Por Kafala Tibah

Por Kafala Tibah *
(Luanda)
Mbombô era uma jovem linda, que “arrasava” com a sua beleza interior e exterior, toda e qualquer mulher de Icolo e Bengo. Era muito querida por muita gente da comuna em que nascera Mazozo, mas em particular pelo Tony Feijó, ponta de lança e marcador de golos do Clube Desportivo “Os Bebês da Kasoneka”. Kasoneka era outra comuna de Icolo e Bengo, o municipio de onde partiram muitos heróis do 4 de Fevereiro de 1961 (início da luta armada contra o colonialismo português).
Bastante preservada que era nunca deu oportunidades a este rapaz que “driblava” bem a bola, nos variados campos daquela heróica terra, o Icolo e Bengo.
Por ser muito séria, era muito invejada por muitas moças da sua comuna e de outras. Chamavam-lhe de menina “Sleta”.
-Mbombô, de uma arquitectura de cobiçar, de cintura estreita, ancas avantajadas, desenhando uma linda guitarra, olhos grandes e redondos que por inveja as outras meninas daquela sanzala e outras a apelidavam de olhos de repolho, eram de facto uma (brasa). Aqueles lindos olhos atraíam os homens de Mazozo, Kasoneka, Kaxikane, Anduri, Ubulutu (Bom-Jesus), Inácio, Domingos João, Kalomboloka, Mbanza Malambo e não só. O seu olhar transmitia mensagens difíceis de decifrar.
No início do ano 1973, Mbombô de 17 anos, filha de pai guerrilheiro, recebeu a orientação para se dirigir a Luanda (capital de Angola) a fim de cumprir algumas missões do movimento de libertação a que pertencia seu pai. Apanhou o autocarro da empresa de transportes Fernandes & Filhos em Mazozo, desceu de fronte ao Cemitério Santa Ana, na estrada de Katete, onde era esperada por Rui de Carvalho, sobrinha do enfermeiro Mendes de Carvalho (Wa Nhenga Xitu, nacionalista da clandestinidade), e dirigiram-se à casa de seu tio que vivia em uma das ruas por detrás daquele campo santo, junto do Campo do Kubaza para receber as instruções que lhe recomendara o velho Domingos Kafala-(Velho Kafala) em Mazozo, “o cirurgião peniano”; assim era designado no município, pois circuncisou gerações e gerações do Icolo e Bengo.
Em casa de seu tio, o mais velho Noé Gaspar, Mbombô recebeu as instruções, e o pseudónimo de guerra “Pombinha Branca”, o qual devia ser usado a partir daquele momento nos contactos com os membros da luta da clandestinidade para a libertação de Angola do jugo colonial fascista português.
Recebera as devidas instruções e saíra para cumpri-las com Rui de Carvalho que recebeu o pseudónimo de guerra Wevu. Wevu era também um jovem da clandestinidade desde os 14 anos e naquela altura já possuia 19. Ele andava em todos os bairros de Luanda cumprindo ordens do movimento de libertação a que pertencia.
Assim, Mbombô conheceu Luanda, de muito viajar para aquela cidade, no cumprimento do dever para a libertação do povo angolano e apaixonou-se (no íntimo) pelo Wevu, numa bela tarde quando esperavam por Maciel da Gama, um militante da clandestinidade que tinha por missão mostrar o caminho para o encontro das células espalhadas naquela cidade pelo movimento de libertação.
No término de autocarros da Mutamba (centro da cidade capital de Angola) surgiram então as primeiras palavras de amor de Rui de Carvalho, pois os olhos dela seduziram-no, porque falavam bem alto a paixão que se manifestava na jovem Mbombô: – Eu “memo” “num” sei mais como dizer, mas… Eu “memo” estou apaixonado por ti! Desculpa mana… Quer dizer… Mas leva só este envelope “né”, pensa bem; o tempo que quiseres e me responde só!… Estou a te pedir muito, “lê só em casa” – dizia Rui de Carvalho que se apercebeu que ela também estava apaixonada por ele e aproveitou a oportunudade para declarar algumas palavras de amor.
Hum! Estás a pedir “muinto”… Você só falou isso agora e uma vez! – dizia Mbombô, sentindo-se valorizada.
– Quer dizer, eu sempre falei para ti no silêncio, mas… Sei que tu sabes jóia linda! Suplicava o jovem Wevu muito sério, dando um toque para endireitar a sua “dizamba”.
– Pombinha Branca franziu o rosto, pois não havia entendido bem a parábola e levou-a como tarefa para casa.
Mbombô sorriu, girou os olhos, com um sorriso ambíguo e fechado, olhou para ele debaixo para cima e disse para o Rui- linda balalaika! – está bem, vou ler e!… Não sei, espera!… Dizia a menina dos olhos redondos, olhando curiosamente no envelope dizendo em seu coraçao: Será que vou lhe dar o sim? Este mesmo me caíu, me “tambulou“ parece boa pessoa, vou perguntar “memo” no “ti” Noé.
Gostei do teu vestido, este tecido “jiloxo” é bem bonito e as pregas estão bem “passadas”. Será que és ciumenta?- dizia o apaixonado Wevu que sorria de mancinho, lambendo os lábios, seu coração papitava aceleradamente e dizia no silêncio “Yá waba mbá”.
– De repente, “kota” Maciel surgiu e antes da hora marcada, saudando usando a senha, “yá kala yá” e os dois responderam em unissono, “yá” (contra senha) e depois de um abraço entregou-lhes alguns documentos do movimento; deu às devidas orientações e o casal retirou-se apanhando o autocarro nº 16 que terminava de fronte a sede do Clube Desportivo Terra Nova, e daí rumar para o Reordenamento do Rangel onde se hospedava em casa de seu tio Bartolomeu Kafala, o velho que na clandestinidade era conhecido pelo nome “Cabeça”.
A menina dos olhos de repolho desceu na paragem do “Kaputu”.
Mbombô atravessou a Avenida Brasil dirigindo-se à rua número 23 do Reordenamento do Rangel e Wevu seguiu viagem até ao término do autocarrro, ali na Terra Nova, junto à sede do Desportivo do mesmo nome.
FIM (da I parte)
SIGNIFICADO DE ALGUMAS PALAVRAS DO TEXTO
Alembamento ou Alambamento– casamento tradicional, para os da tribo kimbundu.
Balalaika– camisa de estilo africano que se usava muito no tempo colonial e possuia uma abertura nos lados e bolsos à frente (estilo goiabeira).
Dizamba– chapéu com aba grande, fabricado de folhas de uma pequena árvore que não dá frutos designado em Angola por a “Mateba”, abundante no norte e sul.
Jiloxo– tecido estampado, de cor azul escuro, muito utilizado no período colonial e estava na moda.
Kaputu– designação em kimbundu que significa pequeno português. Na língua Kimbundu o prefixo “Ka”faz o diminutivo de uma palavra. Putu é o mesmo que português.
Kasoneka– do Kimbundu (Soneka-escrever, ka- faz o diminutivo-radical pré – nominal). Nome atribuido a aquela comuna porque os nascidos nesta praticavam muito a leitura e da escrita, quer dizer assimilavam com muita facilidade tudo.
Kaxikane– comuna do Município de Icolo-e-Bengo, significando – vai-vê-e acredita.
Kimbundu– língua nacional angolana falada, principalmente, nas províncias de Kota – Kimbundu, designação que se dá a um mais velho por respeito- dikota- Grande Kota.
Kubaza– Nome de uma Aldeia do Município de Icolo-e-Bengo. (nome atribuído a um campo pelado do bairro popular).
Mazozo, Kalomboloka, Kasoneka, Kaxikane, Ubuluto-Bom-Jesus, Anduri, Inácio, Domingos João, Mbanza Malambu – comunas do município do Icolo e Bengo em Luanda (capital de Angola).
Mbanza Malambo– do kimbundu (cidade Malambo; Malambo é um nome).
Mbombô– nome atribuído às meninas que nascem depois de gêmeos. De origem Kimbundu– região do Icolo-e-Bengo.
Memo– significa mesmo. Muitos angolanos pronunciam a palavra mesmo sem o s. Linguagem popular.
Muinto– Muito, (muitos angolanos pronuciam muinto em vez de muito). Linguagem popular.
Num– significa não. Muitos angolanos, em vez de não dizem “num”, dependendo da frase. Linguagem popular.
Sleta– adjectivo dado às mulheres com características especais;
Tambulou– do Kimbundu, tambula, do verbo receber em portugues. Palavra já aportuguesada. Línguagem popular.
Ti – diminutivo de tio. Muitos angolanos, em vez de dizerem tio, pronunciam “ti”. Linguagem popular.
Ubulutu– da língua Kimbundu (Bom-Jesus).
Wevu– Em kimbundu, significa ouviste, forma do verbo ouvir, no pretérito perfeito, na 3ª pessoa do singular, indicativo.
Yá waba mbá– Kimbundu (língua nacional angolana), significando está bom, sim! Yá waba- Está bom.
Yá kala yá– é um slogan na língua nacional Kimbundu. (Este slogan foi muito utilizado na luta urbana de libertação nacional, significando está tudo bem)? A resposta é“yá”- significando que sim, está tudo bem.
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* Kafala Tibah é pseudónimo literário de Moisés Kafala Neto, nasceu aos 05 de Dezemro de 1962 em Luanda, onde fez o ensino primário e secundário. É Licenciado em Ciências da Educação pelo ISCED (Instituto Superior de Ciências da Educação) de Luanda, na Opção de Ensino da Matemática. É Mestre em Infomática Educativa, Doutorado em Ciências Pedagógicas, é Perito Forense e foi funcionário sénior do extinto Ministério do Ensino Superior de Angola e também Presidente do Instituo Superior Politécnico Privado do Kilamba- ISPKILAMBA. Actualmente exerce a função de Vice-Presidente para a área Científica do Instituto Superior de Angola.
É amante de literatura e membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola, desde 1989. Tem participação de trabalhos em Revistas Científicas da América Latina e em antologias poéticas. Participou em eventos internacionais sobre a cultura, particularmente no “Fenacult”. Fala fluentemente português, espanhol e kimbundo.
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É um conto rico e estupendo.
Há no conto traços da realidade africana.
Recomenda- se !
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Interessantíssimo e muito rico. Grato pela visita e leitura 🙂
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Parabéns Kafala, por retratar neste conto traços da nossa angolanidade, desde os costumes ( alambamento), ao modo de se expressar dos povos de determinada região do nosso país.
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