Por Leandro Bertoldo Silva
— Oi, amiga! Vi que você está on-line. Está Podendo falar?
— Oi, amiga! Claro, está tudo bem?
— Mais ou menos… Eu vou ter que digitar* porque o meu filho, o Artuzinho, está perto de mim e eu não quero que ele ouça. Nossa, menina… Estou muito preocupada com ele.
—O que ele tem? Está doente?
— Não, bem, eu acho que não…
— Então o que foi?
— Você acredita que o Artuzinho agora deu para perder tempo com bobagens?
— Perder tempo com quê?
— Bobagens! Perder tempo com bobagens.
— Que bobagens?
— O Artuzinho está lendo. Livros!
— Jesus!
— Pois é… Você sabe que desde pequenininho ele sempre foi assim meio diferente… Mas agora deu pra isso! Passa o dia inteiro com um livro pra cima e pra baixo lendo. Até na escola!
— Até na escola?! E você procurou a diretora pra ver o que está acontecendo?
— Pensei nisso sim. Mas quando cheguei lá nem foi preciso conversar. Estava tudo absolutamente normal.
— Normal como?
— Todos os alunos estavam com seus celulares conectados, antenados no mundo.
— E o Artuzinho?
— Na biblioteca.
— Misericórdia! E você ainda fala que estava normal?
— Normal com todo mundo, menos com o Artuzinho. Como ele pode perder tanto tempo?
— Pois é…
— coloquei a melhor internet em casa, assinei vários canais de filme, futebol, tudo que os meninos da idade dele gosta e nada.
— Não só os meninos, não é amiga! Todo mundo.
— Por isso estou preocupada. Ele tem tudo e está deixando a vida passar. Só fica com aquele livro na mão. Sabe, estou pensando em procurar um psicólogo.
— Por isso não. Tem um aplicativo ótimo que resolve esse problem. É só você baixar e colocar todos os dados da pessoa e digitar no campo “assunto” o que está ocorrendo que ele dá o diagnóstico e indica o tratamento. E o melhor é que a pessoa, no caso o Artuzinho, nem precisa saber de nada.
— Mas isso é maravilhoso!! Ai, amiga… Eu sabia que seria ótimo falar com você. Sempre tão antenada, bem diferente do Artuzinho. Tá vendo as coisas maravilhosas que ele perde?
— Pois é…
— Ai, Nossa!
— Que foi?
— Ele está fazendo caras e bocas!
— Caras e bocas?
— Sim! Lendo o livro e fazendo caras e bocas.
— Isso tá ficando sério…
— Ai, ai, ai!!
— Que foi, que foi?
— Ele colocou a mão no rosto, balançou a cabeça e não tira os olhos do livro.
— Amiga, baixa logo o aplicativo e começa o tratamento.
— vou fazer isso assim que terminar de falar com você.
— Você consegue ver o que está escrito na capa do livro?
— Daqui está um pouco difícil, mas… deixa ver… Ai, não!
— O quê?
— Tem a palavra “crime” escrita lá.
— Minha nossa! Consegue ver mais alguma coisa?
— Espera um pouco… “castigo”… Crime e castigo… É o que está escrito: “Crime e castigo”.
— Hummm…. Isso não é nada bom. Consegue ver o nome de quem escreveu essa coisa?
— Olha… Nem se eu tentar acho que consigo decifrar.
— Digita aqui letra por letra.
— Boa ideia. D-O-S-T-O-I-É-V-S-K-I.
— Misericórdia! Nunca vi isso em lugar nenhum. Parece um código. Olha direito. Deve ter um nome lá.
— “Fiódor”.
— O quê?
— É o que está escrito: “Fiódor”. Em cima do código.
— Nunca ouvi falar.
— Nem eu e nem quero, Deus me livre.
— Tem mais alguma coisa?
— Um desenho. Ai, que coisa horrível! Tem um desenho lá.
— Desenho de quê?
— De um rosto com olhos enormes.
— Amiga, a coisa tá muito séria.
— Oh, meu Deus! Por que esse menino não é normal igual aos outros?
— Calma, calma… Não faça movimentos bruscos. Finja que está tudo bem e vai saindo de fininho.
— Mas é o Artuzinho, meu filho!
— Eu sei, amiga. Mas pode ser perigoso. Ele tem feito algo estranho ultimamente, além de ler livros?
— Não sei. Você sabe como é, não tiro os olhos do celular.
— Claro que não! Você é como todo mundo! Tem uma vida normal. Ele ainda está fazendo caras e bocas?
— Ai, não amiga! Ele está fazendo algo pior!
— Pior? O quê?!
— Ele colocou o livro do lado, sacou um caderninho e começou a…. Meu Deus!
— Fala, fala!!
— Escrever! O Artuzinho está escrevendo!!
— Amiga, esquece o tratamento do aplicativo. Fique aí e não se mexa. Vou acionar a viatura e chamar o SAMU.
* Para melhor compreensão, as mensagens desse texto foram cuidadosamente traduzidas do internetês para a linguagem coloquial.
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Oi Lelê, meu amigo. Essa mãe desse menino ai é meio Lelé. Não é?
Fiquei imaginando aqui ela acessando o tal App e rescendo um “diagnóstico” de que ela precisaria procurar um psiquiatra urgente para ELA mesmo (ou mesma?)
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Menino… Sabe que eu pensei o mesmo?? 🙂
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… Pois é né, escritor Leandro. E tem uns outros poucos que também falam com a boca e com gestos.
Nem tudo está perdido.
Parabéns pela abordagem em tempos tão perdidos com perda de tempo.
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Obrigado, Attílio! Fico feliz com a sua leitura tão apurada.
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Pois é, Leandro, estamos precisando de mais “Arturzinhos”, mas eu conheço um. Tem dez anos, está no 6o ano, seus colegas de turma têm celular e ele não pediu, nem quer o tal aparelho, mas vive com um livro às mãos. Agora, está lendo em Inglês, no original. Parabéns pela crônica. Um abraço.
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Que maravilha saber disso, minha amiga!! Mande um abraço a ele por mim!
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Pois é … Leandro ótima reflexão para todos , um rico alerta principalmente para os pais,professores e estudantes e quem se preocupa em valorizar o saberes importantes que os livros nos remetem .no sentido do que é normal .
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Linda reflexão, minha amiga. É isso mesmo. São alertas importantes mesmo…
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