O PREÇO DA MODERNIDADE

Por Leandro Bertoldo Silva

Descobri mais uma função da literatura além de nos salvar de nós mesmos: nos salvar da modernidade! Pelo menos a se tratar de uma aqui, outra ali, ou seja, de todas. Misericórdia! Assim fui eu a mais uma história de ônibus! Já estou a pensar no tamanho dessa coleção. Vamos lá!

Ao me aproximar da rodoviária de Padre Paraíso com destino a Teófilo Otoni, vejo, de longe, uma grande aglomeração. Gestos, falas, algumas mais exaltadas, gritos de absurdo e muita, muita gente sem saber o que fazer. Pela quantidade de pessoas, algo não muito normal para a cidade, ainda mais naquele horário de 15h, tive certeza: tem coisa aí. Não demorou a ver dois viajantes sem direito a embarcar e depois mais um, mais outro e outro mais, inclusive eu, igualmente posto na mesma situação.

— Mas, moço, eu nem tenho passagem ainda!

— Não tem e nem vai ter — disse para mim o atendente com a maior cara de enfado por quem já repetiu o motivo dezenas de vezes: “Não há sinal de internet e sem internet não é possível emitir o ticket de passagem”.

— Como é que é?

Eu tenho que viajar, não posso perder o ônibus, tem gente me esperando, minha mulher vai me matar… Começou a enumerar o atendente todas as objeções ouvidas e ainda repetidas pelas pessoas em minha volta.

— Mas isso é um absurdo!

— Essa é a campeã. Estão me dizendo isso desde ao meio dia.

— Meio dia? Está sem internet desde meio dia?

— Para o senhor ver como estão os meus ouvidos.

— E dentro do ônibus? Não é possível comprar a passagem dentro do ônibus?

— O senhor tem dinheiro?

— Ora, mas é claro! Como o senhor acha que eu compraria a passagem? Com dinheiro!

— De papel? É, porque dentro do ônibus só com dinheiro de papel, porque no cartão não tem conexão…

Foi quando reparei toda aquela gente esbaforida a lançar impropérios com seus cartões na mão. Como é possível? “Cadê o dinheiro que estava aqui”? Não era assim a brincadeira do toucinho com o gato quando éramos crianças? Seja como for, não mais falei nada e fiquei a admirar toda aquela confusão ao constatar o preço da modernidade. Além do toucinho, onde andaria o kichute a fazer às vezes da chuteira nas peladas no campinho de terra? Os álbuns de fotografias, a latinha de quitute com a chavinha para abrir, o radinho de pilhas recarregadas no congelador, o copo sanfonado de plástico fácil de ser transportado e tantas outras coisas sempre a nos atender muito bem? Cogitei seguir viagem de carro. Mas isso também já não era possível! Eu não tenho carro, e seria preciso pegar um taxi, porém os motoristas só viajam pela manhã.

Sem dinheiro de papel, sem carro, sem nada das minhas lembranças e agora também sem celular, pois, ao pegá-lo para avisar às pessoas, sim, a minha esposa também, o acontecido, a bateria acabou…

Aí não teve jeito. O pensamento veio forte! Fosse no tempo das cartas e as passagens emitidas à mão ou até em maquininhas, mas sem internet, nada disso teria acontecido. E ainda há aqueles a dizerem que o mundo de hoje é muito melhor ao do passado! Ah, quanta saudade dos orelhões e dos telefones de discar…

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Muito obrigado mais uma vez por sua leitura. Espero que essa história contribua para a sua nostalgia ou pelo menos para refletir do como a vida, mesmo menos moderna, era mais funcional em muitas coisas… Você lembra de alguma?

Forte abraço!

Até a próxima.


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7 comentários em “O PREÇO DA MODERNIDADE”

  1. Meu amigo ,na próxima viagem Veja se na rodoviária vende aquele pacote de biscoito de polvilho ou misto quente e enquanto espera a internet voltar brinca de telefone sem fio com o pessoal

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  2. Meu marido sempre me lembra de ter na bolsa algum dinheiro “vivo “, papel moeda, sabe. Ele ainda não se entregou completamente a essa modernidade toda e tem toda razão.

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  3. Meu caro amigo, foi o jeito rir. Agora, tudo é culpa do sistema…Rsrs. Antes dessas modernidades, se você precisasse enviar algum recado, ia ao ônibus e pedia ao motorista que estava indo para a cidade onde morava o destinatário do recado. Já fiz isso muito, quando morava em BH. Ia à Rodoviária, o motorista nem pensava. Já pegava e pronto. Bastava que pedisse ao destinatário para ir à rodoviária buscar. Rsrsrs. É até engraçado lembrar disso. Mudou tanto em pouco tempo…Grande abraço.

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  4. Nós e as tive!
    Um conto bastante interessante e quem o ler bem ficará sem dúvidas repleto de emoções e gargalhadas à mistura.
    Cá em Angola presenciei um caso no banco.
    Quando um cara que precisava levantar alguns trocados na conta dele e por não ter um cartão de crédito dirigiu- se ao balcão e funcionário respondeu – lhe que não havia sistema.
    O cara ficou irritado e não queria saber de nada até porque ele não entendia .
    Dizia apenas ” não quero o sistema apenas o meu dinheiro”. Rsrsrs
    Leandro, parabéns pelo conto.

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