MEMÓRIAS

Por Nasapulo Kapiãla*

Memórias são visitas
Que de vez em quando nos revisitam.

Chegam impetuosas ou amenas
Se revestem de tristeza ou de felicidade
E saúdam de saudade!

Transportam bagagens de vivências
Nossos pertences
Nossas habilidades
Nossas fraquezas.

Cristalizam no tempo!

Tornam-se pérolas, esmeralda, jasmim, enfim…
Insignificante para muitos
Significantes para nós, pois são nossas memórias!

Ladeam-me memórias de avó Sabina de terço na mão
Tão piedosa rogando sermão
Que sua Divindade lhe concedesse perdão
E bênção em sua geração.

São nossas memórias!

Algumas nos enfraquecem
Porém outras nos fortalecem!

Não se perdem se transformam indelevelmente
Nas individualidades
Para a colectividade.

Mesmo que a humanidade
Se extinguir
Existirão sempre memórias!

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*Nasapulo Kapiãla é angolano e colaborador da Árvore das Letras.

O COLORIR DE UMA FLOR

Por Leandro Bertoldo Silva

Levantou cedo. Enquanto a água fervia para o café, se arrumou e verificou se estava tudo certo com o material da escola. Era o seu primeiro dia de aula e não tinha a menor ideia do que encontraria, principalmente após a recomendação da diretora dias antes: “Não vá puxar muito dos alunos, professor. Eles não estão acostumados. Além dos mais, estamos no interior…”.

O fato de ter vindo da capital nunca fora para Isidoro preceito de ser diferente. E daí estar no interior? Muito estranho. Mas lá foi Isidoro com uma diferença, sim, ao menos estrutural. Ele não tinha uma pasta ou bolsa, como os outros professores; ao contrário, ele tinha uma mala repleta de livros e carregava às costas um violão. E foi assim que adentrou pela primeira vez aquele portão escuro como o novo professor de Português.

Embora a escola estivesse toda pintada e com panos esticados em formato de grandes triângulos em tons diferentes, a falta de cor era evidente, não uma cor física, mas uma cor de alma, de falta de sorrisos reforçada pelo cinza do piso o qual gritava aos seus olhos. Sempre pensou: “As escolas nunca deveriam ser cinza, nem mesmo onde pisamos.” No entanto, estava ele ali em meio a uma a esperar pacientemente o seu momento de conhecer os alunos.

Feitas as apresentações, os alunos foram para as suas salas desanimados e desbotados, enquanto os professores, em desmaio de cores a reclamarem do fim das férias, foram pegar os seus pincéis. Isidoro não precisava deles, a não ser para pintar o chão, onde um rolo seria mais adequado.

Nem pinceis e nem rolo. Adivinhou-se na entrada de cada turma o que Isidoro trazia de novidade. No lugar do “bom-dia, vamos sentar nos seus lugares”, o novato professor sentava-se em cima das carteiras junto aos alunos, ou no chão os convidando a fazerem o mesmo, sacando o violão e contando-lhes histórias.

Os dias foram passando e o professor seguiu a sua tentativa de colorir a escola. Entendia agora o porquê em tempos meninos, ainda no jardim da infância, quando seus pais perguntavam o que ele havia feito, ele respondia: “Eu só coloro”. Essa sempre foi a sua missão, ainda mais do que ensinar as próprias letras.

Porém, o empreendimento era árduo. Não contava com os outros professores e muitos alunos não compreendiam nem o vermelho, nem o azul ou qualquer outra cor de suas palavras. Sentia-se na superfície, não havia profundidades. Lembrou-se da sentença da diretora ao recomendá-lo cautelas. Estaria ela com a razão?

Isidoro foi para casa. Pensativo. Queria tanto colorir se não a escola, ao menos o coração daquelas crianças e jovens! Em sua biblioteca buscava nos livros a cor perfeita a salvar do desbotamento contagiante aqueles que se acinzentavam. De repente seus olhos pousaram em um pequeno livro de capa preta, sem atrativos e muito sem graça em meio a tantos outros volumosos. No título lia-se: “O coração escuta pela boca”, de Silvana de Menezes. Tratava-se da biografia romanceada de Freud. Será?… Nunca acreditou em julgar um livro pela capa. Pegou-o e o guardou em sua mala. No dia seguinte o apresentaria para os alunos na berma de um pensamento: “as pessoas são como os livros; algumas serão tocadas, lidas e descobertas enquanto outras permanecerão fechadas”.

Tal pensamento se refletiu na realidade quando, em meio a vários alunos e alunas, Isidoro viu brilhar um amarelo diferente, um ponto de luz nos olhos de uma menina. Nenhum livro havia conseguido tal feito. E fora justamente aquele de capa preta a ganhar variedades de belezas como um caleidoscópio a fazer nascerem alguns anos mais tarde uma profissão.

A menina, miúda ainda de idade, cresceu com o passar dos anos, os mesmos anos que fizeram Isidoro não estar mais naquela escola, pois o tempo não havia colorido os seus despropósitos.

Sentado junto à janela a olhar uma flor prestes a abrir em seu jardim, ouve um toque de mensagem em seu telefone:

“Oi, professor, tudo bem? Hoje é o lançamento do meu trabalho, do meu projeto como psicóloga e eu postei um vídeo explicando o motivo de ter escolhido a psicologia. Obviamente você fez parte disso, fez parte lá das raízes até as folhas e as flores dessa árvore linda que eu construí. E não tem como falar desse projeto sem me lembrar de você. Foi por causa do livro que você passou, “O coração escuta pela boca”, que esse amor nasceu em meu coração. Estou te mandando essa mensagem para te agradecer. Essa vitória não é só minha, essa vitória é nossa. Muito obrigada mesmo por ter feito parte disso”*.

Ao escutar a mensagem e com os olhos marejados, viu que a flor, em um colorido intenso e cintilante, acabara de se abrir.

HAICAIS DOS VALES: O ENCONTRO COM A POESIA

Por Leandro Bertoldo Silva

Um dos filmes mais lindos que já assisti até hoje foi O Carteiro e o Poeta, baseado no romance de Antônio Skármeta. Muito além da história de amor do carteiro pela bela garçonete, insuflado pela poesia de Pablo Neruda, chama atenção algo muito maior: o encontro com a poesia.

É de Neruda que Mario, o carteiro, busca conselhos sobre como conquistar o coração de Beatriz, a garçonete, e é do simples Mario que Neruda recebe os sons de sua casa, quando, doente, pede ao rapaz para gravar os ruídos em torno da Ilha Negra. Ao fazê-lo, o carteiro anda pelos lugares e se depara não apenas com os sons, mas com paisagens comuns do dia a dia ao se tonarem exuberantes pelo simples fato de serem observadas, ou melhor, percebidas.  Esse é o momento ápice para mim em que a poesia, em sua essência, se faz presente.

Refiro-me a esse filme e a essa passagem exclusivamente para dizer como é impressionante o fato da poesia estar ao alcance dos nossos olhos, basta nos colocarmos à disposição.

Foi assim, nesse modo receptivo, que em um passeio na casa de uns amigos na zona rural, aqui mesmo em Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, estavam lá, em um espaço de alguns metros quadrados bem perto de nós, muitas poesias a serem vistas, ouvidas e apreciadas, as quais compartilho aqui algumas na minha forma preferida: os haicais.

Se você gostou desses pequenos versos, quero te convidar a seguir o meu novo perfil no Instagram, onde, estimulado pelo filme O Carteiro e o Poeta, irei mostrar os Vales do Jequitinhonha e Mucuri pelos olhos da poesia em haicais, essa arte tão linda quanto sutil e profunda.

É uma forma de evidenciar e agradecer essas terras que me acolheram como filho nesses 15 anos a caminhar por elas.

A ideia é de um perfil focado justamente na arte do haicai, sem apelo comercial ou sequer legenda, somente com a referência do local. Busca-se ser um lugar para encontrar fotos bonitas, sempre autorais, admirar as composições dos versos com as imagens e cores em um ambiente calmo e sereno para trazer sensibilidade e inspiração.

Espero que possamos nos encontrar por lá também. E só acessar o link https://www.instagram.com/haicais.dos.vales/

Um forte abraço e aproveite tudo o que temos a oferecer nesse maravilhoso mundo pelas palavras.