FOI LÁ NA VENDA DO SEU LIDIRICO

Por Leandro Bertoldo Silva

“Foi lá na venda do Seu Lidirico…
tem de tudo e cada coisa que tem eu explico…”

Foi lá na Venda do Seu Lidirico que eu conheci em 2018 uma das lendas, agora não viva pelos lados de cá, mas pelos lados de lá, da nossa história: Lidirico José de Almeida, o Seu Lidirico. Atleticano, nascido em Novo Cruzeiro (hã?!), no ano de 1927, chegou na cidade de Araçuaí, no Norte de Minas Gerais, em meados da década de 40 e, como ele mesmo me disse, se voltou a sua cidade de cinco a seis vezes ao longo de todos esses anos foi muito. Desde então, ele mantinha um dos pontos comerciais mais tradicionais do lugar: a Venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico”… E como explicava…

Sentado em uma cadeira simples de bar ao lado da neta atrás do balcão, Seu Lidirico chegou a levantar quando nos viu – eu, minha esposa, minha filha, minha sogra e meu sogro Gelson Pinheiro, outra lenda viva da nossa história que merece capítulo especial.

Tínhamos ido de Padre Paraíso a Araçuaí para conhecermos dois lugares muito comentados: uma “flor e cultura”, que não floresce apenas flores e transpira cultura, como tudo naquela cidade, e… a Venda do Seu Lidirico.

A floricultura era o primeiro destino. Por isso, Seu Lidirico sentou-se pacientemente como se soubesse que o melhor sempre fica por último, afinal o apressado come cru, como diz o bom mineiro. Acenei para ele como quem falasse “estou indo aí” e podia ver as histórias e causos se ajeitando em sua cabeça para serem contados, como se já não tivessem sido centenas de vezes…

A conversa de mineiro de que um lugar fica bem pertinho um do outro, “bem ali”, esticando o beiço, nesse caso era verdade. Era só atravessar a rua. Quem vai em um tem que ir no outro. E Seu Lidirico estava lá nos esperando certo da nossa visita.

Nunca havia conhecido uma celebridade de verdade, porque as falsas se acham; as verdadeiras acham as pessoas, no carinho das mãos que recebem, no afeto do aperto que sentimos na verdade do coração como uma ponte que liga pessoas. Foi assim, nesse bem-querer, que fomos recebidos por Seu Lidirico e sua esposa, Dona Iaiá, chamada por sua neta a pedido dele.

Não sabíamos para quem olhar. Os casos se misturavam e se completavam sempre com precisão de datas e uma memória invejável de quem a própria história pedia licença. O início da venda, as primeiras casas da rua, os únicos dez carros da cidade, se muito, quando chegaram, a data do casamento (1948), o número de filhos – quinze no total – e os mais de 30 netos somando, ao todo, 98 pessoas vivas, excetuando uma nora que morreu intoxicada na fazenda – “só morreu essa nora nesses anos todos”, explicava Seu Lidirico, eram algumas das muitas histórias que se sucediam.

Esses e outros causos, até a partida do Atlético contra o São Paulo na noite anterior vencida pelo time mineiro com gol contra, eram contados, comentados e explicados enquanto apresentava as famosas cachaças produzidas por um dos filhos na região que, claro, provamos, eu e meu sogro, e levamos dois litros, enquanto Dona Iaiá dividia a conversa entre o engarrafar outros dois litros de cloro para a venda e as fotos tiradas sempre atrás do balcão, como se aquela amizade nascente já fosse antiga.

Fico feliz em encontrar pessoas assim em que a simplicidade é verdadeira e que a história também se faz espontânea na hora, sabendo que está sendo escrita e conhecida não apenas nas páginas dos livros, mas ali, ao vivo, porque se tem um lugar que tem história para contar é mesmo lá na Venda do Seu Lidirico.

Para que possam conhecer mais do que tem na Venda do Seu Lidirico, passa lá, é bem ali… Pertinpertin, um tirin de bala de bodoque, no Norte de Minas Gerais, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Mas se não der para ir, se avexe não, como dizem por lá, ouça abaixo a música, pois até música feita por Miltinho Edilberto e Xangai, apresentada no programa Sr. Brasil, do Rolando Boldrim (outra lenda), Seu Lidirico tem, afinal, é a venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico…”. E ele também! E como explicava…

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Existem histórias que é preciso contar e recontar. Essa já esteve por aqui, logo quando eu conheci o Seu Lidirico em 2018. Mas republico em homenagem a essa lenda que nos deixou em 17 de junho de 2023 e que eu tive o prazer de conhecer e prosear.

Vai com Deus, Seu Lidirico!

Forte abraço!

Até a próxima.


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9 comentários em “FOI LÁ NA VENDA DO SEU LIDIRICO”

  1. Ahh meu amigo irmão Leandro!!! Você mexeu com minhas emoções!!! Se eu te falar que em Itabirito também tem uma Mercearia chamada Paraopeba que já atravessa um século e meio e é bem assim!!! Tem de tudo!!! Tudim mesmo! E o nosso saudoso, querido e amado Juca, deu seguimento à venda de seu pai. Já passa hoje por 4 gerações e segue preservando essa identidade do Seu Lidirico daí!!! Isso tudo faz parte dessa nossa riqueza mineira, brasileira que nos encanta e encanta a todos os turistas do mundo inteiro. O Juca também nos deixou e assim como o Seu Lidirico deixou saudades eternas e também a sua mercearia virou música! Olha como temos histórias em comum!? Que o Universo receba o seu Lidirico e o Juca! E que rles possam inspirar o meu ídolo maior que amoooo Rolando Boldrin para seguir contando histórias e encantando todos no céu!!! Um abraço!!!!

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  2. Leandro, essas histórias são de aquecer o coração. E você ainda vem com música do porgrama do Rolando Boldrin, que partiu cedo, como ele dizia, antes do tempo combinado. Por isso nos faz tanta falta. Grande abraço.

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