ATÉ QUANDO?

Por Leandro Bertoldo Silva e Antônio Alexandre

Vejo sonhos no ar, vejo a professora ao fazer da pedra um assento de esperança, e não é a esperança que existe entre o querer e a imaginação, mas entre o acreditar mesmo no impossível.

Vejo sonhos no ar, e as crianças a esconderem sorrisos com um olhar, o mesmo que se desnuda de uma infância prometida.

Vejo sonhos no ar, mas também roubados de crianças inocentes. Vejo crianças na escuridão, vejo o futuro do futuro do amanhã ameaçado.
Mas na inocência, vejo rostos e um sorrir de crianças alegres.

Vejo sonhos no ar, vejo árvores protetoras – ao menos elas – a doarem mais do que um amparo, mas a suas raízes a fortalecerem o desejo de ensinar.

Vejo sonhos no ar, vejo o branco alvo das roupas das crianças ao contrastar ao chão de poeira amarelecida, mas soberano ao ganhar a companhia do verde dos quadros inapropriados à trabalhar.

Vejo sonhos, muitos sonhos no ar. Vejo flores, mesmo que desenhadas, a embelezarem o conhecimento em meio a um aceno franco de um menino. O que estaria a pensar?

Essas são as nossas evidências de gente pelos cantos, aglomeradas, em desalentos como o professor sem condições, o caderno sem mesa, o estudo sem teto, as folhas refletidas no chão.

Mas, mesmo assim, vejo sonhos no ar: da menina que quer ser bailarina – por que não? -, do miúdo que deseja ser astronauta e brilhar com as estrelas e de tantos outros a emanarem sombras, mas não é a sombra que você imagina, entre a tristeza e a solidão, mas aquela que do descaso se torna a vontade de um arrebol.

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Esse texto é um dueto além-mar entre Brasil e Angola, que desnuda um retrato literário de um descaso ocorrido em uma escola de Lubango. Muitas realidades parecidas presenciamos por aqui também, e cabe à arte o seu papel de fala e escuta. Literatura é a arte da palavra e, como tal, é também um meio de denúncia, mas com arte-delicadeza e arte-leveza. A comunicação não violenta se faz urgente em todos os países do mundo.

Forte abraço!

Até a próxima.

PERDOE-ME PELA MINHA ANSIEDADE – UM BREVE COMENTÁRIO DA OBRA DE FABIENE LEMOS

Por Leandro Bertoldo Silva

Para que consertar algo se é possível, rapidamente, substituir pelo novo? O futuro são homens-máquinas? O caminho que se está per(correndo) o leva para qual direção?

Esses e outros questionamentos são apontados pela escritora e psicóloga Fabiene Lemos em um texto que não se propõe agredir, mas, muito antes pelo contrário, acolher e afagar as nossas mais sinceras reflexões a respeito de nós mesmos ou, sem qualquer exagero, ao futuro da humanidade. “Perdoe-me pela minha ansiedade” já traz no próprio título esse que talvez seja, sim, o mal do século apontado por tantos estudiosos, cientistas, pesquisadores, profissionais de saúde e, por que não, escritores e atores das mais variadas manifestações artísticas: a ansiedade, essa angústia perturbadora que, segundo a autora, “foi se modificando com o tempo, juntamente, com o comportamento da sociedade e se transformando quase em um arquétipo”.

É exatamente assim que acontece. É natural nos sentirmos ansiosos, como bem diz Fabiene Lemos, ao nos submetermos a um teste ou nos prepararmos para um encontro. Porém, a vida do desejo mimético ou daquilo que nem sequer necessitamos, mas nos vemos compelidos a consumir porque a sociedade nos obriga, cria em nós a desordem que nos impele ao enigma das emoções.

E é aqui que passado, presente e futuro se confundem… É preciso lançar olhos carinhosos com absoluta sinceridade de nos reconhecermos nesse jogo de verdades e ilusões para que o monstro arquetípico não consuma o humano que nós somos.

É Com esse carinho, alinhado a uma escrita afetuosa, alcançável e profundamente talentosa de quem sabe tecer as palavras certas, no tom certo e no lugar certo, que Fabiene nos presenteia e nos proporciona a oportunidade do melhor encontro possível: o encontro com nós mesmos, no nosso tempo e no nosso lugar.

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Gostou dessa temática? Absolutamente atual e necessária, não é mesmo? A sociedade – e nós somos a sociedade – necessita, e muito, lançar olhos para essas questões. Por isso, convido para o lançamento desse livro que será essa semana em uma live com a autora. O horário e mais informações podem ser adquiridas no perfil https://www.instagram.com/psifabie/

Forte abraço!

Até a próxima.

SILÊNCIO É A HORA DA DESPEDIDA

Por Tomé Nasapulo.
Angola.

Caríssimos amigos leitores:
Sabemos que as nossas vidas são marcadas de encontros, despedidas e reencontros. As despedidas são momentos marcantes carregadas de emoções, se não mesmo difíceis! Algumas despedidas abrem possibilidades de próximos reencontros, mas, infelizmente, nem sempre é assim.

Daí é que neste edição das Crônicas de Domingo, apresento as emoções vivenciadas em torno destes momentos. Espero que ada um de nós se reencontre neste “SILÊNCIO É A HORA DA DESPEDIDA”.

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Silêncio é a hora da despedida!

Despedidas: Em cânticos polidos
Em choros revoltos
Em gritos bramidos
Em elogios nostálgicos.

Silêncio é a hora da despedida!

Sem abraços
Sem palavras
Sem desejos de renúncia a estadia.

Silêncio é a hora da despedida!

A hora da reivindicação
Das promessas perdidas
Das vontades ruídas
Da solidariedade comprometida
Da reciprocidade falida.

Silêncio é a hora da despedida!

A hora das emoções explodidas
Da ternura ferida
Das dores colhidas
Da tranquilidade merecida.

Silêncio é a hora da despedida!

A DITADURA DAS BETERRABAS

Por Paulo Cezar S. Ventura

Paulo é Graduado e Mestre em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação. Publicou Mistérios de Marte (poesia) em 2015, Zorro (infantil) em 2017, Projetos Escolares para Feiras de Ciências, em 2017, e Haicais do Riobaldo (poesia), em 2022 e participou de várias Antologias.

Meu Vô Ventura era um especialista em baboseiras. Na lista das vividas por ele ao longo da vida, uma que mais fundo o marcou foi namorar a vizinha rica porque ela tinha um carro e o levava para dar um rolê pela cidade. À época pareceu-lhe uma façanha para um garoto bonito e com uma família de parcos recursos financeiros, ele mal tinha grana para o ônibus. A façanha, no entanto, custou-lhe uma surra dada pelos potenciais interessados na menina. A cicatriz em seu braço nunca o abandonou.

Outra baboseira sempre foi sua birra com beterrabas. O vermelho da beterraba manchava seus dentes, sujava sua camisa branca sempre na hora de ir para a escola ou, mais tarde, ir para o trabalho (ele sempre foi desajeitado assim). Aquela birra foi se transformando em ódio pelas beterrabas à medida que sua data de nascimento na carteira de identidade foi ficando antiga, bem antiga. Não podia nem ver.

Recentemente, após ter vivido tantos jubileus pela existência ativa e rica, sua filha o conduziu à nutricionista para acertarem sua dieta alimentar. Vô Ventura precisa de alimentos fortes, ricos em nutrientes saudáveis, para manter sua saúde, sem ganhar gorduras desnecessárias.

Imaginem sua cara amarrada, careta feia mesmo, quando a profissional da alimentação sugeriu um cardápio rico em… beterrabas.

— Beterrabas? Nem pensar!

— Mas, Sr. Ventura, beterrabas são ricas em vitamina C, cálcio, vitamina A, ácido fólico, potássio e fibras. Além disso, contém antioxidantes que previnem doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, e auxiliam na redução do seu colesterol sanguíneo, que está bem alto.

— E afirma isso com esse prazer estampado em seu rosto? Você só pode ser uma torturadora. Abaixo a ditadura das beterrabas!

Vô Ventura pegou sua bengala, a que o mantinha ereto em situações como essa, mostrou-a para a moça com uma careta de fúria e saiu resmungando do consultório. Beterrabas não fazem parte de seu cardápio.

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Aqui está um personagem fascinante! As aventuras do Vô Ventura são assim, curtinhas, e com esse toque que parece que iremos encontrá-lo logo ali na esquina. Sim, existem muitas outras! E se o Paulo consentir, o traremos mais vezes por aqui. É cada história…

Forte abraço!

Até a próxima.

UM LIVRO NUNCA TERMINA AO VIRAR DA ÚLTIMA PÁGINA

Por Leandro Bertoldo Silva

Sempre tive fascinação pelas coisas simples. Acho mesmo que sou um fazedor de miudezas. Não por acaso tenho por Manoel de Barros uma admiração profunda, na capacidade que ele tinha — ou tem, porque um poeta nunca morre — de construir pequenezas insignificantes. Insignificantes? Ha, ha, ha!…

Muitas vezes como escritor, busco o pequeno das coisas. Bartolomeu Campos de Queirós, outro que entendia a linguagem miúda da vida, chegou a escrever um livro cujas 45 páginas valiam por 450; uma página de leitura por um mês de reflexão, a iniciar pelo título: “Antes do Depois”. Hã?! Pois é… E ainda há quem avalia se um livro é bom se ele for grosso! Não recrimino. Esses, às vezes, são bons escoradores de porta.

De qualquer forma, gosto das histórias que nos fazem pensar, daquelas a nos puxarem o tapete. O resultado já sabemos: um belo tombo existencial.

Escrever bem não é escrever muito, assim como ler muito não equivale ao ler certo, e eu não estou a falar de ortografia e muito menos de pontuação. Aliás, a gramática é uma necessidade(?), não uma camisa de força. Haja vista Guimarães Rosa.

Como vê, tantos sãos os escritores e escritoras a nos ensinarem isso. Uma vez estava a ler repetidas vezes um mesmo livro: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Sim, sou uma espécie de (re)leitor. Quem me conhece sabe: prefiro reler um livro a lê-lo pela primeira vez. Estava nisso quando fui interpelado por um amigo:

— Por que lê tão repetidas vezes este livro?

— Porque nele estou quase a encontrar a minha liberdade.

— O que falta para isso?

— A próxima leitura.

— Não te angustia saber que pode novamente não encontrar?

— Me angustia mais achar que já encontrei…

Não houve mais perguntas.

Recomecei.

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Então, aqui está mais um texto em que eu revelo uma pequena particularidade, como ler repetidas vezes um mesmo livro. Há pessoas que acham isso uma perda de tempo, afinal há tantos livros a serem lidos… Mas uma coisa é ler, outra coisa é… ler! Com você como é? Você costuma repetir leituras?

Forte abraço!

Até a próxima.