
Neste ano de 2024, a Árvore das Letras estará trazendo mensalmente entrevistas com pessoas e personalidades reais da vida em diversas áreas do conhecimento e da arte, como a literatura, contação de histórias, psicologia, filosofia, pedagogia e outras tão importantes para o desenvolvimento humano. O diferencial e, ao mesmo tempo, o grande prazer e por que não dizer orgulho, é que todas as entrevistas serão com gente da gente, ou seja, pessoas que estão a passar ou passaram pela Árvore das Letras deixando suas presenças nessa verdadeira troca de talentos, conhecimentos e carinhos.
Para abrir mais esse grande momento da existência desse espaço, a Árvore das Letras conversou com Paulo Cezar Santos Ventura, poeta, cronista e contista. Professor aposentado do CEFETMG, é graduado em Física pela USP-São Carlos e Doutor em Ciências da Comunicação e Informação pela Universidade de Bourgogne, em Dijon, França. Enquanto professor e pesquisador, orientou mais de 1000 projetos de Engenharia e Educação em nível de graduação, pós-graduação e mestrado. Além de leitor e escritor apaixonado pela obra de João Guimarães Rosa, que o inspirou nos “Haicais do Riobaldo”, Paulo Cezar Santos Ventura é membro da Academia Novalimense de Letras, da cidade de Nova Lima, onde reside. Seu mais novo livro é “Maturidade amores e dores ao envelhecer”, publicado pela Biblio editora e apoio cultural da Rolimã editora.
Árvore das Letras: Quem é Paulo Cezar S. Ventura por ele mesmo?
Paulo Cezar S. Ventura: Pensava ser um camaleão mutante, de tantas mudanças pelas quais passei durante minha vida. Hoje sei que essas mudanças são naturais, mesmo diferenciando-me por isso, pois muitas pessoas nunca mudam. Cresci menino de interior, desde cedo trabalhei na lavoura, criei calos definitivos de tanto capinar. Mas estudei muito na vida, sou leitor desde muito cedo, e aos quinze anos comecei a escrever poesia. Li um poema em uma enciclopédia e pensei que também poderia fazer isso. Comecei e nunca mais parei. Uma de minhas características é ser muito observador do que se passa em meu entorno e aprender com isso. Outra é ser bem humorado. Meu slogan é “sou feliz por opção e bem humorado por obrigação”. Sempre pensei que um olhar nos olhos dos outros, um aperto de mão afetuoso e um sorriso são atitudes inesperadas e que podem surpreender os interlocutores e abrir caminhos importantes em sua vida. Uso isso o tempo todo.
AL: Você sempre teve inclinação para a escrita? Conte um pouco da sua trajetória na literatura.
PCSV: Sempre gostei de escrever, era um hobby importante. Mas nunca encarei a escrita como profissão antes. Precisava trabalhar para meu sustento desde muito cedo e mais tarde para sustentar uma família. Fui ser professor. No entanto, eu tinha em mente a ideia de que um dia seria escritor. Que escrever era uma necessidade, publicar era um sonho. Meus textos acadêmicos sempre foram considerados de ótima qualidade, minha tese de doutorado foi elogiada como um relatório de pesquisa de alto nível, e exigia que meus alunos escrevessem com qualidade, com boa legibilidade. Participei de alguns concursos literários sem grandes chances e sem ter um trabalho no qual pudesse acreditar. Mas o germe da escrita estava presente em tudo que eu fazia e ela vinha naturalmente. Em 2008 escrevi, durante um ano, uma série de poemas que viriam a ser meu primeiro livro, Mistérios de Marte, publicado de forma independente em 2015. A partir daí não parei mais de escrever. Muitos de meus poemas e crônicas foram publicados em Antologias e Coletâneas, mais de 10. Em 2017 publiquei o livro infantil Zorro, pela Rolimã Editora, sobre um cachorrinho e suas peraltices em seu quintal. Depois veio Haicais do Riobaldo, publicado em 2022 pela Literíssima Editora. Em seguida veio Encontro das Improbabilidades, em 2023, pela Árvore das Letras, uma edição limitada que será republicado em 2024 pela Rolimã Editora. Recentemente, em dezembro de 2023, publiquei Maturidade: Amores e Dores ao Envelhecer, um livro de crônicas sobre o processo de amadurecimento sob um ponto de vista bem pessoal. Publiquei também na Amazon KDP, que pode ser baixado e lido em tela de celular ou computador mais dois livros de poemas: um se chama Felicidade Ficção do Futuro, o outro é um livro de poemas eróticos com o título de Cinquenta Cores de Mulher. Terei ainda outras publicações em 2024, que estão a caminho.
AL: Você também é Físico e construiu toda uma carreira como professor e orientador de mestrado e doutorado, ministrando palestras e viajando para fora do país. Como você “se distribui” entre a Física e a Literatura? Como uma complementa a outra?
PCSV: Durante o tempo em que atuei como professor eu escrevia muito, principalmente poesia e crônicas, mas não tinha um método pessoal de escrita e publicava apenas em blogues (https://poesiasparabeber.blogspot.com/ e https://cronicasdamaturidade.blogspot.com/). Passei a escrever com a pretensão de me tornar um escritor apenas ao final de minha carreira de professor, pouco antes da aposentadoria. E aí fui estudar para isso. No entanto, o que aprendi com cursos sobre criatividade dos quais participei, é que o processo de criação na Ciência e na Tecnologia não difere do processo de criação nas Artes, entre elas, a Literatura. Criamos a partir dos questionamentos que fazemos diante das possibilidades da vida e na resolução dos problemas que nos surgem cotidianamente. Nem é uma questão de complementaridade. Criar exige um repertório de conhecimento, imaginação e avaliação constante daquilo que estamos realizando.
AL: Para você, qual a responsabilidade do escritor diante da realidade do nosso país? O que o preocupa?
PCSV: A responsabilidade do escritor é a mesma de qualquer profissional neste país. Trabalhar com ética e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país, para a democracia, para a igualdade de condições de desenvolvimento pessoal e diminuição das desigualdades sociais.
AL: Essa atitude de falar sobre questões do seu tempo, remonta ao Romantismo. Castro Alves fazia isso ao proclamar a respeito da liberdade dos escravos, o que demonstra uma participação social muito grande do escritor. Como você vê o engajamento social do escritor de hoje? Ele existe?
PCSV: Acredito ser a mesma coisa em todas as profissões. Alguns profissionais são altamente engajados socialmente, outros não e só produzem pensando em ganhos pessoais. Evidentemente que os ganhos pessoais são muito importantes. Quero ser valorizado e reconhecido como escritor, mas pensar em soluções coletivas para a nossa sociedade também é muito importante. Quando escrevemos uma ficção nossos personagens são representativos da sociedade no momento; quando escrevemos um poema também registramos emoções que se conectam com o que acontece na realidade. Isso é escrever sobre temas que se perpetuam.

AL: Escrever é algo diferente para cada escritor/escritora. Para alguns, curiosamente, é árduo, insano, torturante; para outros é altamente prazeroso. Para você, como é? Você tem algum ritual? Por que você escreve?
PCSV: A escrita, para mim, é prazerosa e, ao mesmo tempo, árdua. Escrever exige foco, concentração, treinamento, muita leitura, conhecimento, etc. É trabalho. Não acredito em dom. Escrevo porque treinei muito, dediquei muito, estudei muito. É muito mais trabalho que inspiração. A escrita, para mim, é uma necessidade. O dia que não escrevo sinto falta de alguma coisa. É como se tivesse uma tarefa a realizar e não a concretizei. E finalizar um texto é altamente gratificante.
AL: Mia Couto, um escritor moçambicano, diz que os escritores nascem de outros escritores. Isso nos leva a crer em pais escritores e mães escritoras. Quem são os seus pais literários?
PCSV: Temos muitos pais e mães literários, alguns definitivos outros temporários. Eu bebi nas fontes de Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Thiago de Melo, Lima Barreto, Machado de Assis, Paulo Leminsk, Ferreira Goulart, Augusto de Campos, Rainer Maria Rilker, Konstantino Kaváfis, para citar uns mais antigos. Mais recentemente me inspirei em José Saramago, Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Mário Faustino, Fernado Pessoa, Mia Couto. Como sou muito ligado ao cinema, os grandes diretores de filmes de arte sempre me inspiraram também. Bem como grandes músicos e letristas. Tenho certeza que estou deixando de citar muitos outros, principalmente estrangeiros.
AL: Fale um pouco sobre os seus livros. Embora a pergunta a seguir para um escritor possa ser perturbadora, mas há algum preferido?
PCSV: Realmente eu gosto de todos, mas os preferidos são sempre os últimos. Assim, cito Haicais do Riobaldo, Maturidade: Amores e Dores ao Envelhecer e Cinquenta Cores de Mulher. Estou trabalhando em novos livros com muito afinco e prazer. Tem alguns de poemas para breve e a reedição de Encontro das Improbabilidades, que espero publicar em março.
AL: Vamos falar sobre o seu mais recente livro publicado: “Maturidade: amores e dores ao envelhecer”. O que o levou a escrevê-lo e como foi o seu processo de escrita?
PCSV: Os tempos de pandemia me trouxeram muitas reflexões sobre o processo de envelhecimento. Nos primeiros momentos da Covid-19, os principais casos de hospitalização e mortes atingiam as pessoas idosas. Eu, hoje com 70 anos, fui infectado e por uns 30 dias vivi a preocupação com a infecção. Felizmente não fui hospitalizado e a virose passou sem me deixar sequelas físicas, apenas psíquicas. E uma das questões que me vieram à cabeça era: o que ainda tenho a perder? Comecei, então, a refletir sobre perdas e ganhos acumulados em nossa vida e aquelas que ainda virão no futuro. Como resultado dessas reflexões fiz um inventário sobre quais são meus principais patrimônios imateriais. Mesmo sabendo que as perdas desses patrimônios são irreversíveis, outra pergunta era: o que fazer para adiá-las o máximo possível? É sobre isso que trata o livro, quais são meus patrimônios e o que fazer e como fazer para não os perder ou, pelo menos, adiar as perdas. Perguntando de outra maneira, como podemos viver longa e saudavelmente nos dias de hoje? A escrita teve início ainda no sossego amedrontado da pandemia e as ideias e os textos, em forma de crônicas, foram se juntando até formar um corpo compacto como foi publicado.
AL: No livro você fala sobre os seus cinco patrimônios? O que são esses patrimônios e como você lida com eles? É possível discorrer resumidamente sobre cada um deles?
PCSV: Os cinco “patrimônios” discorridos no livro são imateriais. São aquisições reunidas durante a vida em função do conhecimento, da maturidade e do trabalho. Representam aquilo que obtive na vida e não quero perdê-los facilmente. Quero que perdurem enquanto eu viver. O primeiro deles é o tempo. Tenho tempo e não quero gastá-lo com veleidades fazendo coisas que não quero e não gosto. Sei que é difícil porque nos relacionamos com as pessoas, então só admito gastar meu tempo com pessoas que são importantes para mim. O segundo tem a ver com meu propósito de vida e com a motivação que tenho para executá-lo com alegria. E meu propósito hoje, que considero uma missão de vida, é escrever histórias que tenham significado para muita gente e as ajude a se transformarem em pessoas melhores. Escrever, publicar e vender minhas histórias é meu propósito. O terceiro patrimônio são os afetos. Quero aumentar o número de afetos e trazer de volta afetos perdidos, aqueles reversíveis. O quarto patrimônio é a saúde financeira. No meu caso é recuperar minha saúde financeira, tão negligenciada em meus anos anteriores. E o quinto é minha sabedoria. Essa ninguém, nem nada nesse mundo, me tiram. Para conversar todos esses patrimônios devo seguir um modo de vida sustentável, dentro desses princípios.
AL: Paulo, você faz parte da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, que é um encontro semanal juntamente com outros autores e autoras e até mesmo aspirantes à escrita. Como foi e está sendo para você essa experiência?
PCSV: Tem sido uma experiência fantástica. Nem sei quantas páginas já escrevi nesses dois anos de experiência com a Árvore das Letras. Porque ela, a Árvore, através da interação entre os participantes, nos trás temas para a exploração da criatividade e para a discussão entre os escritores do grupo. E o mais importante para os meus “patrimônios”: ganhei novos afetos, novos amigos que entraram para a minha lista de amigos imperdíveis.
AL: Ler é…
PCSV: Primordial para o aumento de nosso repertório linguístico tão necessário à nossa criatividade. Ler abre as cortinas das janelas e portas que nos permitem entrar em outros mundos, imaginários ou reais. É a leitura a ferramenta mais importante para a aquisição e manutenção do patrimônio “sabedoria”.
AL: Escrever é…
PCSV: Uma necessidade fisiológica, como comer e beber. As quatro necessidades básicas do ser humano são: viver, amar e ser amado, aprender e deixar um legado. Ler e escrever são atividades importantes para o atendimento dessas quatro necessidades.
AL: Ser escritor hoje no Brasil significa…
PCSV: Significa trabalhar duro, muita transpiração para cada inspiração. Significa garimpar leitores com bateias gigantes, significa ensinar a ler primeiro para depois apresentar seu livro, significa correr muitos riscos de se expor e não ter o retorno almejado, significa batalhar muito para mudar este quadro. O número de leitores, no Brasil, tem até aumentado, mas a qualidade da leitura ainda está muito aquém da desejada e necessária.
AL: Paulo, muito obrigado por sua presença aqui nesse espaço. Como as pessoas podem entrar em contato com você, comprar os seus livros, convidá-lo para eventos?
PCSV: Além dos comentários nos blogues colocados acima e também no site www.paulocezarsventura.com, pode ser também através do Instagram @paulocezarsventura bem como @rolimaeditora, do WhatsApp 31-995722702, e através do e-mail pcventura@gmail.com. Estou disponível para palestras e conversas com leitores principalmente nas escolas.
Descubra mais sobre Por uma literatura de identidade própria - Escrever é costurar ideias com as mãos
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Uau! Que início de domingo fantástico!
Acabei de pedir o livro e já me apaixonei. Parabéns Paulo !
Parabéns Árvore das Letras!
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Obrigado, Luzia, pela leitura!
Você irá se apaixonar ainda mais 🙂
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Parabéns, Leandro, por está entrevista maravilhosa…quanto ensinamento, quanto aprendizado!!! Quanto saber!!
Obrigada por nós proporcionar tanto ….
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