O VOO DE COLOMBO

Por Paulo Cezar S. Ventura
pcventura@gmail.com

Desde garoto Colombo gostava de subir qualquer coisa escalável. Com menos de um ano, engatinhando, subiu em uma cadeira à beirada de uma mesa, depois na mesa e chegou à janela. Com grades, ainda bem. Aos dois anos foi pego no alto da cortina da sala, escalou-a como se fosse uma corda. Daí a subir as torres da Cemig, para desespero de sua mãe, foi um pulo, quase literalmente.

Subiu montanhas, escalou falésias, se equilibrou em corda bamba, trabalhou no circo, suas ocupações sempre traziam esse interesse quase obsessivo pelas alturas. Quando foi procurar trabalho obviamente escolheu um que lhe permitia olhar as pessoas de cima, do alto de seu pedestal, como se fossem formigas carregando os jardins para casa, cada um a seu jeito. Ele sempre imaginava que, como pequenas formigas, as pessoas carregavam suas pequenas conquistas para casa e as guardavam como se fungos se tornassem e o bolor consequente os alimentasse ou os entorpecesse.

Não era exatamente a vida que queria. Só lhe faltavam asas para sua transformação em um ser humano da categoria dos himenópteros, ou dos columbídeos, bastando decidir se preferia ser inseto ou ave. Imaginava que seus pais já decidiram por ele. Colombo deve ser uma palavra derivada de columbídeo, pois, em língua francesa “colombe” é aquela ave universal conhecida no Brasil como pombo. Então, por que não voar como uma columbídea? Ou paloma, em língua espanhola? Gostava da expressão “paloma mensajera”, ou pombo-correio.

Em sua maturidade Colombo foi trabalhar na construção civil. Percebeu que suas habilidades alpinísticas o diferenciavam na profissão. Rapidamente subia nas alturas dos prédios em andamento, mesmo carregando um saco de cimento nas costas. Um empregado modelo, preferido pelos mestres de obra. Era querido também pelos colegas, que achavam diferente, um voado, sempre alegre. Tinha uma qualidade rara, intrínseca à sua personalidade: era querido pelas aves. Sempre haviam pássaros em seu entorno. Ele os alimentava, óbvio. Alguns pássaros o acompanhavam de uma obra à outra. Principalmente aquela pomba azul.

Pomba azul? Existe isso? Tal como o cisne negro, a gente pensa que não existem até vermos um. A partir dessa visão, essas raridades passam a nos acompanhar pela vida. Colombo deu até um nome para a pomba azul. Era Colombina. Formavam uma dupla, Colombo e Colombina. Ele até aprendeu a falar arrulhez, para emitir arrulhos tais que a Colombina. Deu certo, pois ela sempre aparecia quando ele começava a arrulhar.

Um dia, a Colombina azul não apareceu o que deixou Colombo preocupado. Não conseguiu trabalhar direito naquele dia. Recebeu com mau humor, raro mau humor, os deboches dos colegas.

— Está solteiro hoje, Colombo? Sua Colombina arrumou outro marido?

Fingiu não ligar, mas seu mutismo não era normal. Estava deveras preocupado. Passou o dia olhando o horizonte, arregalando os olhos na tentativa de ver ao longe se sua ave se aproximava. Nada. O sol já estava no meio de sua descida para se esconder atrás das montanhas distantes, desenhando no céu o pedaço diário de seu analema, quando ela chegou, machucada. Colombo tentou cuidar da bichinha, mas ela se manteve distante, ferida, dolorida.

De repente surgiu uma ave de rapina, um gavião ou um carcará, provavelmente o mesmo que a ferira, e desferiu mais um golpe em suas asas já sangrentas. Colombina tentou voar e caiu das alturas do prédio em construção. Colombo não teve dúvidas. Saltou, sem as asas dos columbídeos ou dos himenópteros. Esqueceu-se deste pequeno detalhe: suas asas eram apenas imaginárias e não suportavam o peso da queda. Morreu na contra mão sob os olhares assustados dos colegas peões da construção. A luz do sol do fim de tarde deu um colorido especial à cena, digna de um Sigaud, quiçá um Portinari, já que os dois eram amigos. De místico, virou música, do Buarque, que não sabia dessa Colombina, apenas de outra, da Noite dos Mascarados.


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