Por Valéria Cristina Gurgel
Certa vez um sábio caminhava em silêncio por uma praia deserta junto a um de seus jovens discípulos, quando ele lhe perguntou:
— Mestre ensina-me a arte do desapego? Em minha humilde opinião é a mais preciosa de todas as artes!
— Você já construiu um castelo de areia?
— Não, Mestre! Para quê o faria?
São feitos de meras ilusões!
— Construa, cuide, aproveite, desapegue-se! Orientou o Mestre, seriamente. Jamais altere essa ordem.
O jovem sentou-se na areia e começou a engenhar uma suntuosa arquitetura de areia. Aquelas horas que se sucederam, nas quais ele se dedicou àquele grande feito, não teve pensamentos paralelos, viveu e desfrutou daquele momento, não teve olhos para outra coisa. Estava no momento presente. Ele construiu, cuidou, aproveitou… Mas a maré subiu, as ondas se agitaram e o castelo se desmanchou.
Frustrado, mesmo já prevendo o que logicamente aconteceria, ele se recolheu ao descanso ali nas proximidades onde estavam em um retiro com demais colegas.
No outro dia, novamente caminhando com seu Mestre, o jovem relatou o ocorrido no dia anterior, na praia e o Mestre outra vez lhe recomendou:
— Vá e construa um castelo de areia! Construa, cuide, aproveite, desapegue!
E o jovem discípulo bastante desanimado obedeceu e construiu outro castelo de areia, ainda maior e mais belo que o anterior. Ele construiu, cuidou, aproveitou e veio a maré e o levou!
Assim se sucedeu na praia por quarenta dias em que passou em companhia de seu Mestre, construindo castelos de areia. Construía, cuidava, aproveitava e se decepcionava quando as ondas vinham e os levavam sem dó, nem piedade.
Pela quadragésima vez o Mestre o recomendou:
— Construa um castelo de areia!
Dessa vez, o jovem construiu, cuidou, aproveitou e se foi, sem olhar para trás! Já não estava preocupado quando as ondas viessem para destruí-lo e o tomasse dele.
O Mestre o chamou e disse:
— Agora sim, você entendeu.
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Existem histórias que que é preciso se calar após a leitura para que possamos refletir… Essa é uma delas.
Forte abraço!
Até a próxima.
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Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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Excelente ! Palavras de vida! Um abraço, caro amigo.
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Gratidão Leandro, por compartilhar tanta sabedoria para reflexões!!!
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Gratidão, Adriana! Precisamos desses momentos…
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Que lindo! O silêncio nos faz descobrir coisas extraordinárias!!!!!
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Com certeza, minha amiga!!!
Gratidão!
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Obrigado, Maria Francisca!
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Boa reflexão. Parabéns
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Obrigado, Ester. Necessária, não é?
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Esta crônica fez – me buscar a minha infância.
Sempre que fui à ilha do cabo nas nossas brincadeiras com amiguinhos da minha idade construiamos castelos de areia e esperávamos as ondas para as destruir,mas tudo isso porque não tínhamos outros brinquedos e éramos felizes mesmos assim.
Obrigado Leandro por esta publicação e está de parabéns a nossa Valéria Gurgel!
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Obrigado, Antonio José! Fico feliz em poder contribuir com suas lembranças. Valéria é gente nossa 🙂
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Leandro, linda esta crónica que trazes nesta edição de domingo! Parabéns Valéria Gurgel, eu chamaria esta “sabedoria do desapego”, como a sabedoria da vida, pois cá chegamos sem nada e a manhã partiremos desprovido de tudo, em nada adianta nutrir este sentimento de apego aos bens materias, a única marca que deixamos é a forma como nos relacionamos com o próximo, o amor, a empatia que nos leva a partilharmos o nosso com os outros. Abraço Leandro.
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Que lindo, Emílio!
Fico emocionado com suas palavras. Gratidão. Repassarei para Valéria, ela irá amar.
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Gratidão querido amigo irmão Leandro pela partilha de meu texto! Fico imensamente feliz por saber que algumas simples palavras possam receber o carinho, a atenção e a reflexão dos leitores! É o que nos faz acreditar que vale a pena deixar fluir nossas inspirações, tocar e ser tocado pela literatura!
Um abraço. Seguimos juntos nessa estrada porque o caminho das letras é infinito…
Uma vez que pisamos nessa estrada já não há mais como voltar ou parar!!!
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Sábias palavras, minha amiga! E o agradecimento é todo meu por compartilharmos nossa paixão pelas letras. Sua presença aqui só engrandece esse lugar.
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