PEQUENAS RELÍQUIAS

Por Leandro Bertoldo Silva

Estamos em um mundo extremamente digital. Eu mesmo estou inserido nele.

Desde 2017 mantenho, como exemplo, esse blog e muitos foram os textos, de receitas a crônicas, a figurarem por aqui.

No entanto, por mais moderna a vida se torna e acaba por nos empurrar, mesmo a contra gosto, a um comportamento necessário, porém às vezes não tão desejado, eu nunca deixei de me conectar aos princípios da escrita à mão tal qual aprendemos na escola. Hoje, segundo pesquisas recentes, essa é uma habilidade em extinção e sua falta está a acarretar danos preocupantes no desenvolvimento humano.

Mas o objetivo aqui é completamente outro. Pretendo tão somente compartilhar alguns dos meus muitos cadernos, os quais utilizo desde antes de me apaixonar pelo ofício da encadernação. Hoje mais ainda, já que praticamente todos eles foram e são feitos por mim.

Funciono, assim, como uma espécie de “teste de qualidade” do meu próprio trabalho. Cada modelo feito gosto de experimentá-lo a fim de ser o primeiro a conferir a sua funcionalidade, conforto, abertura, textura e, principalmente, se é um caderno a inspirar o desejo da escrita.

Não há como deixar de mencionar o fato de muitas pessoas dizerem terem dó de usá-los por serem muito bonitos. Embora fico feliz, não posso concordar com elas, pois uma coisa sem uso é uma coisa sem alma. Sem contar que, quando um caderno se acaba, é só começar outro e aquele que acabou pode se tornar uma relíquia.

Eu faço exatamente assim. O resultado desse “teste de qualidade” é o fato de eu ter muitos cadernos. Um deles utilizo como o bom e velho diário. O iniciei na data de 11 de novembro de 2021 e como é gratificante, às vezes até chocante, ler acontecimentos de outrora. É um mergulho em si mesmo e uma oportunidade de autoconhecimento e transformação.

Parecido com o diário, tenho outro, mas com a escrita direcionada a Xavier de Novais, personagem do meu livro “Histórias de um certo Aarão e outros casos contados”. Xavier é o mensageiro das histórias do fantasma de Aarão Reis e tanto se tornou apurado nesse ofício que passou a ser também o meu ouvinte, com o combinado de guardar só para ele as linhas lidas.

Há os cadernos de intensão. São os cadernos de gratidão e de apreciação. Neles escrevo coisas de ordem positiva em relação à família, trabalho, pessoas, amigos, natureza, espiritualidade e uma infinidade de outros motivos.

Também há o meu caderno técnico. É onde eu escrevo as referências das encadernações, como modelos, tamanhos, medidas, número de folhas para cada um.

Há os cadernos de aula, de curso, de leitura, de pré-textos como pretextos de uma escrita maior e mais rebuscada.

Há um caderno eclético, onde se encontram reminiscências, autorretratos escritos, orações, colagens e desenhos.

Há os cadernos de haicais – não poderia faltar – e dois muito queridos: um no qual são escritos os originais das crônicas a se formarem no meu mais novo livro “Para sempre, amanhã” e outro a receber cartas, uma prática também muito usada por mim.

O último deles a compartilhar aqui é um caderno utilizado nos encontros da turma Manoel de Barros, o qual o chamo de escrita terapêutica, onde exercitamos a escrita de narrativas a partir da poesia criada por todos.

Cada caderno me faz ter comigo mesmo uma relação íntima. É onde eu me encontro, me faço e desfaço. É onde eu choro e também sorrio. Cada um é um amigo fiel ao receber sem questionar a minha voz, mas sem deixar de devolver as minhas próprias intenções ao ser um espelho fiel de quem eu sou.

Para você que me conhece ou quer me conhecer melhor, termino com uma definição transcrita de um desses cadernos:

Sou tudo. Sou todos.
Encontro-me em várias partes.
Sou arte.
Perco-me e acho-me em cada instante.
Sou Dante.
Fantasmas me assombram
(bons meninos vaidosos)
À procura de?
O melhor é ler-me, ver-me.
Valerá a pena?
Ah, meu amigo, decifra-me!
E se você conseguir,
Me diz.

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E você, tem o costume de escrever à mão? Gosta de cadernos, os têm guardados? Qual a sua relação com eles? Conte aqui nos comentários. Vou adorar saber.

Forte abraço!

Leandro.