MORTE-TEMPO-VIDA

Por Fabiene Lemos*

A morte nos leva a um questionamento idiossincrático. Toda a nossa má-fé de não querer ver a realidade carregada de limitações humanas é, simplesmente, evaporada. O clima fúnebre que compadece os corações das pessoas em tempos de luto as faz solenes mesmo que durante frações de segundos. São instantes longos e angustiantes de percepção que a finitude é irrevogável. Não há sofisma ou eufemismo que maquie o inevitável fato que a morte é a única certeza absoluta da vida.

A frieza, o cinza, a melancolia, os silêncios ensurdecedores e os gritos de súplica demonstram o mais próximo de total autenticidade humana, num cenário de despedida eterna. O fim. O acabou. Já não existe mais tempo. O último grão de areia da ampulheta da vida caiu. Esvaiu-se todo o sopro de vida. Uma segunda chance? Teria feito algo diferente? Talvez outras escolhas, outras histórias, outras vivências…?

A vida para alguns consiste como um doce delicioso que é preciso apreciar com todo o deleite porque ela é finita, para outros é uma tortura interminável que se assemelha mais com o fel. A dicotomia finaliza com a morte. Pelo menos para a cultura ocidental a morte apresenta significações trágicas que simbolizam perdas. A consciência presente manifesta um sentimento nostálgico precoce e um certo ardor na alma das infinitas possibilidades que já não existem mais.

O homem sofre narcisicamente toda vez que a vida lhe mostra, estupidamente, que na verdade: ele não controla tudo e tampouco tem o poder sobre tudo. O segundo maior inimigo das pessoas depois da morte é o tempo, que quase nunca está a favor. Ele é muito mais traiçoeiro para as pessoas que amam.  O que fica evidente ou pelo menos deveria ficar: estar no passado é uma corrente ilusória que impossibilita as pessoas de vi(verem) o presente. Enquanto o presente converte-se numa passagem rápida, sem perceber, sem contemplar todos os presentes e raros momentos que nunca irão se retornar.

Os presentes que a vida pode oferecer se decorre em poder estar e testemunhar a sorte de viver. De amar e ser amado. De errar e poder corrigir o erro. De pedir perdão, de perdoar e de se perdoar. De não desperdiçar a chance única de viver. De não cometer o azar de morrer em vida. Mas é só um talvez. Só se pode morrer porque está vivo. Mas há alguns mortos por aí que respiram. Tudo depende da consciência do sujeito e das suas incongruências humanas. Se por um acaso, morre-se no seu âmago toda a satisfação de se redescobrir e de ser resiliente (arte fênix exigida pela vida para exercer recomeços). Então, se trata de um defunto andante que necessita urgentemente de um sopro de vida.

Perdoar ainda se apresenta como uma ação subestimada frente à qualidade da saúde mental. Mágoas são âncoras muito pesadas que limitam as pessoas à transcendência. Ninguém consegue progredir, completamente, se estiver preso em construções passadas regidas por sentimentos negativos. Certamente, é muita energia investida em se manter preso pelo NÃO do perdão e pelo SIM do orgulho.

No entanto, ainda pode haver mais complexidade no ato em decidir se auto perdoar. Pois isso implica em reconhecimento de fraquezas e limitações. Somos seres em constância mutabilidade. Não somos sempre os mesmos e, portanto, não somos nossos erros. Os erros fazem parte de uma jornada de aprendizagem chamada: VIDA. E talvez por isso, exercer o perdão seja a forma mais compatível de demonstrar amadurecimento e evolução intrapessoal.

 O mais cômico, porém com pouca graça, constitui na infeliz sem lógica do sujeito só se perceber vivo e sem tempo quando está diante da morte conceitual – finalização absoluta da esperança, do oxigênio e da realidade presente. Um resgate? Uma segunda oportunidade? Ahhhh! O tempo! O traiçoeiro tempo.

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Fabiene Lemos é psicóloga na abordagem Existencial Humanista e colaboradora da Árvore das Letras.

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