MATERNIDADE

Por Leandro Bertoldo Silva

Maternidade era uma das palavras esquecidas no seu dicionário. Era fácil demais para algumas pessoas pensarem nisso, não para ela, de corpo perfeito e vida em liberdade. Por isso, seu ventre crescido estava na contramão de todos e recordava sua rejeição. Daquele invólucro perfeito, ficariam cicatrizes, marcas que sobreporiam ao efemeramente físico e atingiriam sonhos interrompidos.

Dejanira era mulher do mundo. Esse era o resguardo que nunca pensou em abandonar, nem sequer substituí-lo por um momento que fosse. Sentia-se sem vida, apesar da vida que crescia dentro de si. E, agora, mesmo sendo duas, teimava em sua solidão. O tempo passava, mas não levava a angústia que aumentava a cada dia que a circunscrição de seu estado apontava. Já dividia seu alimento, mesmo sem sua permissão, como seria dividir o resto? Era o que pensava desolada e inquieta. Só havia um jeito: acabar logo com aquilo. Porém, o feto crescido já era uma criança e, antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, de seu corpo redondo começou a emergir um líquido que, ao rebentar da bolsa, jorrou junto com uma sensação indefinível que a urgência do momento não permitiu reflexões. Elas só vieram quando, já com a criança liberta deitada em seu peito em meio aos médicos, começou a cantarolar uma cantiga de ninar no mesmo momento em que seus seios saciavam o filho que calava a ouvir.

Seus olhos recém-maternos se iluminaram, e o coração, que antes rejeitava, agora acalentava e se punha a descobrir uma desconhecida impressão felina e protetora.

A mulher do mundo sem fronteiras não sabia se o choro convulso que irrompia naquele instante era amor ou remorso, talvez fossem os dois. Aquele momento eternizado na música que embalava sua criança fazia pensar: afinal, é a mãe quem dá à luz um filho ou é o filho que faz nascer a mãe?

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Esse texto já esteve por aqui. Mas o trago novamente nesse dia porque fala de um sentimento que é maior do que o mundo, que abraça e salva. O dedico a minha mãe e a todas as mães dessa terra.

Forte abraço!

Até a próxima.


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8 comentários em “MATERNIDADE”

  1. Tenho a certeza que todos ficam curiosos quando se trata de um enunciado que aborda o papel da mãe.
    A mãe é a primeira a conviver com o filho daí o sabor , a vantagem em relação ao pai.
    A mãe deve ser lembrada todos os dias.
    Obrigado pela crônica pela escrita e por incluir nesta crônica a minha mãe ,pois foi o que senti ao lê- la.

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  2. Leandro, linda crônica homenageando o ser mais incrível deste planeta. O ser capaz de renunciar-se para a manutenção da vida e continuidade da espécie. Mãe deveria ser eterna! Nada neste mundo compensa o esforço, o tempo, o amor dedicado por estas mulheres. A maternidade é sagrada.

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  3. Que lindo caro amigo Leandro!! Em um mundo tão virtual onde os sentimentos humanos vem se banalizando e teimando em serem substituidos por “inteligências virtuais”, pensar em amor, em gerar a vida e cuidar da vida é algo que também anda desaparecendo de nosso mundo louco. Talvez o próprio ser humano por sua desumanidade pode vir a exterminar sua própria raça! Lamentavelmente!
    Sempre pensei que nasce uma mãe quando nasce um filho! Hoje digo que uma mãe precisa nascer bem antes!!! Ela primeiramente precisa dar luz a ela mesma!! À sua consciência!!! Um abraço meu amigo! Linda reflexão que nos presenteou aqui e numa data tão oportuna. Gratidão!

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