Chegavam animadas todas as terças-feiras ao atelier. Seria mais uma tarde de produção artística regada a conversas e desabafos. Já sabia cada detalhe dos conflitos familiares, desconfianças, angústias, queixas e mais queixas.
Isso sem contar as confidências, histórias secretas compartilhadas sigilosamente, inflamáveis. Poderiam implodir casamentos caso fossem divulgadas.
Aqueles celulares que não paravam de notificar, a tarde inteira, fofocas, solicitações dos maridos, demandas dos filhos, brigas entre vizinhos. Deixavam-me frustrada. E quando vinham com seus ipads, então! Sentia-me fracassada!
O processo criativo exige mergulho dentro de si. É uma conversa íntima que necessita tempo e espaço para acontecer.
Esse retiro interior é o local de recolhimento das imagens que compõem o mais secreto do nosso viver. É onde nascem as formas das emoções. E sim, elas querem vir ao mundo. Aliás, elas precisam vir para dar voz às dores que muitas vezes ficam abafadas, encolhidinhas num cantinho desse espaço tão escuro e assustador.
Nada disso acontecia. Nasciam figuras pré-moldadas de um imaginário social pobre e repetitivo. Silhuetas previsíveis. Objetos utilitários.
E a alma continuava ali, invisível, ignorada e esmagada por transtornos diários da vida ordinária de um feminino enfraquecido.
Aquela sombria luz prevalecia. Ficava acesa durante a aula exibindo suas cores radiantes e formas sedutoras que saltavam das telas e se transformavam, ficando tridimensionais e imortalizadas na argila.
No final do dia, a pobre alma desincorporada mais uma vez voltava pra casa, oculta, incógnita, inexplorada. Perdia mais uma vez a oportunidade de se mostrar ao mundo e revelar segredos que poderiam acalmar os corações explosivos daquelas mulheres.
Acessar conteúdos interiores exige coragem, determinação e até um pouco de maturidade. Isso não se faz com a ponta dos dedos.
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* Patrícia Vaucher é Bacharel em Administração de Empresas, pós graduada em Arteterapia e em Psicologia Analítica. Facilitadora de Soulcollage. Trabalhou com cerâmica artística por mais de vinte anos em atelier próprio. Conduz grupos de mulheres através do trabalho terapêutico com argila e Soulcollage. Pesquisa o Feminino na individuação e sua influência no processo de ampliação da consciência..
Patrícia é integrante da Turma Lygia Fagundes Telles, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras.
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Você já parou para pensar qual o caminho que um livro percorre até chegar em suas mãos?
Bem, tudo parte de um princípio, ainda mais os livros da Árvore que são ecológicos e sustentáveis. É comum aos escritores considerarem os seus livros como filhos e, como tais, precisam ser concebidos. Sim, um livro nasce da cabeça de seu autor. É a concepção originária. Sem ela nenhuma etapa seguinte existirá. Siga a sequência que os nossos livros são feitos e se delicie com o que tanto defendemos: “a liberdade de ser do seu jeito”!
Eu tenho uma particularidade! É comum eu fazer os meus primeiros esboços à mão. É a minha forma de sentir a escrita de maneira completa, que antes é preciso ser minha para só depois ser dos outros. Escrever à mão, além de movimentar as áreas do cérebro e estimular a criação e a criatividade, é também uma forma de demonstrar carinho e guardar lembranças. Mesmo com a tecnologia, há muitos escritores que ainda escrevem os seus livros à mão. Eu sou um deles. Se você é escritor ou escritora, como é com você?
Em seguida a história é reescrita no computador. É o meu primeiro namoro com o texto já o percebendo em formas mais elaboradas. É onde há cortes, mudanças e aconchego com as palavras.
Aqui inicia a artesania do livro, ou, como queira, a alquimia do que é imaginado ao que é palpável. Após o livro ser escrito, digitado, revisado, formatado e diagramado — o que vai aí alguns meses e até anos — é o momento da impressão feita com cuidado e carinho, afinal ele está vindo ao mundo. No caso da Árvore, os livros são impressos em folhas soltas.
Uma vez impresso, entra em cena pela primeira vez a “Paula Brito”, nossa prensa de madeira. Por que do nome “Paula Brito”? Você pode saber lendo AQUI. É ela que dá suporte à cola na lombada do livro para que a mesma seja preparada para a furação.
Uma vez colada, a lombada é demarcada com 14 furos, usando, para isso, uma furadeira de mão com broca bem fininha para facilitar a passagem da agulha para receber a linha com cera de abelha.
Todos os processos são especiais, mas é na costura que eu mais sinto o livro nascendo em minhas mãos. Nesse momento sou o escritor, mas também o artesão; o genitor e o parteiro ao unir pensamentos às palavras que ganham formas palpáveis.
Como todo recém-nascido, é preciso agasalhá-lo. É aí que entra a capa com papel ecológico. É o segundo momento da “Paula Brito”, que faz o seu trabalho originário de prensar. O livro fica na prensa por aproximadamente 3 a 4 horas, até que união capa-lombada seja um verdadeiro enlace matrimonial de arte e palavras.
E para dar ao livro sua identidade visual e seu lugar no mundo de forma ainda mais autêntica, fazemos o acabamento com materiais alternativos, utilizando componentes metálicos, superposição de imagens e o que a criatividade permitir, fazendo do livro em si um objeto de arte.
Sabemos que um livro nasceu quando é entregue às mãos dos leitores. Essa é a cereja do bolo, o grande momento da vida do criador e da sua criatura. De nada adianta ser escrito, colado, costurado, prensado, publicado se em algum lugar uma pessoa não abri-lo e lê-lo. É na leitura que ele se faz, que se coloca na condição de existir. Enquanto isso não acontece, o livro é só um objeto qualquer. Mas quando é aberto, lido e saboreado, o sopro da vida invade a suas páginas.
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Bem, é assim que nasce um livro aqui na Árvore das Letras. Espero que tenha gostado dessa sequência e convido para conhecer todos os outros livros que, como esse, surgiram assim, de um pensamento, de um sonho, de uma vontade e de uma costura…
Clicando AQUI você encontra todos eles. Que tal dar uma passadinha por lá?
No dia 7 de fevereiro, o professor e poeta angolano António Alexandre publicou aqui neste blog o poema “Ao desconcerto da minha terra”, tratando-se de uma situação social em África que há muito reclama por intervenção e justiça social (você pode conferir clicando AQUI).
Após a publicação, outro professor — Manuel Afonso —, também de Angola, fez uma linda intertextualidade que, claro, não poderíamos deixar de trazê-la aos olhos dos leitores e leitoras.
Boa leitura e ótima reflexão.
Sou, sim, filho de um camponês que não tem campo próprio para cultivar, e nem mesmo um cantinho junto a sua cabana que construiu com muito orgulho.
Nada tenho para comer Sabem quem está farto de comida? É o filho daquele burguês que até os outros já lhe deram bué de nomes.
Sou filho de um pescador da Comuna de Cacuaco. Da pesca nada vejo se não os velejadores burgueses, nada como assim como aquela que está a ler este adaptado ao desconcerto da nossa banda.
Do fiscal sinto pena, ele é filho da coitada vizinha Ndonkola que sempre vê o seu negócio de ganha pão de faz de conta (negócio que não dá lucro), a ser jogado no chão e pisado pelo colega do filho.
Sou filho de um professor. Sei ler, escrever e falar. Mas quem manda em todos que sabem ler e escrever é o opressor que foi ensinado pelo meu pai.
Sou filho de um operário acabado. Trabalho duro para a minha querida terra, para os meus pais que foram enganados pelo burguês. E do trabalho só vejo percevejos a aumentar na cama que adquiri há 20 anos. Salário que é bom, nada.
E assim está a minha querida terra que tem rumo mas que poderá se tornar muro, e todos, um dia desses, darão um murro nesse muro.
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* Manuel Afonso é Professor de Língua Inglesa, Tradutor e Gestor escolar.
Trabalha no Liceu nº 4019 (escola pública do ensino secundário) e é sócio-gerente da IQ-International Ltda. Possui mestrado em gestão de empresa (Cambridge International College) e pós-graduado em gestão educacional (Universidade Católica de Brasília). Professor com Certificação Internacional – CELTA (Cambridge University) e TESOL Methodology (Maryland University).
É palestrante em workshops e/ ou seminários sobre liderança e ensino. Membro ativo da Associação Angolana dos Professores de Língua Inglesa (ANELTA – sigla em Inglês) e Membro fundador da Associação dos Tradutores e Intérpretes de Angola (ATIA). Dirige projetos comunitários de índole educacional.
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A Quarta Literária é uma ação da árvore das Letras de fomento à literatura independente.
Você também pode ser um correspondente literário. Participe da Vivência Novos Autores, um encontro on-line semanal de leitura e produção literária. Saiba mais AQUI.
Uma criança que aos 10 anos de idade teve sua primeira crise existencial sobre o amor; que cresceu e teve no papel e na caneta seu “porto seguro” para se entender; uma adolescente brilhante que soube lidar com suas exigências para se tornar, hoje, uma jovem mulher adulta que encontrou na psicologia sua grande razão de existir e contribuir com o mundo, tendo a literatura como companheira.
Essa é a psicóloga e escritora Fabiene Lemos, que teve com a Árvore das Letras uma conversa deliciosa. A propósito, a Árvore sempre foi a sua casa. Para nós é uma alegria compartilhar um pouquinho da enormidade da trajetória dessa pessoa incrivelmente talentosa e humana.
Autora de dois livros — Cartas ao Tempo, o primeiro do selo Alforria Literária, da editora Árvore das Letras, e o mais recente Perdoe-me pela minha ansiedade, Fabiene nos brinda ao discorrer sobre a temática desse livro nos dias de hoje, e também sobre tecnologia, literatura, lembranças e sentimentos.
Uma conversa ao pé da Árvore que temos o prazer de trazer até você.
Árvore das Letras: Quem é Fabiene Lemos por ela mesma?
Fabiene lemos: Fabiene Lemos desde criança sempre foi uma menina tímida e introspectiva. Recordo-me da minha primeira crise existencial sobre ‘o que é o amor?’ aos dez anos de idade. A partir desse acontecimento, emergiram vários confrontos comigo mesma em busca de compreender as idiossincrasias da vida. Ainda hoje me vejo mergulhada em pensamentos, dúvidas e especulações que crio para tentar explicar um pouco da complexidade que é o comportamento humano. Durante um bom tempo, tive dificuldades em me expressar discursando, pois o fluxo de ideias que invadiam a minha mente era completamente desordenado e, somado a minha dicção que não era tão boa, saia uma cacofonia. Entretanto, existiam (e ainda existem) anseios de exteriorizar a energia e o sentimento das minhas observações sobre as miudezas da vida que me atravessam. A escrita se apresentou para mim como um bálsamo. Com o papel e a caneta eu me entendia, ficava à vontade até comigo mesma para poder, simplesmente, ser. Os diários e as cartas que escrevi se transformaram na parte de mim que eu mais gostava. Era uma menina e suas amantes: as palavras escritas. O hábito de escrever me trouxe uma sensação de alívio e de estar sendo fiel a quem eu sou.
AL: Olhando para a sua vida hoje e tendo a total noção da sua trajetória até aqui, você poderia dizer que sempre teve inclinação para a psicologia? Conte um pouco como isso aconteceu.
FL: Aos treze anos tive contato com uma literatura fenomenal escrita por Suzana de Menezes, O coração escuta pela boca. Essa obra foi indicada na época de escola pelo meu professor Leandro Bertoldo que hoje é o meu grande amigo e colega de trabalho. Antes eu não sabia o que eu queria ser, sabia o que eu não queria. Não sentia inclinação para quase nenhuma profissão. A leitura foi o meu despertar, era exatamente aquilo que eu queria fazer: escutar pessoas, não ouvir. Mas escutar. Entender. Compreender. Estar presente. Acolher. Foi o meu evento canônico! Uma das minhas maiores certezas. Até hoje essa certeza vem se confirmando a cada atendimento que este é o meu caminho. O meu chamado que sempre esteve em mim.
AL: Fabiene, a psicologia, de um modo geral, trata do comportamento humano e das interações das pessoas com o meio em que vivem, tanto ambiental como social. Hoje vivemos uma realidade extremamente virtual com tudo, inclusive em nossas interações com o outro e com nós mesmos. Para você, qual a responsabilidade da psicologia diante dessa realidade? O que a preocupa?
FL: Com essa explosão de coaches, pseudociências e terapias alternativas, a psicologia mais do que nunca tem a responsabilidade de se manter firme e não ceder as “instantaneidades” pregadas pela Pós-Modernidade. É um risco para a psicologia se perder como ciência na tentativa de seguir padrões que soam mais afáveis (rápido e prático) que atendem as pseudonecessidades urgentes da sociedade. A ciência está para investigar e comprovar fatos baseados em estudos sérios, não está solidificado em opiniões e crenças. Nos tempos de hoje, é difícil alguém buscar um recurso que não seja muleta, nem guru, nem manual de instruções, e que, infelizmente ou felizmente, irá fazer com que você mesmo encontre as respostas que procura. O que me preocupa é a irresponsabilidade de pessoas que propagam inverdades sem conhecimentos de fala e que tratam assuntos tão sérios ligados ao comportamento humano reduzindo todas as realidades a uma só, desconsiderando todos os pormenores que consiste cada história de vida.
AL: Existem aspectos muito positivos na tecnologia. Você, inclusive, optou por um modelo em que a utiliza no seu trabalho; você faz atendimentos on-line, o que facilita questões até mesmo geográficas com as pessoas permitindo um alcance muito maior. Como você transita nessas duas realidades, a real com o cliente e o virtual no processo?
FL: Eu percebi depois de um tempo que a linha entre o virtual e o real deveria ser a mais estreita possível, pois isso cria conexões autênticas. Hoje quando alguém me procura para os atendimentos, geralmente, já tem uma imagem preestabelecida sobre mim, através das redes, conhecem as minhas preferências e os meus anseios. O posicionamento traz essa proximidade e até uma afinidade. No decorrer dos encontros, não destoa quem eu sou das minhas colocações midiáticas, porém, obviamente, é um contato mais profundo.
AL: Fale um pouco sobre a sua linha de abordagem. No que você acredita?
FL: A minha abordagem, Existencial Humanista, consiste numa epistemologia que compreende o ser humano como um ser livre para decidir o que deseja fazer da sua existência. A vida é a conjuntura de uma porção de escolhas. A todo o momento somos convidados a escolher. O sabor e a cor da nossa trajetória correspondem na forma como olhamos e lidamos acerca das complexidades e simplicidades que nos atravessam a todo instante. A psicoterapia é um instrumento científico e até artístico (pois oferece um colorido à vida) que possibilita o sujeito expandir o conhecimento sobre as suas possibilidades. Ele aprende sobre si, assumindo a consciência das suas potencialidades e deficiências. Sendo assim, acredito que todo o ser humano que tiver uma atmosfera acolhedora e empática, ele tenderá a se atualizar e, constantemente, alcançar suas melhores versões.
AL: A psicologia sempre andou de mãos dadas com a literatura. Machado de Assis e Clarice Lispector são exemplos disso. Você sempre gostou de ler? Qual a sua relação com a leitura e como ela influencia o seu trabalho de psicóloga?
FL: O meu hábito de ler surgiu na pré-adolescência, me apaixonei pela escrita de Clarice Lispector. Entrei no curso de psicologia sem pretensão em conciliá-la com a literatura. A minha leitura se voltou completamente para artigos científicos e livros didáticos. Entretanto, quando me formei e retomei a leitura de literatura brasileira entre outras, percebi algo: os dilemas dos personagens literários também são os dilemas que se apresentam durante a vida. E ainda mais, a sensibilidade, as janelas de possibilidades e as mensagens trazidas nos livros têm a magia de nos propiciar acalento e conforto. Pode-se concluir que os amantes de literatura passam pelos dramas, pelas angústias e dores da vida com mais leveza e menos pesar, entendendo que as adversidades e os conflitos que enfrentamos, fazem parte do processo de existir. Os livros são complementos da minha prática clínica, tanto são essenciais para o aprimoramento das minhas habilidades na compreensão do ser humano como também são recursos utilizados para que os meus pacientes possam desenvolver uma leitura de modo terapêutico.
AL: Você também é escritora. Acabei de mencionar Clarice e Machado que permearam a escrita do seu primeiro livro, ainda em conjunto com outras pessoas, que foi o Cartas ao Tempo. Fale um pouco sobre esse livro e o que ele significa para você.
FL:Cartas ao tempo tem um significado intimo e especial para mim. Quando eu escrevi tinha apenas dezessete anos e um tanto de melancolias para sublimar. Num período de dúvidas, inseguranças e incertezas a escrita se apresentou como endorfina. O livro em algumas partes se assemelha a um desabafo, tão profundo que as palavras parecem ser tiradas das entranhas da alma. Ele é emoção, sensibilidade e juventude. Tem um toque do drama juvenil, apesar de se tratar de grandes escritores brasileiros. Conseguimos preservar caraterísticas marcantes do estilo literato de cada autor. Tendo o erudito e a elegância na construção das frases para Machado de Assis. E a sensibilidade e o lírico atribuídos às palavras para Clarice Lispector.
AL: Você tem uma ligação muito forte com a Clarice Lispector. Por quê?
FL: A ligação tem haver com a comunicação. O seu modo de se expressar beirando o enigmático e hermético, e mesmo assim, sensível e doce conversou com a minha personalidade. Clarice é uma ambiguidade que não é confusa. Outra ambiguidade dentro da própria explicação. Ela não é óbvia, mas nunca foi evasiva. Gosto de como ela se expressa fazendo com que o leitor compreenda a sua escrita com sua própria percepção de acordo com a sua realidade. E a cada releitura uma nova compreensão. Ela não se limita a uma verdade só. Todo ser que ler sentirá e criará uma ideia diferente do que foi lido, mesmo sendo as mesmas palavras. Na adolescência, ela esteve presente para mim como uma fada madrinha. Como dizia que a escrita dela era para ser sentida, eu sentia tudo e era como se fosse para mim. Me tocava. Havia uma comunicação que trazia acalento. E ainda hoje, ela é a minha escritora favorita! Estou amadurecendo, todavia a escrita dela acompanha as minhas fases.
AL: Vamos falar do seu segundo livro, porém o primeiro como autora independente e que tem total ligação com o seu trabalho hoje. Refiro-me ao livro Perdoe-me pela minha ansiedade. O que a levou querer escrever esse livro e como foi o seu processo de escrita?
FL: Escrevendo o meu artigo científico para o TCC da faculdade sobre “A influência das mídias no processo de formação da subjetividade” tive alguns insights. Uns pensamentos que tinham urgência de serem colocados em palavras escritas. Após um ano, comecei a escrever. Mas não foi uma escrita contínua, vários hiatos surgiram. Organizando as minhas ideias a partir de estudos, surgiu a compreensão do constructo que causa e mantém a ansiedade. Confesso que senti ansiedade ao falar de ansiedade. E pensei diversas vezes em não publicar. Contudo, acredito que a escrita foi resoluta, breve e objetiva. Atravessando o científico para o lírico.
AL: No livro você diz que a ansiedade se tornou sinônimo de patologia, de sofrimento e de um mal comum. De fato, muita gente se diz ansiosa nos dias de hoje. Mas você faz uma distinção entre dois tipos de ansiedade e que um dele é até natural. Quais são esses dois tipos? Você acha que as pessoas os confundem ao ponto de supervalorizar uma situação?
FL: A ansiedade é uma emoção como o medo, a raiva e a tristeza. Seria impossível evitá-la, pois consiste numa reação humana inerente. Ela se manifesta em inúmeras situações durante o nosso cotidiano. Seja movida por um desejo de saber um resultado ou que algo tão esperado aconteça. Seja pelo medo e receio de não conseguir ser bom o suficiente ao desempenhar algum papel. A ansiedade faz parte do estar vivendo e isso é completamente normal. Nela tem afeto, portanto tem significado. A ansiedade patológica – Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) – já é constituída por excessos, na qual a pessoa não consegue identificar facilmente os reais motivos. Seria como se o botão de alerta tivesse sido apertado e ficasse emperrado ali. Como se os sintomas de sudorese, frequência cardíaca e pensamentos acelerados, respiração alterada, tônus muscular enrijecido, fadiga, inquietude e, até em alguns casos, alergias pelo corpo não cessarem, causando uma exaustão mental na pessoa. Certamente, as pessoas confundem, acreditando que em qualquer situação na qual se sintam ansiosas, necessariamente, seja um problema e algo que não deveria ocorrer. Suprimir emoções pode ser um risco, uma vez que elas existem com o propósito de expressar nossas reações internas. É importante examinar o que sentimos e o que causa tais sentimentos. Mas não tentar afogá-los. Pois este equívoco nos deixaria no escuro sem saber o que aquela emoção estaria nos comunicando sobre nós mesmos.
AL: Você também faz uma menção às redes sociais. Como e por que elas contribuem para o desenvolvimento da ansiedade?
FL: Para Soren Kierkegaard ”A raiz da infelicidade humana está na comparação”. E o que mais as pessoas fazem nas redes sociais a não ser se comparar? A fantasia das redes sociais: o mundo perfeito e mágico, onde todos são sempre bonitos, ricos e felizes e nunca têm problemas. Esta invenção ilusória em que é mais importante parecer do que realmente ser, provoca nas pessoas sentimentos de que elas nunca são boas o suficiente em nada que propõem a fazer. Porque sempre há um perfil com alguém que se destaca mais e faz melhor. Criamos crenças a partir de uma tela, desprezando nossas potencialidades e superestimando quem nem conhecemos. Tendemos a não saber mais dissociar o que real e sólido do que é virtual e postiço. A ansiedade iminente se configura na sensação de que estamos sempre para trás e que há uma urgência em ser feliz. A dicotomia geradora de angústia se instala no fato de que as redes sociais são espaços de pessoas completas em todas as esferas. Em contrapartida, o ser humano real é um ser faltoso que é acompanhado por um vazio existencial impreenchível.
AL: Há uma expressão muito interessante em seu livro; você fala na “coisificação das pessoas”. O que seria essa coisificação?
FL: Coisificação consiste na forma como a sociedade está tratando as suas relações interpessoais. Assim como os objetos são facilmente substituídos, pois já é previsto um prazo de validade e o novo sempre tem um espaço de destaque, as relações também se mantem num formato semelhante. Uma vez que nada foi feito para durar. As pessoas são tratadas como coisas. Hoje é supervalorizada. Amanhã está no esquecimento. O conserto, a remediação e o zelo estão no campo arcaico, desatualizado.
AL: Em uma parte do livro, você se refere à ansiedade como um mecanismo de alerta. Pode-se pensar, assim, em um lado positivo da ansiedade?
FL: A ansiedade não existe como carrasco para nos fazer sofrer. Certamente, ela se configura como um sinal vermelho para demonstrar que algo não está bem. Pensando assim, pode-se considerar como um viés positivo. E se alcançássemos a maturidade de em vez de calar a ansiedade, olhássemos para dentro para se perceber e se conhecer. Descobriríamos um tanto sobre nós. O autoconhecimento é o maior poder que podemos ter: saber o que nos afeta, o que nos move, o que é indiferente e o que nos transcende.
AL: Com tudo isso exposto, você é otimista em relação a essa questão?
FL: Acredito que irá chegar um momento em que estaremos exauridos de procurar tantos recursos para suprimir a ansiedade. Quando percebermos que não adianta fugir, mas que a resposta é encarar. Penso que o olhar diante à ansiedade mudará. Não será mais “O que vou fazer para ficar menos ansioso?” a indagação será mais próxima de “O que essa ansiedade está comunicando comigo?”. Afinal, todas as emoções estão falando algo para nós, só precisamos querer ouvir e entender. Porém, olhar para dentro não é fácil.
AL: Fabiene, eu não poderia deixar de finalizar com a pergunta que vou fazer agora. O fato é que a sua história é muito ligada à história da Árvore das Letras e vice versa. Você fez parte da primeira turma da Árvore em 2014, ficando até 2016. Na verdade, vocês construíram esse trabalho e eu tenho comigo uma gratidão eterna. Como foi esse momento da sua vida? O que ele representou e até representa, uma vez que essa ligação continua presente?
FL: Participar do curso Árvore das letras foi um marco para mim. Posso dizer com toda veemência que a passagem por esse grupo me atravessou de tal maneira que eu me transformei, me aprimorei quanto ser. A adolescência sempre é uma fase difícil, de transição e descoberta, apesar disso, eu tive a dádiva de ter um lugar onde eu me sentia acolhida e pertencida. Durante nossos encontros, por diversas vezes, aquele espaço assumiu um caráter terapêutico e reconfortante. Éramos jovens cheios de sonhos e medos, mas Leandro e Geane nunca ceifaram nossos almejos e idealizações. Pelo contrário. Eles nutriam cada um de nós com esperança e afeto. As minhas energias se renovavam toda semana. Eu sabia que naquele lugar, poderia assumir a minha forma mais autêntica. As minhas melhores lições não diz respeito na construção semântica de frases. Tem mais haver com determinação, persistência e um toque mágico (em tudo que eu me propuser a fazer, que eu possa deixar um pouco de mim). Essa lição eu aprendi nas entrelinhas! Sendo assim, Árvores das Letras representa a minha formação de personalidade e a minha casa. E esta casa, se trata de pessoas.
AL: Você será empossada em breve como membra correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni – ALTO. Futuramente, quando alguém reler ou ler essa entrevista, você já será uma confreira da Academia. O que isso representa para você?
FL: Ser membra da Academia de Letras significa a confirmação dos meus anseios. A minha tendência afetuosa pela literatura me acompanha no meu desenvolvimento pessoal e profissional. Acredito que pessoas que leem, abraçam o conhecimento seja qual for e tornam-se pessoas melhores. Os livros são remédios e a escrita é o passaporte para a liberdade de ser quem é. Uma vez, Clarice Lispector disse que escrevia como se fosse para salvar a vida de alguém, que provavelmente seria a dela. Sendo membra da Academia tenho um papel especial de contribuir para que o legado deixado pelos escritores seja disseminado. E que as pessoas possam ter a oportunidade de se deleitar na leitura, e por que não, se salvar?
AL: Bem, estamos chegando ao fim da nossa conversa. Muito obrigado pela confiança e pela presença de sempre aqui na Árvore das Letras, esse espaço que também sempre foi seu. Como as pessoas podem adquirir o seu livro e também entrar em contato com você para saber sobre os atendimentos?
FL: As pessoas podem adquirir o e-book Perdoe-me pela minha ansiedade e entrar em contato comigo para mais informações sobre os atendimentos e agendamentos através do link na minha bio do instagram@psifabie.
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O blog da Árvore das Letras é um espaço de literatura de identidade própria, organizado pelo escritor Leandro Bertoldo Silva. Acompanhe todos os domingos e quartas-feiras entrevistas, poesias, crônicas autorais e de colaboradores e demais conteúdos literários e arte da encadernação e produção sustentável de livros.
Quem nunca ouviu as marchinhas de Carnaval? Você certamente já as ouviu muitas vezes, e muitas delas podem ter feito parte da sua história. Ah, quantos casamentos, quantas aventuras! O Carnaval é uma festa popular de movimentar milhões de pessoas e milhões de corações!
Mas garanto que você nunca teve contato com as marchinhas da forma que aqui vai, em haicais, pequenos poemas de 3 versos e 17 sílabas poéticas e/ou gramaticais .
A poesia já está nas letras das músicas que você conhece, mas quando lapidadas pelo olhar brincante e pela brilhante criatividade de Pierre André, um verdadeiro contador de histórias, escritor e haicaísta, as marchinhas ganham um novo lugar, não só na escuta, mas também na leitura. É o que irá encontrar na sequência nos belíssimos versos dos Haicais do Pi.
Viva o Carnaval!
Oh, tanto riso, Oh, quanta alegria Quantos palhaços
Muito mais de mil Espalhados no salão Cheios de confetes
Mas o Arlequim Por causa da Colombina, Está chorando
Pelo seu amor No meio da multidão Ah, Colombina
Já faz um ano Foi bom te ver outra vez Bom e mágico
Ano passado No carnaval que passou Está lembrada?
Sou o Pierrô Aquele que te abraçou Que te beijou
Lembro, meu amor, Dessa máscara negra Parece a mesma
Que tenta esconder Esse seu lindo rosto Mas não consegue
Essa saudade… Que tal darmos um jeito Agora mesmo?
Não me leve a mal Vou beijar-te agora Hoje é carnaval
Quem parte leva Leva saudades de alguém Que fica triste
Chorando de dor Só pensando no amor Que partiu, se foi
Não quero lembrar do meu grande amor De quando partiu
Ai, ai, ai, ai, ai… Tenho que ir embora Está na hora
O dia já vem Sol raiando, meu bem Eu tenho que ir
Ai, ai, ai, ai, ai… Tenho que ir embora Está na hora
Mamãe, eu quero Mamãe, eu quero mamar Dá a chupeta
Dá a chupeta Para o bebê não chorar Mamãe, eu quero
Dá a chupeta Ma-ma-mamãe, eu quero Mamãe, eu quero
Dorme, filhinho Filhinho do meu coração Quer mamadeira?
Entra no cordão Pega a mamadeira Anda depressa
Tenho uma irmã O nome dela é Ana E pisca muito
De tanto piscar Ficou sem a pestana Pode acreditar
Eu quero mamar Ma-ma-mamãe, eu quero Dá a chupeta
Olho as pequenas Mas é daquele jeito Dá pra imaginar?
E tenho pena Não ser criança de peito Pois é, não sou não
Tenho uma irmã Ela é da bossa nova E é fenomenal
Mas o marido Eu nem queria falar Ele é um boçal
Mamãe, eu quero Ma-ma-mamãe, eu quero Eu quero mamar
Dá a chupeta Para o bebê não chorar Mamãe, eu quero
Allah-la-ô, ô-ô-ô Mas que calo, ô-ô-ô Allah-la-ô, ô-ô-ô
Atravessamos O deserto do Saara Sol tava quente
Mas muito quente E queimou a nossa cara Cadê o protetor?
Allah-la-ô, ô-ô-ô Mas que calor, ô-ô-ô Allah-la-ô, ô-ô-ô
Lá do Egito É de onde viemos Oh, lugar longe
E muitas vezes Nós tivemos que rezar Allah, bom Allah
Oh, meu bom Allah Mande água pro Ioiô Mande, por favor
Oh, meu bom Allah Mande água pra Iaiá Por favor, mande
Allah-la-ô, ô-ô-ô Mas que calor, ô-ô-ô Allah-la-ô, ô-ô-ô.
Tá pensando o quê? Que cachaça é água? Cê tá é doido
Preste atenção Cachaça não é água, não Onde já se viu?
Cachaça da boa Vem lá do alambique Tá entendendo?
Agora, a água Ela vem do ribeirão Não confunda mais
Pode me faltar De tudo nessa vida Arroz, feijão e pão
Pode me faltar, Que não vai me fazer falta, Até manteiga
Pode me faltar Sério, até o amor Acho até graça
Mas eu imploro, A danada da cachaça Não deixe faltar
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* Pierre André é contador de histórias, escritor e haicaísta. Criador de um estilo brincante, se diverte e nos diverte com seus versos inspirados no cotidiano, na literatura, na música e nas artes em geral. É integrante da Turma Manoel de Barros, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, um encontro online semanal de leitura e produção literária. Você também pode participar. Saiba mais AQUI.
Sou filho de um de um camponês. Mas nada tenho para comer. Quem está farto de comida é o filho do Burguês.
Sou filho de um pescador. Da pesca nada vejo, nada como. Do fiscal apanho purrete e sinto dor.
Sou filho de um professor. Sei ler e escrever e falar. Mas quem manda em todos que saber ler e escrever é o opressor.
Sou filho de um operário. Trabalho duro para a minha terra, para os meus pais. Mas do trabalho não vejo salário . E assim está a minha terra sem paz.
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* António Alexandre é de Angola e é correspondente literário da Árvore das Letras.
A Quarta Literária é uma ação da árvore das Letras de fomento à literatura independente.
Você também pode ser um correspondente literário. Participe da Vivência Novos Autores, um encontro on-line semanal de leitura e produção literária. Saiba mais AQUI.
Acordei cedo. Aquela sexta-feira haveria de ser diferente. Já em minha caminhada matinal fui absorvendo as boas energias daquele dia ao pressentir encontros e abraços antigos e a alegria comovente dos novos. Era o dia do reencontro. Mais a tarde seria o retorno da turma Lygia Bojunga, a reunião semanal de leitura com as crianças.
Não por acaso, o nome da turma ser exatamente da autora do livro A Bolsa Amarela, onde Raquel guardava todas as suas vontades e personagens inventados que iam crescendo, crescendo até a bolsa engordar. A turma, antes com Beatriz, Isabelle e Lorenzo, passou a ter a companhia de Júlia, Lara e Gabriela.
Preparamos, eu e Geane, tudo com muita calma, a sala, os livros, o violão para a nossa receptividade e relaxamento inicial, o tapete para as crianças se sentarem, os jogos associados às histórias e, claro, muito, muito carinho e alegria para que elas pudessem absorver e verdade daquele lugar de um modo diferente.
Talvez a nossa pretensão seja romântica demais. Talvez seja exagerada ou até louca para os dias de hoje. Não importa. Tudo o que desejamos é perceber as crianças enxergarem a leitura como um divertimento, como algo que vale a pena se debruçar, como um gosto do mais delicioso doce sem exagerar no açúcar e poder ser degustada sem moderação, uma amiga, uma companheira com as páginas sempre disponíveis a levá-las a um mundo mágico a fazer toda a diferença em seus futuros. Já nos damos por satisfeitos.
Bem-vindas, crianças! Era uma vez… Uma nova jornada já vai começar.
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É isso que acontece quando crianças descobrem a leitura e como ela é a coisa mais divertida do mundo. É preciso proporcionar outra forma de se relacionar com os livros e com as histórias… Acredite, isso é possível!