CADERNOS CHEIOS DE HISTÓRIA

Por Leandro Bertoldo Silva

Vestido, toalha de mesa, cortinas e… cadernos.
A chita, chamada originalmente de chint na Índia, com suas estampas florais, galhos e folhagens, espalhou-se rapidamente pela Europa, vindo parar em nosso continente, especialmente no Brasil como moeda de troca com os atravessadores de escravos.

A produção da chita em nosso país, entretanto, sofreu inicialmente impedimentos de Portugal, sendo proibida pela rainha Maria I, que determinou o desmonte dos teares brasileiros e seus envios àquelas terras.

No entanto, o algodão brasileiro chegou a abastecer as indústrias inglesas e sua produção se espalhou pela colônia, sendo que em Minas Gerais os tecidos fabricados eram tão bons que chegavam a ser enviados a outras capitanias. Com isso, apesar do alvará proibitivo da rainha, os mineiros continuaram tecendo, mesmo que clandestinamente.

Com o domínio de Napoleão na Europa e sendo o Brasil já a capital do império, a família real portuguesa se viu obrigada a fugir ao Brasil e, com isso, veio a permissão legal de produzir tecidos que eram feitos nas “chitarias”. Logo a chita se transformou em “tecido do povo”, sendo Minas Gerais um dos seus maiores produtores.

No Vale do Jequitinhonha a chita ganhou fortes significados na arte e cultura com um longo caminho pela frente e a Árvore das Letras não poderia deixar de usá-la em seu trabalho de encadernação.

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Que história, não é mesmo?

Hoje quis trazê-la aqui neste espaço para deixar dois convites para você!

Este ano estaremos levando uma das representatividades da arte do Vale do Jequitinhonha para a 35ª Feira Nacional de Artesanato, em Belo Horizonte, e muitos dos nossos cadernos e livros estarão por lá. Está aí uma ótima oportunidade para conferir de perto esse trabalho que fazemos com tanto carinho e empenho. Apareça por lá, será um grande prazer encontrar você. Não faltarão histórias para contar e coisa bonita para ver, levar, dar de presente. Vai ser uma festa!

E você pode acompanhar também nossas produções e outras histórias desse maravilhoso mundo dos livros e da encadernação em nosso perfil no Instagram. Visite-nos em @arv.das.letras.

Forte abraço!
Até a próxima.

MUITO ALÉM DA COSTURA

Por Leandro Bertoldo Silva

Existem alguns “bichinhos” a picar a gente, mas, diferente daqueles a nos fazerem mal, esses fazem bem. Estou a falar de um deles: o bichinho da encadernação.

Desde criança, ao passar pela adolescência e até hoje em minha fase adulta sempre gostei de cadernos.

Lembro-me de um caderno brochura, capa de papel onde tinha um desenho de um tucano em meio a folhagens coloridas. Eu tinha 7 anos. Esse caderno ficava no guarda-roupa da minha avó e era onde ela anotava números de telefones. Nunca a imagem desse caderno saiu da minha cabeça. Adorava folheá-lo e admirar a capa.

O tempo passou e até hoje difícil é entrar em uma papelaria e não sair com um Caderno e muitas canetas…

Bem, as canetas continuam, mas os cadernos amenizaram um pouco o bolso (rsrsrs) a partir do momento que passei a confeccioná-los, daí o bichinho a me picar. O interessante desse contágio do bem é que os sintomas só aumentam e cada vez mais cadernos aparecem e fazem parte do repertório da alquimia da confecção. Sim, alquimia! O organizar os materiais, como linhas, agulhas, papéis, papelão, suvelas, réguas, estiletes, berço de furação, e tantos outros apetrechos, vê-los ali dispostos e já imaginar o caderno feito, é uma prática mística para mim ao florescer, como na Idade Média, arte, ciência e magia. Sem contar que um dos principais objetivos dela é obter o elixir da vida, a fim de garantir a imortalidade. E o que é um caderno se não um lugar para se eternizar através das palavras e desenhos? Não por acaso, gosto de deixar claro: não faço cadernos; faço, antes, suportes de sonhos.

Como tudo evolui, sigo a aprimorar essa artesania e a cada dia busco aprender uma costura nova, um ponto diferente.

Para mim, o mais encantador na encadernação artesanal é ela ir muito além da costura. Existem histórias contadas por trás de cada ponto. Eu, como escritor, prezo sempre pela arte de uma boa história e a junção de tudo isso me levou à apaixonante costura copta, uma técnica combinada de beleza, elegância, versatilidade e uma tradição milenar ao resgatar a riquíssima cultura egípcia associando-a à contemporaneidade.

A costura copta ganhou esse nome por ter sido criada pelo povo Copta, uma antiga civilização cristã no antigo Egito, com a finalidade de montar os primeiros evangelhos bíblicos. Era preciso deixar as folhas presas, porém com flexibilidade para a obra ser lida com facilidade por muitos anos. Nasce, assim, uma técnica hoje vista como uma das artes mais elegantes da encadernação. Rústica, ao mesmo tempo clássica, milenar sem nunca perder a originalidade, essa forma de costura possibilita o caderno abrir 360 graus. Não há colagem, as capas são presas nos cadernos em linha trançada e deixa o visual parecido com o de correntes.

Encadernação sofisticada atravessou os tempos e hoje existe como profunda expressão artística, tamanha a variedade de cores e estilos.

Fazer cadernos é ser uma espécie de construtor de alicerces, onde histórias são edificadas; fazer um caderno já possuidor delas é preservar memórias. Quando as duas coisas se juntam, algo de muita grandeza realmente acontece.

Essa é a razão principal de um caderno existir. Por mais que a tecnologia modernizou a escrita, os cadernos acolhem sentimentos, paixões, amores, dores, sabores de uma maneira a fazer da alma de quem escreve uma certeza de ser.

Receitas, poesias, reminiscências, orações… São tantas palavras a se fazerem presentes nas folhas de papel, onde a linha e a agulha fazem um apólogo diferente ao se entenderem construtoras da eternidade.

Sejamos, pois, visionários. Tenha um caderno, encontre o seu lápis e escreva a sua história no mundo.

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A Árvore das Letras está sempre presente em eventos literários e feiras de artesanato com uma grande variedade de cadernos e livros. Também mantemos atendimentos de demanda e encomendas, além de encontros e oficinas. Entre em contato, conheça nossos trabalhos.

Um forte abraço.

Até a próxima.

BANALIDADES TRIDIMENSIONAIS

Por Patrícia Vaucher*

Chegavam animadas todas as terças-feiras ao atelier. Seria mais uma tarde de produção artística regada a conversas e desabafos. Já sabia cada detalhe dos conflitos familiares, desconfianças, angústias, queixas e mais queixas.

Isso sem contar as confidências, histórias secretas compartilhadas sigilosamente, inflamáveis. Poderiam implodir casamentos caso fossem divulgadas.

Aqueles celulares que não paravam de notificar, a tarde inteira, fofocas, solicitações dos maridos, demandas dos filhos, brigas entre vizinhos. Deixavam-me frustrada. E quando vinham com seus ipads, então! Sentia-me fracassada!

O processo criativo exige mergulho dentro de si. É uma conversa íntima que necessita tempo e espaço para acontecer.

Esse retiro interior é o local de recolhimento das imagens que compõem o mais secreto do nosso viver. É onde nascem as formas das emoções. E sim, elas querem vir ao mundo. Aliás, elas precisam vir para dar voz às dores que muitas vezes ficam abafadas, encolhidinhas num cantinho desse espaço tão escuro e assustador.

Nada disso acontecia. Nasciam figuras pré-moldadas de um imaginário social pobre e repetitivo. Silhuetas previsíveis. Objetos utilitários.

E a alma continuava ali, invisível, ignorada e esmagada por transtornos diários da vida ordinária de um feminino enfraquecido.

Aquela sombria luz prevalecia. Ficava acesa durante a aula exibindo suas cores radiantes e formas sedutoras que saltavam das telas e se transformavam, ficando tridimensionais e imortalizadas na argila.

No final do dia, a pobre alma desincorporada mais uma vez voltava pra casa, oculta, incógnita, inexplorada. Perdia mais uma vez a oportunidade de se mostrar ao mundo e revelar segredos que poderiam acalmar os corações explosivos daquelas mulheres.

Acessar conteúdos interiores exige coragem, determinação e até um pouco de maturidade. Isso não se faz com a ponta dos dedos.

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Patrícia Vaucher é Bacharel em Administração de Empresas, pós graduada em Arteterapia e  em  Psicologia Analítica. Facilitadora de Soulcollage. Trabalhou com cerâmica artística por mais de vinte anos em atelier próprio.  Conduz grupos de mulheres através do trabalho terapêutico com argila e Soulcollage. Pesquisa o Feminino na individuação e sua influência no processo de ampliação da consciência..

Patrícia é integrante da Turma Lygia Fagundes Telles, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras.

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Forte abraço!
Até a próxima.