
Por Patrícia Vaucher*
Chegavam animadas todas as terças-feiras ao atelier. Seria mais uma tarde de produção artística regada a conversas e desabafos. Já sabia cada detalhe dos conflitos familiares, desconfianças, angústias, queixas e mais queixas.
Isso sem contar as confidências, histórias secretas compartilhadas sigilosamente, inflamáveis. Poderiam implodir casamentos caso fossem divulgadas.
Aqueles celulares que não paravam de notificar, a tarde inteira, fofocas, solicitações dos maridos, demandas dos filhos, brigas entre vizinhos. Deixavam-me frustrada. E quando vinham com seus ipads, então! Sentia-me fracassada!
O processo criativo exige mergulho dentro de si. É uma conversa íntima que necessita tempo e espaço para acontecer.
Esse retiro interior é o local de recolhimento das imagens que compõem o mais secreto do nosso viver. É onde nascem as formas das emoções. E sim, elas querem vir ao mundo. Aliás, elas precisam vir para dar voz às dores que muitas vezes ficam abafadas, encolhidinhas num cantinho desse espaço tão escuro e assustador.
Nada disso acontecia. Nasciam figuras pré-moldadas de um imaginário social pobre e repetitivo. Silhuetas previsíveis. Objetos utilitários.
E a alma continuava ali, invisível, ignorada e esmagada por transtornos diários da vida ordinária de um feminino enfraquecido.
Aquela sombria luz prevalecia. Ficava acesa durante a aula exibindo suas cores radiantes e formas sedutoras que saltavam das telas e se transformavam, ficando tridimensionais e imortalizadas na argila.
No final do dia, a pobre alma desincorporada mais uma vez voltava pra casa, oculta, incógnita, inexplorada. Perdia mais uma vez a oportunidade de se mostrar ao mundo e revelar segredos que poderiam acalmar os corações explosivos daquelas mulheres.
Acessar conteúdos interiores exige coragem, determinação e até um pouco de maturidade. Isso não se faz com a ponta dos dedos.
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* Patrícia Vaucher é Bacharel em Administração de Empresas, pós graduada em Arteterapia e em Psicologia Analítica. Facilitadora de Soulcollage. Trabalhou com cerâmica artística por mais de vinte anos em atelier próprio. Conduz grupos de mulheres através do trabalho terapêutico com argila e Soulcollage. Pesquisa o Feminino na individuação e sua influência no processo de ampliação da consciência..
Patrícia é integrante da Turma Lygia Fagundes Telles, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras.
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Forte abraço!
Até a próxima.
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Pati ,o seu texto mostra o que muita gente ainda não entende: A arte acalma a alma e da voz ao nosso coração e o ouvinte escuta melhor
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Que lindo, Ric 🙂
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