CARTA DE VÓ EM TEMPOS DE PANDEMIA

Por Regina Caminha*

Queridos Netos João, Lucas e Paola,

Estou com muitas saudades de vocês. O coração está ficando apertado e me socorro em lembranças gostosas de nossa convivência… Vou lhes contar umas histórias vividas com vocês…

Tivemos tempos difíceis e apavorantes recentemente quando a pandemia COVID-19 assolou o mundo no início de 2020, matando e lesando inúmeras pessoas queridas, afastando em especial os avós de seus familiares pelo risco de maior fragilidade de contágio.

No dia 13 de março de 2020, eu, André, Patrícia e Lucas partimos para a viagem tão esperada para a casa do Guilherme e Dayse na Paraíba. No mesmo dia, o Brasil recebe assustado a informação da pandemia de Covid-19 já estar sem controle e seria necessário implantar o lockdown. Fecharam praias, lojas, restaurantes e suspenderam voos. As imagens que chegavam da China eram de pessoas caindo nas ruas e morrendo!

Foi com pânico e choro que conseguimos adiantar nossa volta, mas com a informação de que o contágio se faria a partir de pessoas e quaisquer superfícies. O Lucas tinha apenas 2 anos e tivemos de ficar 6 horas no aeroporto de Guarulhos e ele, inocentemente, queria andar e correr naquela imensidão de espaço quase vazio! Ufa, não morremos na viagem!

Depois disto, eu e André fomos proibidos de receber visitas e até compras tiveram de ser através de delivery e tudo lavado com sabão. Até um papel poderia nos matar! Felizmente, eu e André fomos boa companhia um para o outro e matávamos saudades dos filhos e netos pela internet. Assistir vídeos com o silêncio e a solidão das ruas vazias pelo mundo afora cortava o coração… E as mortes com pessoas asfixiadas rondavam nossos piores pesadelos. Quantas crianças privadas de escolas, passeios e convivência com amigos e familiares… Algo inédito no mundo nos colocando à prova, com fé e esperança de que um dia isso iria passar…

Uma lembrança gostosa com vocês aquece meu coração angustiado de avó. Em julho de 2021, tivemos a oportunidade de ficarmos juntos lá na roça em Ravena por uma semana! Luciana, Patrícia e Carolina deixaram vocês conosco desde que sem contato com pessoas de fora. Era a primeira retomada com a Natureza após tanta prisão nos apartamentos fechados a sete chaves para o mundo lá fora.

Quanto prazer quando, em nossas aventuras andando pelas estradas de terra, Lucas chegou perto de um imenso buriti e se comparou em altura com aquela árvore, que ele descreveu como um gigante perigoso. Divertido também lembrar quando fez comentários sobre as altas montanhas da Serra da Piedade e que as florestas teriam lobos e dinossauros perigosos.

Diante de minhas histórias sobre os tempos coloniais na região à jusante da Serra da Piedade e a extração de ouro, João se encantou com as pedras de hematita e cristais rosados que ele colecionou como tesouros preciosos. Em certa ocasião, chegou a juntar pedras de minério de ferro para seus colegas de escola. Encontrou cassiterita brilhando ao sol e perguntou se seria ouro! Quem dera, mas o importante era ver sua fascinação pela redescoberta da Natureza, os ninhos de João de Barro e a inteligência da mamãe passarinha que fazia a entrada de sua casa de barro protegendo-a do vento.

João, como sempre e com muita inteligência, gosta de brincar com jogos eletrônicos, mas eles foram esquecidos no tumulto das novidades. Jogamos sim cartas e ele ganhou muitas vezes…

Paola se divertia correndo, dando risadas gostosas ao soprar do vento e rodopiando seu vestidinho rodado. Gostava de ouvir histórias de livros mágicos cheios de fadas e princesas. Cantamos, brincamos de roda e pique esconde.

A balbúrdia e felicidade deles correndo livremente em meio a montanhas cobertas de Mata Atlântica com árvores assoviando ao vento e cobertas de bruma… E o Lucas regando algumas árvores dizendo que estavam com sede e pedindo água… Pássaros como canarinhos, sabiás, bem te vi, azulões, assanhaços, rolinhas, andorinhas, saracuras e outros, voando com graciosidade em bandos, chamavam outros para saborearem o fubá fartamente jogado ao chão por meus netos queridos… Eles riam às gargalhadas espiando a avidez e o voo ligeiro dos mesmos…  Gaviões, urubus, tucanos, pombas frocal, garças e marrecos sobrevoavam no céu… Os enormes bagres africanos e os pequenos peixes da lagoa disputavam ferozmente os bagos de ração lançados por eles a mãozadas…

O galinheiro era outra diversão. Gostavam de dar comida para aquela turma sempre esfomeada que disputa entre si cada pedaço de folha de couve picada. Gostavam de correr atrás delas ao soltar e prender no galinheiro, cercando-as de vários lados…

Lembrei-me agora de uma história bonitinha com o Lucas. Um pintinho machucou a perna que ficava virada para trás e pulava sobre um só pé. Ele batizou-a de ¨Cocó Ai Ai” e tinha um carinho especial por ela. Foi duro quando soubemos que havia morrido. Falamos a ele do Céu e ele pareceu aceitar, embora triste.

Ao entardecer, quando sol e lua conseguem se encontrar em meio a nuvens avermelhadas, faz-se o silêncio dos pássaros que foram adormecer! Mas, ao mesmo tempo, uma orquestra sinfônica afinadíssima de sapos, grilos e cigarras começava a tocar.

Numa destas noites, havia muitos vagalumes e a meninada se divertiu correndo atrás deles, prendendo-os num vidro para espiar o brilho no escuro e depois soltá-los.

A cozinha era outro despertar dos sentidos com muitos cheiros e sabores compartilhados. Fizemos juntos bolo com calda de chocolate, brigadeiro, pipoca, achocolatado, pudim de doce de leite e comida gostosa com verduras e condimentos que ajudavam a apanhar na horta.

Os passeios na cachoeira eram deliciosos. João pegava uma vara e ia andando com valentia na frente desbravando o mato. Tirou fotos com o peito aberto e se mostrando forte.

A Natureza e as companhias enfim compartilhadas ao vivo, após tanto tempo de isolamento, enchiam seus olhos e corações ávidos de vida e diversão.

Sim, éramos todos SOBREVIVENTES de uma pandemia universal que espalhou horror e tristeza em toda a humanidade! Muitos morreram e deixaram netos sem seus avós para lhes contarem histórias ancestrais, brincar com eles, contar histórias, brincar de roda e cantar com eles em meio a muitas gostosuras e cobertores quentinhos aninhados na cama em volta dos avós,

Gratidão ás mamães Luciana, Patrícia e Carolina que confiaram seus filhos à nossa guarda protetora e amorosa por uma semana, nos propiciando uma cápsula de tempo com muito amor, gratidão e esperança de novos tempos que viriam, em que o olhar e a alma para toda a humanidade com AMOR se faria sonhar.

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Regina Caminha é integrante da Turma Manoel de Barros, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, um encontro online semanal de leitura e produção literária. Você também pode participar. Saiba mais AQUI.

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