Por Leandro Bertoldo Silva
Certa vez, em um texto de Rubem Alves, li o seguinte: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.” E mais adiante ele parafraseia Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, e diz: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Fiquei pensativo. Não porque aquilo não fazia sentido para mim; pelo contrário, fazia muito, muito mesmo. Lembrei-me, inclusive, de uma experiência vivida e é a ela que recorro.
Sou uma pessoa muito ligada à espiritualidade à minha maneira… Gosto de ler, meditar, fazer minhas orações e práticas diárias, mas, confesso, não sou muito de ir a Igrejas, embora as respeite profundamente. Sou de enxergar todos os lugares e ocasiões como perfeitos para uma imersão profunda com nós mesmos —e isso inclui meu travesseiro — e acredito que, se somos partículas do todo, como a gota é de um rio, somos o todo e, portanto, não necessitamos de momentos e locais propícios ao encontro, embora, repito: respeito quem pense o contrário.
Um dia, porém, estava a passar em frente uma Igreja e, na ocasião, até um pouco atormentado, triste mesmo. Ao ver a porta aberta, senti uma imensa vontade de entrar naquele templo e assim fiz, com tranquilidade e a mais absoluta simplicidade. Sentei em um dos enormes bancos de madeira e, para a minha surpresa, não havia absolutamente ninguém lá dentro. Eu estava completamente só. Não poderia ser melhor, pois todo o meu desejo era estar em minha própria presença sem “conselhos” e sermões de quem, fosse um padre, ministro ou pastor, jamais saberia dos meandros dos meus propósitos e eu não estava disposto a dizer. Desculpe a sinceridade, mas naquele momento a minha conversa era mesmo com o “Dono da casa”.
Imerso aos meus questionamentos e com tantas coisas a dizer fechei os olhos, e… Não me veio nada que eu pudesse verbalizar. Até tentei, forcei, busquei uma sentença, uma palavra ao menos e nada. Falta de inspiração ou de educação? Não sei… Resignei-me. Ao perceber meu insucesso, não quis e nem pretendia maquiar o meu sentimento e mantive disposto a aceitar a minha dor nua e crua em silêncio. Embora eu estivesse calado, minha cabeça era um tumulto de vozes, mas naquele momento, curiosamente, se aquietava. Estaria a ser escutado? Certamente não foi por aquela única senhora ao entrar furtivamente por uma portinhola e sair por outra, quase como um fantasma a soar alto o batido não de correntes, mas de suas sandálias pelo interior da nave, fazendo não sei o quê e sequer prestou atenção em minha presença. Sozinho estava e sozinho fiquei. As pessoas simplesmente passam sem perceber e às vezes é o melhor que podem fazer por nós.
Não sei quanto tempo fiquei ali. Perdi os ponteiros das horas. Mas digo efetivamente, excetuando os passos da senhora de há pouco, ter sido o silêncio mais delicioso que eu já ouvi em toda a minha vida. Lá dentro, ao usufruir do inexplicável, senti o quanto precisava dele e não imaginava o tanto que me acolhia como um acalento de mãe, um colo de pai, um afago de avó. Ao sair já não era mais a mesma pessoa de outrora, mas alguém a celebrar um encontro. Foi quando disse (finalmente consegui) ao Ilustríssimo Anfitrião sem mesmo vê-lo, mas certamente senti-lo: “Por favor, entenda esse silêncio como a minha oração”. Tenho comigo que Ele entendeu, porque eu compreendi perfeitamente…
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** Grato pela sua leitura. E você, já ouviu um silêncio que te fez bem? Deixe nos comentários. Compartilhe também este texto com seus amigos. Para mim é de muita valia.
Forte abraço!
As vezes é no silencioso falar das palavras da boca que as ditas pelo coração melhor são ouvidas e entendidas
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Exatamente, meu amigo… Essa é a essência de tudo. Gratidão, Ric!!
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Amei o texto, muito lindo e de um ensinamento muito grande e verdadeiro. Já fiz essa experiência algumas vezes e sei o quanto me fez bem…👏👏👏👏👏
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São momentos muito fortes mesmo, não é? Gratidão, Mônica!!
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Eu já tive uma experiência assim. Maravilhosa. Sai dali leve como uma pluma. Parecia que nascera de novo. Ótima crônica. Grande abraço, meu amigo.
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Obrigado, minha amiga. Fico sempre muito feliz com a sua presença!!
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Lindo texto.
O silêncio pode representar um monte de coisas na nossa vida e Deus sabe o significado de todas elas..
Um momento como o demonstrado no seu texto nos conecta com Deus e com a gente mesmo. Lindo, lindo!
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Obrigado, Conceição. Há muita verdade em suas palavras.
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O silêncio constrói uma ponte bonita para dentro da gente né. Abraços, meu amigo obrigado pela crônica.
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Oi, Leandro! É verdade. Obrigado pela leitura. Saudades de você!
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O silêncio é tão importante para nossa alma,tanto quanto um remédio é para a nossa saúde. No silêncio entramos em nossa intimidade barulhenta e encontramos paz . A paz traz criatividade e decisões acertadas. Me silenciar mais é uma das minhas metas para 2022
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Que linda meta, Rosilene! Gratidão por suas palavras tão bem colocadas como sempre.
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SONORIDADE
Paulo Cezar S. Ventura
A saliência do sino
o silencia.
Um silêncio
soa em si menor:
sonata suave
sai de si.
Um cintilar sonoro
sacode o suor
da saudade.
E o silêncio,
sábio silêncio
das secas sonoridades,
salva minha alma
da saturação.
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Gratidão pelo lindo poema, Paulo, e pela sensibilidade!
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O que na alma canta….
a boca decide calar ou fazer refrão.
No silencio também se diz…
Na palavra dita, ele tenta fazer melodia.
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Muito lindo, Cecília!!
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