ENTRE O ONTEM E O HOJE: UMA AMIZADE ATRAVESSADA PELO TEMPO

Por Leandro Bertoldo Silva

Bem ao estilo de “Meia Noite em Paris”, fiz uma viagem ao Rio de Janeiro do século XIX, onde encontrei o autor de umas certas Memórias Póstumas.

A atração fraternal foi imediata como podem perceber. Se bem que da minha parte esse sentimento já existia, mas vindo dele foi, sem dúvida, o maior presente já recebido.

 Senti-me lisonjeado, não menos surpreendido com o pedido que me fez. Talvez mais amedrontado que surpreendido, mas vá lá! Como negar? Não neguei. Qual é esse pedido ainda não posso dizer, mas prometo revelar assim que receber dele a devida autorização. Ora, calma! Não seja impaciente, não vai demorar.

Até lá, relembremos um pouco da vida e trajetória deste meu amigo, para mim o maior escritor de todos os tempos, século após século, do Brasil e do mundo: Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS.

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Imagine um garoto mulato, pobre, gago e epilético, filho de pai pintor e mãe lavadeira num Brasil colônia da segunda metade do século XIX…

Uma pessoa assim teria todas as prerrogativas de não se dar bem na vida, certo?

Nem tanto!

As tendências às vezes são só tendências e caem frente às grandes almas…

Estamos falando de Joaquim Maria Machado de Assis, para muitos (inclusive para mim) o maior escritor brasileiro de todos os tempos e um dos mais notáveis escritores do mundo, que revolucionou as nossas letras e a nossa maneira de enxergar a vida.

Contrariando a normalidade, Machado de Assis teve uma existência relativamente estável e conheceu, em vida, o prestígio e a fama que lhe cabiam. Foi um dos fundadores, em 1897, da Academia Brasileira de Letras – ABL e eleito seu presidente vitalício. Ao morrer, em 1908, recebeu honras fúnebres de chefe de Estado.

Nada poderia contrastar mais vivamente com seu nascimento, em 1839, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, e com sua infância de menino órfão e pobre (sua mãe morreu quando ele tinha 10 anos de idade e seu pai casou-se novamente, vindo morrer pouco tempo depois), sendo criado pela madrasta (felizmente boa, para diferenciar das histórias e contos de fadas…).

Entre nascimento e morte, Machado percorreu um duro caminho de quem se faz pelas próprias mãos – mulato pobre de subúrbio, ele se transformaria num dos mais respeitados intelectuais da corte.

Pelo que indicam os registros, Machado de Assis não frequentou a escola, embora tivesse aprendido a ler antes dos 10 anos. Ainda criança, vendeu doces na rua para ajudar a sustentar a casa. Caixeiro de uma livraria, tipógrafo e revisor foram algumas profissões que exerceu antes de se tornar jornalista e escritor.

A estabilidade econômica, porém, veio de outras fontes. Como uma boa parcela da intelectualidade brasileira da época, Machado ingressou no funcionalismo público. Chegou a fazer carreira, foi oficial-de-gabinete de ministro e diretor de órgão público. Em 1889, ano da Proclamação da República, dirigia a Diretoria do Comércio. Nessa época já era um escritor consagrado.

Costuma-se dividir a obra de Machado de Assis em duas fases bem distintas: a primeira apresenta o autor ainda preso a alguns princípios da escola romântica, sendo por isso chamado de fase romântica ou de amadurecimento; a segunda apresenta o autor completamente definido dentro das ideias realistas, sendo, portanto, chamada de fase realista ou de maturidade.

Em 1904, a vida de Machado de Assis é abalada pela morte da esposa – Carolina Augusta Xavier de Novaes – uma base sólida para a sua carreira de escritor e sua companheira por 35 anos, e de quem ele nutria um amor incondicional.

Cultuado em seu tempo (e até hoje) como escritor “clássico”, representante máximo de nossa “boa literatura”, Machado de Assis soube, como nenhum outro escritor brasileiro, revelar os meandros da alma humana e combater, pela ironia sutil, as mazelas de nossa sociedade, ainda colonial, escravocrata e autoritária.

Parece interessante?

Então veja abaixo um panorama geral para conhecer toda a brilhante trajetória de Machado de Assis – o bruxo do Cosme Velho –, algumas de suas ideias e um cronograma básico com as suas principais obras para quem quer se deliciar nessa leitura, que é um verdadeiro mergulho nas profundezas da alma pelo viés da literatura.

MACHADO DE ASSIS – O BRUXO DO COSME VELHO

1839 – Joaquim Maria Machado de Assis nasce no morro do Livramento, Rio de Janeiro, em 21 de junho, filho do pintor e dourador Francisco José de Assis (neto de escravos) e de Maria Leopoldina da Câmara (portuguesa nascida na Ilha de São Miguel, nos Açores) – que viviam na condição de agregados na chácara de Maria José de Mendonça Barroso Pereira.

1854 – Cinco anos após a morte de sua mãe, seu pai se casa com a mulata Maria Inês e a família se muda para São Cristóvão. Publica seu primeiro poema, “Soneto”, no Periódico dos Pobres.

1885 – Trabalha na livraria  e tipografia de Paula Brito, que edita o jornal de variedades “A Marmota Fluminense”, no qual Machado publica os poemas “Ela” e “A palmeira”. Participa das tertúlias da Sociedade Petalógica (nome derivado de “peta”, “menina”), grupo de intelectuais frequentado esporadicamente por José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e Francisco Otaviano.

Primeiro fase – romântica

1860 – A convite de Quintino Bocaiúva, trabalha como repórter do Diário do Rio de Janeiro, órgão do Partido Liberal.

1864 – Publica “Crisálidas”, seu primeiro livro de poesias, pela editora Garnier.

1867 – É nomeado ajudante do diretor de publicações do Diário Oficial.

1869 – Casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novaes. Publica “Contos Fluminenses” e “Falenas” (poesias).

1872 – Estreia de Machado no romance com “Ressurreição”.

1873 – É nomeado primeiro oficial da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

1874 – Lança em livro seu segundo romance, “A mão e a luva”, que havia saído em folhetim no jornal O Globo.

1976 – Publica “Helena”.

1878 – O Cruzeiro publica, em folhetim, o romance “Iaiá Garcia”.

Segunda fase – madura

1881 – Publicação em livro de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (que havia sido publicado em capítulos na Revista Brasileira).

1884 – Muda-se para a rua Cosme Velho, nº 18. Publica o volume de contos “Histórias sem data”.

1886 – Começa a publicar, em folhetim, o romance “Quincas Borba” (que será impresso em livro em 1891).

1888 – Recebe da Princesa Isabel a Ordem da Rosa.

1889 – É nomeado diretor da Diretoria Geral do Comércio.

1893 – Com a reforma ministerial, que transforma a Secretaria da Agricultura em Secretaria da Indústria, Viação e Obras Públicas, Machado é nomeado diretor-geral da Viação.

1897 – Participa da fundação e é eleito presidente da Academia Brasileira de Letras.

1898 – É colocado em disponibilidade na Viação.

1899 – Lança “Dom Casmurro”.

1902 – Volta a trabalhar na Viação, agora como diretor-geral da Contabilidade.

1904 – Publicação do romance “Esaú e Jacó”. Carolina morre no dia 20 de outubro.

1908 – Morre no dia 29 de setembro, dois meses depois do lançamento do seu último romance, “Memorial de Aires”.

SUAS IDEIAS

“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é saber amar”.

“Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e o amor com casamento”.

“O dinheiro não traz felicidade – para quem não sabe o que fazer com ele”.

“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”.

“Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um terceiro andar”.

“Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno”.

“Botas… as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar”.

“Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução”.

“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”.

“Que multidão de dependências na vida, leitor. Umas coisas nascem de outras, enroscam-se, desatam-se, confundem-se, perdem-se, e o tempo vai andando sem se perder a si”.

CRONOGRAMA BÁSICO COM AS SUAS PRINCIPAIS OBRAS

Romances

Ressureição (1872)

A Mão e a Luva (1874)

Helena (1876)

Iaiá Garcia (1878)

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)

Casa Velha (1885)

Quincas Borba (1891)

Dom Casmurro (1899)

Esaú e Jacó (1904)

Memorial de Aires (1908)

Contos

Contos Fluminenses (1870)

Histórias da meia-noite (1873)

Papéis avulsos (1882)

Histórias sem data (1884)

Várias histórias (1896)

Páginas recolhidas (1899)

Relíquias de Casa Velha (1906)

Contos avulsos.

*Referências:

Literatura brasileira: das origens aos nossos dias – José de Nicola.

Ler é aprender – Machado de Assis/Estadão.

Revista CULT – As magias literárias de Machado de Assis – julho/1999.

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Gostou de conhecer a história de Machado de Assis, esse grande escritor brasileiro e meu amigo? Então compartilhe esse conteúdo e ajude a divulgar essa informação, fomentar a leitura e valorizar a literatura clássica!

A propósito, que tal mencionar logo abaixo nos comentários qual obra de Machado mais lhe marcou? Se ainda não leu, é um bom momento para começar!  

Lembre-se!

COMPARTILHAR É SE IMPORTAR!

Forte abraço!
Leandro Bertoldo Silva.


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Um comentário em “ENTRE O ONTEM E O HOJE: UMA AMIZADE ATRAVESSADA PELO TEMPO”

  1. Parabéns Leandro! Gostei de ler novamente sobre Machado de Assis!!!

    E uma das obras marcantes que li foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, um livro atemporal com muitas frases que norteiam o pensamento de hoje em dia.

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