EXERCÍCIO CRIATIVO (AINDA SEM TÍTULO)

Por Leandro Bertoldo Silva

Será possível a um personagem sair do livro e manter com o seu autor momentos de conversa acerca da vida, da morte, de questões existenciais? Calma! Não se trata de paranormalidade, muito menos de psicografia. Ora, Xavier, você é um personagem, não uma entidade. Não se pode confundir o fato de ter tido longos colóquios com o fantasma de Aarão Reis – o livro em questão – com fenômenos do espírito aqui onde você é um interlocutor por meio de cartas em diário. Ou de um diário em cartas? Isso ainda veremos. Seja como for, sim, é possível, e trata-se de uma fusão interessante a fazer de nossas conversas momentos de mais puro esquecimento, esses momentos da liberdade da alma em princípio de estado.

Como é doce o não ter que ser. Pensávamos assim, Xavier. Queríamos não ter que ser sempre, entregar-nos a nós mesmos como as flores se entregam ao orvalho sem trocas e sem medos. Sempre tivemos a visão desse encontro, lembra? Ora éramos a flor, ora o orvalho, como ora éramos o escritor, ora o personagem, sem preferências ou escolhas a destruírem os versos existentes “entre o anelo e o suspiro”, como dizia aquela poesia guardada em um naco de memória. Já era noite e toda noite era assim: preparávamos-nos, eu e você, para esquecer, nunca dormir. No esquecimento não há sonhos – essa arrogância do pensamento. Isso já era eu a achar ou você? A essa altura já não sabíamos. Não importa. Calávamos um para o outro no momento exato do esquecimento, fragrância milimétrica de tempo entre o estar acordado e o começar a dormir. Pronto, já foi. O barulho recomeça e o sonho invade os nossos pensamentos.

Boa noite, Xavier. Amanhã voltamos a nos escrever. A partir de agora teremos uma longa conversa.

Xavier de Novais aos 22 anos, época em que mantinha longas conversas com o fantasma de Aarão Reis.

Xavier de Novais nasceu em Belo Horizonte no dia 13 de abril de 1952. Teve uma infância generosa, alternando entre estudar na cidade e passar férias na roça. Brincou na rua, colheu café, andou a cavalo e pegou bicho-de-pé. Seu primeiro trabalho, logo após os primeiros anos da adolescência, foi como segurança de uma livraria, lugar onde o seu gosto pelos livros ganhou contornos expressivos. Lia de tudo, do clássico ao contemporâneo. Sempre teve uma predileção por duas obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes. O momento em que conviveu com o fantasma de Aarão Reis nos encontros na livraria narrados no livro “Histórias de um certo Aarão e outros casos contados – das histórias e lendas de Belo Horizonte recontadas por um segurança que recebia, em seu serviço, a visita ilustre do fantasma de Aarão Reis”  o fez se apaixonar pelas narrativas e acontecimentos, vindo a ingressar, em 1975, no curso de História na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Em 1979, já formado, conseguiu um cargo de professor substituto em uma conceituada escola da capital mineira. Seu sucesso com os alunos foi imediato. Porém, ao receber o convite da direção da escola para se tornar professor titular, Xavier se casa e resolve se mudar com a esposa, com quem vem a ter uma filha, para o Vale do Jequitinhonha em busca de qualidade de vida, deixando para trás as loucuras da cidade grande sem, no entanto, deixar de amá-la. Apenas sente que sua vida pede outras estradas. Na nova cidade de Águas Vermelhas, atua como professor de História em uma escola na qual foi uma das lideranças na sua construção, onde veio a se aposentar. Hoje, aos 71 anos, vive em um sitio na mesma região do Vale. Não colhe mais café. Ao invés disso, navega em um barco a remo em um lago próximo. Continua andar a cavalo, mas sem pegar bicho-de-pé.

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Bem, aqui está o embrião do que pode vir a ser uma história ou até mesmo se tornar um livro. Mas não decidirei isso sozinho, é preciso ter o consentimento de Xavier. Andamos a conversar por meio de cartas que vez ou outra, caso ele autorize, publicarei aqui neste blog. Mas quero pedir a você um grande favor! Suponhamos que ele consinta e que eu resolva deixar público essas conversas em uma obra, qual título você sugeriria?

No mais, obrigado por sua leitura e atenção. Aguardo sua sugestão.

Forte abraço!

Até a próxima.


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