ALÉM DA IMAGINAÇÃO

Por Leandro Bertoldo Silva

Sempre apreciei os circos mambembes, esses viajantes de uma cidade à outra com as suas lonas rasgadas, os carros adaptados com alto-falantes a percorrer as ruas e a chamar o povo para o espetáculo.

Aprecio o fato de comprar o ingresso naqueles papeizinhos cortados à tesoura e, ao entrar e se acomodar nas arquibancadas de tábuas com o cuidado de se equilibrar para não cair entre os vãos, perceber, surpreso, a contorcionista ao ser a mesma moça que acabara de vender o saquinho de pipoca na entrada.

Gosto de ver os trailers parados nas mediações da lona com roupas estendidas em varais improvisados nas janelas e, entre um e outro, a mãe bailarina a amamentar o filho recém-nascido antes de entrar no picadeiro.

Enquanto muitos veem as atrações eu também as vejo, mas preencho-me muito mais na poesia por de trás das cortinas, naquele pai que irá tirar a maquiagem, desvestir o fraque de apresentador e ir ao banco pagar as contas no dia seguinte; nos ajudantes de palco sendo eles os trapezistas e também os operários de manutenção dos equipamentos; no filho que irá lavar todas as roupas dos artistas, inclusive a sua de palhaço.

Ah, os palhaços… Meus preferidos! Como tiram risadas de dentro das almas mais amarguradas… Um dia eu conheci o Alegria — o palhaço da luz. Após a sessão, enquanto o público saía, o vi com a mesma vassoura usada na aparição de há pouco a iniciar a varredura do chão. Fui até ele e o parabenizei. Ele agradeceu com um sorriso um pouco diferente do meu. Não era assim um sorriso alegre e largo como na cena de outrora. Era, eu diria, até um tanto triste. Uma criança chegou perto com o pai e Alegria a pegou no colo, brincou com ela e a deixou feliz dando-lhe, inclusive, conselhos. Ao despedir da criança e do pai olhou para mim, fez um aceno com a cabeça, espirrou água da flor de sua lapela que mais pareceu um choro silencioso, e continuou a vassourar.

Fui embora, mas o meu pensamento ficou naquele palhaço, o mesmo visto no dia seguinte no sinal fechado no centro da cidade ao fazer malabarismo e chamar as pessoas para o circo. Enquanto ele fazia o seu trabalho, eu fiquei ali a imaginar…

Tinham-lhe tantas vezes pedido conselhos… Era o redentor de todos os sofrimentos que assolavam as almas em conflito, a ponto de impedir suicídios. Alegria – o palhaço da luz –, como era conhecido, escolheu as ruas como o seu picadeiro e nelas transformava pessoas. Agonia mudava-se em sonhos e medos em esperanças. Contudo, algo curioso acontecia: Alegria era triste… O homem por trás do palhaço não conseguia fazer consigo o mesmo que fazia com os outros, pois não tinha tido a sorte de encontrar alguém que o apresentasse a si…

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Bem, hoje deixo os pensamentos soltos com espaço para refletir naquilo que está além da imaginação…

Obrigado pela leitura e, como sempre, peço o seu comentário. Ele é muito importante para mim.

Forte abraço!

Até a próxima.


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12 comentários em “ALÉM DA IMAGINAÇÃO”

  1. É o circo nos remete a alegria das coisas da vida ,mais a verdade que quem faz sorrir muitas vezes está triste tbm mais o trabalho de alegrar está em sua alma é o dom alegrar que está triste.
    Muito bom ir ao circo fui muitas vezes
    Parabéns! Leandro de nós lembrar dessas pessoas pessoas iluminadas que nós faz deixar a vida mais leve.

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  2. Meu amigo,a simplicidade da arte nos encanta né? Eu sempre tive medo de palhaço,apesar de ser um deles sem maquiagem . Mas um dia descobri semelhança entre eles e nos contadores de histórias que as vezes fazemos rir para não chorar .

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  3. Os bastidores do circo consegue ter arte tanto quanto ou até vais do que a apresentada no palco! Quando fecham-se as cortinas termina a fantasia e inicia a arte de viver a vida!!! Lindaaaa crônica amigo Leandro! Recentemente escrevi” Luzes da Ribalta” onde retrato também aquelas cenas improvisadas do artista, atras das cortinas, aquelas que ninguém vê! Um abraço!

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  4. Ah! Eu sempre gostei de circo, principalmente dos palhaços. Ficava triste quando ele passava na rua, com aquelas pernas de pau, a criançada correndo atrás, e minha mãe não me deixava ir (meninas, naquela época, não podiam ir atrás de palhaço). Eles eram, sim, pobre, sofridos, mas, mesmo assim, faziam rir. Que vida!
    Grande abraço, meu amigo. Você vê com os olhos de poeta e cronista.

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