
Por Tomé nasapulo Kapiãla
Breves palavras de Leandro Bertoldo Silva
Acompanhar Ti Zé, Tchissola e Pedro Sabino em uma viagem que se funde com a própria estrada percorrida é uma experiência absolutamente nova e surpreendente que nos remete à época dos folhetins do século XIX, porém através da modernidade dos dias de hoje. Não bastasse a genialidade do autor em nos proporcionar dessa forma à “conta gotas” uma história repleta de sentimentos à flor da pele, coragem em evidenciar questões e comportamentos sociais que ultrapassam fronteiras e se alojam em todo mundo, Tomé Nassapulo Kapiãla usa de palavras tão bem colocadas em um estilo apuradíssimo de pura literatura poética de modo a nos envolver também sentimentalmente com cada um de seus personagens.
A cada capítulo acende em nós, leitores, a chama da curiosidade do provável e do improvável, da aproximação e da distância, do sorriso e do choro, da tensão e do alívio.
Interessante pensar na estrada, com todas as suas nuances, encostas, rios e cachoeiras, como símbolo de um estado de espírito, onde cada um dos personagens existe a partir das suas escolhas. A estrada é a mesma para todos, mas a percepção dela é de cada um, às vezes docemente compartilhada, como Ti Zé e Tchissola, às vezes repudiada como para Pedro, cuja paisagem muda mais bruscamente. Assim, a estrada é a nossa consciência a cada instante, mutável e fluida e o autocarro o corpo que nos conduz à grande viagem de nossas vidas.
Digo isso porque é possível nos colocarmos no centro deste triângulo onde os personagens estão, sentir o que eles sentem e viver (ler) na esperança do dia (capitulo) seguinte. O que virá? Aguardemos.
Obrigado, meu kamba (amigo), por proporcionar-me experiência tão nobre e gratificante pela primeira vez experimentada. E obrigado pela confiança ao remeter-me tão rica literatura à medida que ela surge.
Capítulo 11 – Ecos da cachoeira
O caminho para o interior do município era sinuoso e encantador. A estrada, coberta de pó dourado, abria-se por entre colinas suaves e palmeiras dispersas, até que o som distante da água a cair se fez ouvir.
O roteiro da agência Soares e Viagens indicava aquele local como o ponto alto da estadia: um recanto de serenidade, onde a natureza se deixava tocar por mãos antigas — o canto das aves, o perfume das acácias, e o rumor eterno da cachoeira, como um hino secreto do tempo.
Eram dezassete horas quando chegaram. O sol já descia, e o acampamento ganhava forma ao pé da mata. Pedro Sabino, visivelmente contrariado, montou a sua tenda afastada dos outros, o olhar frio e o coração em silêncio. Não trocou uma palavra com Ti Zé nem com Tchissola durante todo o percurso.
O ambiente entre os três tornara-se espesso, quase palpável — como se o vento ali também tivesse medo de soprar.
Depois de organizarem o acampamento, Ti Zé procurou refúgio junto à cachoeira, afastando-se dos murmúrios humanos. Levava consigo a guitarra, fiel companheira dos seus pensamentos.
Sentou-se sobre uma pedra, os pés mergulhados na água fresca. O som das quedas d’água misturava-se às notas que ele dedilhava, melancólicas, lembrando Luanda, Ana Bela e Joaquim — os filhos que não ouvia havia quase dois dias.
Na solidão, falava consigo mesmo em silêncio, tentando compreender o turbilhão que o atravessava: o desejo inesperado, o remorso, e a doçura perigosa de se sentir vivo outra vez.
As águas refletiam o céu em tons de âmbar quando Tchissola se aproximou.
Vestia um fato de banho azul turquesa, o corpo cintilando sob a luz das últimas horas do dia.
Chegou devagar, quase em segredo, como quem teme acordar o encanto. E, sem dizer palavra, sentou-se atrás de Ti Zé, acolhendo-o entre as suas pernas.
Os braços dela enlaçaram-se sobre o tronco dele, e o rosto pousou-se-lhe ao ombro, respirando o mesmo ar.
Ti Zé estremeceu — o toque dela misturava-se com o som da guitarra, e o coração, antes contido, começou a trair-lhe o compasso.
— Tchissola… — murmurou, sem coragem de se virar. — O que fazes aqui sozinha?
— Vim ouvir-te. — respondeu ela, num fio de voz. — O som que tiras da guitarra… parece vir de dentro de mim.
— Dentro de ti?
— Sim… cada nota parece chamar o meu nome.
— E se for o contrário? — perguntou Ti Zé, voltando-se lentamente. — E se o som apenas responde ao que o teu silêncio me grita?
Ela sorriu, os olhos rasando de brilho.
— Então que o silêncio fale, — disse, — porque há coisas que as palavras estragam.
O vento brincou nos cabelos de ambos. A água corria, mansa e infinita.
Tchissola encostou a fronte ao ombro dele.
— Sabe, Ti Zé… às vezes sinto que a vida é como esta cachoeira. A água cai sem pedir licença, mistura-se à terra, e segue. Ninguém a impede.
— E quem tenta impedir? — Perguntou ele.
— Afoga-se. — respondeu ela, e a voz saiu como um sussurro embriagado de poesia. — O amor, quando é verdadeiro, não aceita margens.
Ti Zé pousou a guitarra sobre as pedras e, por um instante, deixou o coração ceder ao tempo.
O som da cachoeira envolvia-os num manto de música líquida. O perfume das flores, o chilrear das aves e o toque dos corpos compunham um quadro que o mundo não precisava ver.
— Tenho medo, Tchissola… medo de me perder em ti, — confessou ele, a voz embargada.
— E se perder for o mesmo que encontrar? — respondeu ela, fitando-o. — Às vezes, é preciso cair para ouvir o som da própria alma.
As palavras dela eram como versos antigos, ditos pelo vento.
O entardecer descia sobre eles, pintando a paisagem em tons de ouro e silêncio.
Ti Zé segurou-lhe a mão, devagar.
— Não sei o que será de nós depois desta viagem, — disse, — mas sei que o que sinto aqui… é real.
— Então não temas o depois, — sussurrou Tchissola. — Deixa que o agora seja o nosso abrigo.
As águas continuavam a cair, eternas, como se a própria natureza abençoasse aquele instante.
E na imensidão do som e da luz, dois corações, por um breve momento, esqueceram o peso do mundo.
Por Tomé Nasapulo Kapiãla.
(O romance está em escrita).
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Emílio Tomé Cinco Reis de pseudónimo literário Tomé Nasapulo Kapiãla, angolano, natural da província do Huambo, planalto central, licenciado em Geologia faculdade de ciências naturais, universidade pública, Agostinho Neto. É professor do ensino secundário do 2° ciclo do Liceu Público N° 4019 ex-IMNE de Cacuaco “24 de Junho”, lecciona a disciplina de Física e dirigente comunitário da comunidade dos Imbondeiros Cacuaco, província de Luanda.
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Agradeço meu kamba , Leandro Bertoldo, pela nossa amizade sem fronteiras, apesar desta cortina oceânica que se chama Atlântico. Sobretudo, pelo grande gesto de partilhar, em estreia, este romance que ainda está a ser escrito, faltando apenas três ou quatro capítulos.
Agradeço também pelo espaço de oportunidade que dás a obra, mesmo antes de nascer. Que a nossa amizade seja infinita como o universo.
Tuapandula! ( expressão de uma das línguas nativas de Angola, no caso umbundu e significa obrigado)
Atenciosamente!
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Que seu livro, meu kamba, encontre o sucesso que ele já nasceu para ser. Muito feliz aqui pelo lado desse Atlântico que em forma alguma separa nossa amizade.
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