PIERRE ANDRÉ – A INCRÍVEL ARTE DE SER CRIANÇA

A Árvore das Letras conversou este mês com quem podemos chamar de “uma figuraça”: um menino de um pouco mais de 50 anos. Sim, menino, a eterna criança Pierre André. A diferença dele para Peter Pan é que ele quis crescer, mas para ficar melhor disfarçado… Bem, isso ele não me disse, mas deixo aqui como um palpite.

De qualquer forma, Pierre é mais do que um amigo, é um irmão, companheiro de muuuuuuuita estrada e eu sempre o tive como um dos artistas mais inspiradores e talentosos que eu conheci até hoje. Eu tenho a sorte de conviver com ele e, por isso, por saber o quanto esse “Meu Fii” (forma carinhosa que nos chamamos sem que nem eu, nem ele sabemos quem é fii de quem e nem mesmo como isso começou), tenho a felicidade de trazê-lo mais uma vez aqui, mas em pessoa, ou melhor, em palavras para que todos possam também conhecer um pouquinho mais desse grande artista.

Vamos lá…

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Árvore das Letras: Quem é Pierre André por ele mesmo?

Pierre André: É um menino muito tímido, sério mesmo, que com 20 anos de idade resolveu fazer um cursinho de teatro para perder a timidez e se apaixonou pelas diversas artes que conheceu através e por meio do teatro. Um menino que, por acaso, há 27 anos começou a contar histórias e teve sua vida transformada a partir daí. Um menino que nunca vai deixar de ser criança, não esquecendo as responsabilidades do adulto, oculto dentro de si.

AL: Quem te conhece mais de perto tem a sensação de que você já nasceu artista. Você já apresentava essa inclinação desde criança, ou melhor, de menino pequeno, ou a arte foi se formando aos poucos dentro de você?

PA: Talvez sim, desde criança (menino pequeno). Adorava pegar meus retratos que mamãe, carinhosamente, mandava emoldurar e rabiscava-os todos. Nem ela, nem ninguém, muito menos eu, percebia que aquilo poderia ser uma manifestação de arte. Na adolescência comecei a fazer “arte excessivamente abstrata” nos cadernos e durante as aulas; depois comecei a desenhar, no olhômetro, capas de revistinhas. Mas a arte da representação mesmo começou no início da minha fase “cronologicamente” adulta.

AL: Como você iniciou no teatro? Quais foram as circunstâncias que o levaram e o que você almejava?

PA: Sem querer querendo, já meio que respondi na primeira pergunta, mas sobre o que eu almejava, definitivamente era só perder a timidez, jamais imaginava um dia subir em um palco encenando uma peça de teatro.

AL: Nesse caminho do teatro houve uma pessoa que foi responsável pela formação de muitos artistas, inclusive a sua em muitos momentos. Estou me referindo ao grande mestre Ítalo Mudado. Fale um pouco da convivência que você teve com o Ítalo e da importância que ele exerceu na sua vida enquanto artista e enquanto pessoa.

PA: Ficaria aqui horas e horas falando do mestre Mudado que, literalmente, mudou a minha vida. Quando ensaiava com ele aquele que seria meu primeiro espetáculo, me convidaram para fazer figuração em uma peça profissional de um diretor chamado Kalluh Araújo. Comentei com o Ítalo dizendo que não aceitei pois queria continuar fazendo a peça com ele. Então ele me disse que se eu não aceitasse me mandaria embora, pois eu estaria perdendo a chance de estar atuando com um diretor premiado e em meio a atores profissionais. Enfim fui, mas voltei para o grupo Intervalo, que era o grupo do Ítalo, e fui fazendo várias peças. Certa vez tentei escrever uma peça e, antes de terminar, pedi para que ele lesse. Resultado, “coisa horrorosa!”, ele disse, mas continuou dizendo que se eu quisesse escrever alguma coisa boa, teria que ler muito. Certa vez, pedi para ele dirigir uma peça infantil e ele me disse que se eu encontrasse uma muita boa ele poderia até dirigir. E de tanto ler peças infantis, e ele nunca gostava de nenhuma, resolvi tentar escrever a minha própria. E acredite, ele gostou e foi o primeiro espetáculo infantil do grupo Intervalo dirigido pelo mestre Mudado, “O Espelho Mágico”.

AL: Qual foi a sua primeira peça como ator? Fale um pouquinho de cada uma que você trabalhou e qual você tem um carinho mais especial?

PA: Minha primeira peça foi “Drácula”, a que “fui demitido” pelo Ítalo para poder fazer. Foram tantas peças que fiz de 1991 a 2009, que precisaria de mais um bocado de horas pra falar de cada uma. Mas quero citar duas aqui. A que tenho um carinho especial é, sem dúvida, “O Espelho Mágico”, por toda a circunstância que a fez acontecer, embora eu só tenha um arrependimento: a de ter pedido ao Mestre Mudado para me deixar fazer o personagem Espelho, pois eu não tinha a experiência de ator que o personagem exigia àquela época; e só com o tempo e a própria experiência fui percebendo isso. A outra, que não por caso fiz com o entrevistador aqui em questão, foi “Vamos Acordar os Sonhos”; a propósito a última peça que fiz. Depois a contação de histórias foi ganhando cada vez mais espaço em minha vida profissional e eu tenho muito amor por essa arte maravilhosa e desafiadora. Mas todas as peças que fiz, ou quase todas, podem ser vistas aqui neste link: https://www.pierrecontacontos.com/ator

AL: Além de trabalhar como ator nas peças, você exerceu outras funções, como no trabalho da técnica: iluminação, cenário, sonoplastia. Como isso te ajudou na sua formação como artista?

PA: Fo exercendo essas atividades no grupo Intervalo, meio que pela necessidade, que fui percebendo que poderia ter dons que jamais imaginava. Aprendi e cheguei a ser elogiado por alguns erros em cena, que rapidamente tinha que improvisar algo. Como um dia que errei o foco de luz, que era pra ter sido frontal, e acendi o foco contrário, deixando o ator, que por pouco poderia ter sido o nosso entrevistador, no escuro. Mas ao perceber que o ator continuou falando o texto na penumbra, eu pensei: “olha que legal” e deixei, senão todos perceberiam que tinha sido erro do iluminador, no caso meu. Após o espetáculo, o mestre Ítalo veio se aproximando de mim, eu pedi desculpas e ele disse: “coisa horrorosa… Mas pode manter o erro a partir de agora, eu gostei”. Neste espetáculo fui apenas o operador de luz, no próximo que fui chamado para técnica, fiz a concepção de luz.

AL: Além de ator, você também atuou como diretor, produtor e dramaturgo. Fale um pouco sobre isso.

PA: Diretor e produtor foram acasos do destino, que não me arrependo de ter feito, mas eu gostava mesmo era de atuar. Como dramaturgo (nem sabia que eu era isso), escrevi somente peças de teatro infantil. Meus textos, ou quase todos, também podem ser lidos no link: https://www.pierrecontacontos.com/autor

AL: Até agora falamos sobre o Pierre André no teatro. Mas tem um lugar em que você se tornou seguramente uma das maiores referências em Belo Horizonte e até fora da cidade, que é a contação de histórias. Como foi que ela surgiu na sua vida?

PA: Comecei a contar histórias em 1997, meio que por acaso. Certo dia eu estava lendo o jornal, quando vi uma nota sobre o “VII Concurso Os Melhores Contadores de Histórias”, organizado pela BPIJBH – Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Resolvi me inscrever. Peguei, então, uma peça de teatro que havia escrito (“A Floresta Mágica”) e fiz uma adaptação da história. Na hora da inscrição fiquei sabendo que a história não podia passar de 10 minutos. “E agora?” – pensei. Foi quando lembrei de um conto do Wood Allen, chamado: “Que Loucura!” Resolvi me inscrever, então, na categoria “texto para adultos” com esse conto. Dos vinte candidatos inscritos, três foram selecionados para a final e, para minha surpresa, eu fui um deles. No dia da final cheguei acreditando que ficarei em terceiro lugar; para mim isso já era uma grande vitória. Quando veio o resultado, acredite, eu tinha ficado em primeiro lugar. Pensei que os jurados haviam errado no resultado, mas como não sou nada bobo, fiquei caladinho, peguei meu prêmio e sai de lá feliz da vida e rapidinho, antes que mudassem de ideia.

AL: Ser ator e ser contador de histórias… Qual a diferença? Aliás, tem diferença? Como transitar entre as duas coisas?

PA: Sim, há muita diferença. Primeiro que para contar histórias quem conta não é um personagem, é a gente mesmo. No teatro são os personagens que incorporamos, deixamos eles entrarem na gente. Nele o texto tem que ser decorado ao pé da letra, salvo algumas exceções, que são usadas nas “comédias/besteiróis”. Na contação de histórias, eu pelos menos não decoro, memorizo as histórias, cujas quais entro nelas para contá-las. Minha experiência como ator, claro, me ajuda muito, pois gosto de fazer as vozes dos personagens. Então, nesses momentos me torno os personagens, mas nunca perdendo o foco do narrador que está sempre focalizado com o seu público, interagindo o tempo todo.

AL: Qual a memória mais marcante que você tem na contação de histórias e qual o seu maior sonho com esse trabalho?

PA: Sem dúvida foi quando ganhei o concurso. Porém, já trabalhando com a contação de histórias, tem vários momentos, mas jamais vou esquecer do dia que um garotinho pequenininho me disse: “Pierre André, quando eu crescer vou ser contador de história também”. E o meu maior sonho é poder me dedicar exclusivamente à minha biblioteca comunitária, não só contando histórias para as crianças da comunidade, mas, e por que não, despertando novos contadores de histórias.

AL: Além de tudo isso, você também é escritor e possui dois livros publicados de muito sucesso, inclusive muitas escolas tanto de Minas Gerais como de outros Estados já os adotaram. Estou me referindo a “Emengarda, a barata” e “Bichos De-Versos”. Fale um pouco desses dois livros, como eles surgiram e como eles estão hoje.

PA: “Emengarda, a Barata” eu escrevi devido a um “trauma de infância”, porque quando me contaram a tradicional história da dona Baratinha, o pobre coitado do rato caiu na panela de feijão e nunca tirei isso da cabeça, e nunca fui ao teatro da dona baratinha também não. Quando comecei a contar histórias, resolvi contá-la do meu jeito, misturando a tradicional história com a cantiga, “A Barata Diz Que Tem”. Certo dia, uma aluna, Maria das Graças Augusto, do curso de contação de histórias da Aletria, onde eu dei algumas aulas sobre bonecos e contei a minha versão, pediu para contá-la e, para a minha surpresa, ela contou na formatura do curso. Rosana, a dona da escola, me disse que estava criando a editora e assim nasceu o primeiro livro comercial e em catálogo até hoje da editora Aletria. Já o motivo de como escrevi o “Bichos De-Versos”, caso consiga marcar uma entrevista com Deus, pergunte a ele e depois me diga… É o que poço dizer. Mas o livro mesmo, foi que eu trabalhava em um projeto chamado Caravana Poética, da Ana Cristina, onde eu contava muito as histórias/poemas que hoje estão no livro, mas sem pensar nisso. Certo dia, em um dos piores momentos da minha vida, em pleno tratamento de hemodiálise, Ana Cristina chega com um projeto para eu assinar. Em plena sessão eu assinei, o projeto foi aprovado e captada a verba. Eu, ainda em hemodiálise, agradeci a Ana Cristina que fez toda a produção do livro. Eu fiquei feliz com isso, claro, mas estava em completa depressão pelo que eu estava passando. Enfim, livro sendo produzido e eu aguardando o tão desejado e sonhado transplante. No dia 15 de agosto de 2012 saiu o meu transplante e no dia 12 de dezembro foi o lançamento do livro. “Emengarda, a barata”, hoje, continua na editora Aletria e o “Bichos De-Versos” infelizmente está esgotado.

AL: Você sempre gostou de ler? Como a literatura surgiu para você?

PA: Sinceramente, não. A leitura entrou de fato na minha vida a partir do momento em que o mestre Ítalo me disse: “se você quiser escrever alguma coisa boa tem que ler muito”. Ítalo Mudado mudou o meu lado leitor. A literatura posso dizer que surgiu para mim depois que comecei a contar histórias e viver, literalmente e literariamente, esse mundo.

AL: Você mantém uma biblioteca comunitária, falou dela há pouco. Como iniciou essa ação e quais as atividades são realizadas lá?

PA: No início da minha carreira de contador de histórias eu trabalhava basicamente para editoras e com isso ganhava muitos livros. Certo dia, resolvi fazer de uma parede do meu quarto uma biblioteca infantil. Enquanto planejava como colocar em prática a ideia, minha amiga Edméia Faria, idealizadora do Projeto “Leitura na Calçada”, que daria mais umas duzentas horas para falar dele, me ofereceu os livros do projeto que ela já não realizava mais. Aceitei, claro, mas a minha parede não caberia os aproximadamente 400 livros infantis que ela me deu. Tive que fazer a biblioteca na garagem. Por isso dei o nome de “Garagem de Histórias”, que ficou sendo a minha biblioteca pessoal aberta à comunidade. Com o tempo, tive que mudar de casa, hoje sem garagem, mas para não desfazer de tudo que eu já tinha adquirido, inventado e ganhado, aluguei uma loja dentro da comunidade Vila Nova Paraíso. Depois disso, registrei e hoje a “Garagem de Histórias”, que tem como razão social, “Espaço Cultural MamaPapi’s” (em homenagem aos meus pais que hoje estão no céu, mas viveram esse sonho comigo), é uma OSC. Ainda não consegui pôr em práticas as atividades que pretendo realizar lá, ou seja, as contações histórias, mediação de leitura, oficinas para todas as idades, inclusive de mediação de leitura para mamãe e papais, como incentivo para lerem para seus filhos, ganhando a atenção deles. Como tenho que pagar as contas, preciso trabalhar e, para isso, preciso estar nas escolas quase que diariamente. Então ainda não posso me dedicar como, em breve, estarei me dedicando.

AL: Você tem ideia de quantos livros você possui catalogados na biblioteca e como conseguiu montar esse acervo tão grande?

PA: Hoje tenho mais de três mil livros, a maioria infantis. E a maioria são de doações que recebo.

AL: O que você acha que é preciso para ser um bom escritor, principalmente para crianças?

PA: Acho que acima de tudo para ser um bom escritor é preciso escrever com amor. E escrevendo para criança, escreva como criança, você escreverá como gostaria de ler e ouvir.

AL: Você hoje faz parte da Turma Manoel de Barros, da Vivência Novos Autores da Árvore das Letras, que é um encontro online de pessoas que gostam de ler e escrever. Fale um pouco como esse trabalho te ajuda nas suas criações e na sua escrita.

PA: Melhor coisa que me aconteceu literariamente nos últimos dois anos. Jamais me imaginava escrevendo um haicai e um texto para adultos, embora esses eu dou um jeitinho de disfarçar nos que escrevo. Uma coisa muito interessante que descobri é que as cartas, que hoje quase ninguém as escreve mais, além de nos aproximar de pessoas distantes, nos inspiram a escrever histórias, poemas e, acima de tudo, sentimentos.

AL: Qual o seu maior sonho hoje?

PA: Poder me dedicar à minha biblioteca comunitária, estando presente e conseguindo pagar as contas.

AL: Como acha que a arte pode fazer a diferença na vida das pessoas?

PA: Sendo valorizada, incentivada, respeitada e amada.

AL: Estamos terminando e gostaria de agradecê-lo, principalmente por ser essa pessoa tão inspiradora. Mas quero te fazer uma pergunta especial. Se você hoje, com toda a experiência que possui, por tantos espetáculos na bagagem, incalculáveis contações de histórias, livros, enfim, toda a sua trajetória se encontrasse com o Pierre criança louco para ser artista, que conselho daria a ele?

PA: Embora ainda seja criança, se hoje eu encontrasse com o Pierre daquela época, que ainda não era louco para ser artista, diria (pra mim mesmo): “Menino, vai ser artista. A sua cura está dentro de você, seus dons, que você não faz ideia que os têm, mas que o tornarão uma criança feliz, um pouquinho louco, mas feliz.

AL: Como as pessoas podem entrar em contato com o seu trabalho, contratar suas contações de histórias, comprar os seus livros?

PA: Só procurarem pelas redes sociais por Pierre Conta Contos ou https://www.pierrecontacontos.com

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Bem, esse é o meu amigo, irmão, parceiro nas artes, “Meu Fii” Pierre André. Espero que tenha se inspirado em suas palavras e em sua trajetória que é só um pedacinho do que percorreu e ainda percorre nesse mundo de tantas estradas e histórias para contar…

O blog da Árvore das Letras é um espaço de literatura de identidade própria. Acompanhe todos os domingos e quartas-feiras entrevistas, poesias, crônicas autorais e de colaboradores e demais conteúdos literários e arte da encadernação e produção sustentável de livros.

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Um forte abraço!
Até a próxima.