimbundu, que significa: conversa, assunto, problema.

*** muzanga – Palavra da língua kimbundu, que significa jovem.

**** fuba – farinha de mandioca cozida ao lume (formando uma pasta que se saboreia com peixe ou carne com molho).

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Kafala Tibah é angolano e integrante da turma Paulina Chiziane.

Quarta Literária é uma ação da árvore das Letras de fomento à literatura independente.

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