ESCREVER É COSTURAR IDEIAS COM AS MÃOS

Por Leandro Bertoldo Silva

Desde criança eu vivo em contato com o artesanato, principalmente em se tratando de linha e agulha. Cresci em meio a uma variedade de formas e cores feitas em crochê e tantas outras peças repletas de carinho e cuidado tecidas por minha mãe. Por mais diferente fosse a técnica utilizada e a arte feita, a linha e a agulha sempre estavam presentes, e muito longe de se desentenderem como no célebre Apólogo de Machado de Assis, lá na Ilha do Governador. Nas mãos de minha mãe elas sempre foram as melhores amigas e bailavam juntas.

De tanto observar aquela dança entre as duas em verdadeira comunhão quase religiosa, tornei-me também um costureiro, porém de palavras. Passei a uni-las e no lugar das correntinhas iniciais tecia frases. Com o tempo fui me aprimorando na escrita e na leitura, mas sem perder o contato físico e visual daquelas mãos de Elena ao criarem com a sua arte histórias tão fascinantes quanto as que eu lia e sonhava em confeccionar.

Assim foi por muito tempo. Mas algo interessante começou a acontecer: passei a me apaixonar não somente pelas histórias, mas pelo livro em si. Até aí tudo bem, porque geralmente os amantes da leitura têm os livros como objetos quase sagrados e os veneram com toda aquela mística do contato, do cheiro, do passar as páginas e tudo mais. Porém, no meu caso era muito além disso. Passava a existir em mim um desejo genuíno de fazê-los. Eu não queria só escrever, eu queria que os livros surgissem de minhas mãos.

Esse desejo foi a pedra fundamental, não apenas do meu trabalho, mas por transformar-me em quem eu sou. Achei-me ali em meio ao emaranhado das linhas. Encontrei, se assim posso dizer, o “fio da meada” de mim mesmo e passei a puxá-lo e a existir livremente na materialidade artesanal do que é escrito.

Ora, temos aqui dois ofícios: escrever e proporcionar a experiência estética e afetiva da leitura por meio dos livros. Tanto um quanto o outro vibram na mesma sintonia e carregam o mesmo objetivo, ou seja, contar histórias. A escrita percorre o caminho da literariedade, da criação deliberada, enquanto o livro acolhe suas palavras e as protege como um pai. O livro, como as palavras, tem um momento específico de feitura, uma época, um contexto, uma ancestralidade, onde cada página nos deixa um legado de existência.

Desde as tabuletas cuneiformes dos sumérios, passando pelo desenvolvimento do tipo portátil até a emergência da revolução moderna da informação, os livros sempre estiveram presentes. Foi assim nos códices maias, nos papiros egípcios, iluminuras de manuscritos medievais, mapas da época das grandes navegações, até mesmo os clássicos infantis. E em todos eles estavam ali as mãos do artesão, daquele ser quase mágico a dar forma a tudo isso. Juntar, pois, as duas coisas, não é tarefa simples, mas possível em um mundo onde ser diferente requer coragem.

Por isso digo que acredito na escrita como um ato de liberdade e no livro como objeto vivo. O que advém desse enlace é uma nova perspectiva a inspirar novas gerações de autores e leitores a criarem e absorverem histórias com autonomia e profundidade. Esse é o meu desejo.


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