Tinha cabelos brancos, pele enrugada, alguns dentes a menos, olhos claros e muito tristes. Ninguém sabia muita coisa a seu respeito, mal cumprimentava os vizinhos, poucas das vezes que ouviram sua voz foi para xingar algumas crianças do bairro que pisaram no gramado da sua calçada. Possuía um semblante sofrido, morava sozinho e sua única companhia era um cachorro caramelo. Nunca recebeu uma visita, nunca ficou dias fora de casa, nem mesmo nos feriados. Passava aniversários, Natais e viradas de ano, ali, sozinho. Alguns vizinhos deixavam, por vezes, pratos de doces e salgados na varanda, mas lá ficavam por dias, até que fossem jogados fora. Quando alguém batia em sua porta, ele não abria. Pelas janelas, nada se via, as cortinas eram escuras e tampavam toda a visão de maneira proposital.
Certo dia a rua se encheu de viaturas, curiosos e ambulância. Uma denúncia anônima informara que alguém havia tirado a própria vida e era na casa do vizinho solitário. De lá ele foi tirado, da mesma forma que todos os outros dias, da mesma forma de sempre, em silencio e sozinho. Seu único amigo, o caramelo, foi levado pelos policiais.
Assim que a rua se esvaziou, os garotos da vizinhança, que sempre foram interessados em saber mais sobre aquela casa que vivia toda fechada, pisaram sem dó na calçada gramada, passaram pelas fitas de segurança que haviam colocado na porta da frente e entraram na residência. Ao entrar, se assustaram, porque por trás da porta não encontraram nada cinza, escuro, triste ou sujo. Mas sim, uma casa alegre, florida, cheia de vida, livros, quadros nas paredes e toda arrumadinha. Na mesa de centro da sala, o telefone sem fio tinha na tela o registro da última chamada – 190 – e ao lado de um lindo arranjo de flor, encontraram um papel escrito à mão:
“Eu devia sorrir mais
Abraçar meus pais,
Viajar o mundo e socializar.
Nunca reclamar, só agradecer,
Fácil de falar, difícil fazer…”
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Carolina Bertoldo é escritora, estudante de pedagogia, colecionadora de livros e integrante da turma Manoel de Barros, da Árvore das Letras.
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Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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Que lindo!
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