INTERTEXTUALIDADE – AO DESCONCERTO DA MINHA TERRA

Por Manuel Afonso*
(Angola)

No dia 7 de fevereiro, o professor e poeta angolano António Alexandre publicou aqui neste blog o poema “Ao desconcerto da minha terra”, tratando-se de uma situação social em África que há muito reclama por intervenção e justiça social (você pode conferir clicando AQUI).

Após a publicação, outro professor — Manuel Afonso —, também de Angola, fez uma linda intertextualidade que, claro, não poderíamos deixar de trazê-la aos olhos dos leitores e leitoras.

Boa leitura e ótima reflexão.

Sou, sim, filho de um camponês que não tem campo próprio para cultivar, e nem mesmo um cantinho junto a sua cabana que construiu com muito orgulho.

Nada tenho para comer
Sabem quem está farto de comida? É o filho daquele burguês que até os outros já lhe deram bué de nomes.

Sou filho de um pescador da Comuna de Cacuaco.
Da pesca nada vejo se não os velejadores burgueses, nada como assim como aquela que está a ler este adaptado ao desconcerto da nossa banda.

Do fiscal sinto pena, ele é filho da coitada vizinha Ndonkola que sempre vê o seu negócio de ganha pão de faz de conta (negócio que não dá lucro), a ser jogado no chão e pisado pelo colega do filho.

Sou filho de um professor.
Sei ler, escrever e falar.
Mas quem manda em todos que sabem ler e escrever é o opressor que foi ensinado pelo meu pai.

Sou filho de um operário acabado.
Trabalho duro para a minha querida terra, para os meus pais que foram enganados pelo burguês.
E do trabalho só vejo percevejos a aumentar na cama que adquiri há 20 anos. Salário que é bom, nada.

E assim está a minha querida terra que tem rumo mas que poderá se tornar muro, e todos, um dia desses,  darão um murro nesse muro.

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* Manuel Afonso é Professor de Língua Inglesa, Tradutor e Gestor escolar.

Trabalha no Liceu nº 4019 (escola pública do ensino secundário) e é sócio-gerente da IQ-International Ltda. Possui mestrado em gestão de empresa (Cambridge International College) e pós-graduado em gestão educacional (Universidade Católica de Brasília). Professor com Certificação Internacional – CELTA (Cambridge University) e TESOL Methodology (Maryland University).

É palestrante em workshops e/ ou seminários sobre liderança e ensino. Membro ativo da Associação Angolana dos Professores de Língua Inglesa (ANELTA – sigla em Inglês) e Membro fundador da Associação dos Tradutores e Intérpretes de Angola (ATIA). Dirige projetos comunitários de índole educacional.

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4 comentários em “INTERTEXTUALIDADE – AO DESCONCERTO DA MINHA TERRA”

  1. Quanta verdade está aí nesse texto! Ainda bem que temos a literatura para revelar as inconsistências de nossas sociedades, deixar registradoe a falta de respeito, de direitos e de gratidão a cada ser humano, cidadão, operário, trabalhador rural, vendedores ambulantes… país, mães, que lutam com dignidade e não recebem o mínimo dessa digna e dura verdade em forma de valor! Parabéns pelo texto! Um foste abraço!

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