O relógio soou naquela manhã diferente dos outros dias. Não pelo som, exatamente igual há tantos anos a se repetir metodicamente, mas na atmosfera daquele momento.
A sensação foi de não ter dormido, e sim de ter passado de um segundo a outro. Mal olhou para a janela escura pela noite lá de fora e, sem sequer mover um músculo e apenas piscar, o que era noite virou dia. Levou um tempo a entender tão brusca mudança na claridade do quarto. A sua volta, tudo igual: as mesmas dobras do lençol, a mesma posição das suas mãos ao tocarem de leve o travesseiro. Apenas a luz a revelar com evidência os objetos na penumbra de outrora.
Como pôde?
Na verdade, só conseguiu entender quando, ao se levantar, o seu corpo, antes cheio de viço e elasticidade, mostrava-se agora mais enrijecido e calmo. As mãos de há pouco se apresentavam com algumas saliências de veias antes inexistentes. Ao olhar-se pelo espelho da parede, lembrou-se do retrato de Cecília, mas sem tristezas e amarguras por não dar-se às mudanças tão simples e certeiras. Havia envelhecido.
Em um brilho momentâneo tudo se assentou, assim mesmo calmo e sem excessos. Sentou-se à escrivaninha e em seu caderno de anotações curiosamente desgastado e com mais páginas preenchidas, acrescentou:
O envelhecer é um suspiro do tempo que descansa em mim.
E seguiu os seus dias.
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É incrível como a natureza nos ensina os caminhos da vida. A folha da imagem que ilustra essa pequena história havia acabado de se soltar em meio a tantas outras verdes e novas. Isso aconteceu no exato momento em que eu me sentei à sombra dos ramos que as sustentavam. A beleza desse acontecimento não deixou que eu o mantivesse apenas para mim…
Um forte abraço.
Até a próxima.
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Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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