ENVELHECER

Por Leandro Bertoldo Silva

O relógio soou naquela manhã diferente dos outros dias. Não pelo som, exatamente igual há tantos anos a se repetir metodicamente, mas na atmosfera daquele momento.

A sensação foi de não ter dormido, e sim de ter passado de um segundo a outro. Mal olhou para a janela escura pela noite lá de fora e, sem sequer mover um músculo e apenas piscar, o que era noite virou dia. Levou um tempo a entender tão brusca mudança na claridade do quarto. A sua volta, tudo igual: as mesmas dobras do lençol, a mesma posição das suas mãos ao tocarem de leve o travesseiro. Apenas a luz a revelar com evidência os objetos na penumbra de outrora.

 Como pôde?

Na verdade, só conseguiu entender quando, ao se levantar, o seu corpo, antes cheio de viço e elasticidade, mostrava-se agora mais enrijecido e calmo. As mãos de há pouco se apresentavam com algumas saliências de veias antes inexistentes. Ao olhar-se pelo espelho da parede, lembrou-se do retrato de Cecília, mas sem tristezas e amarguras por não dar-se às mudanças tão simples e certeiras. Havia envelhecido.

Em um brilho momentâneo tudo se assentou, assim mesmo calmo e sem excessos. Sentou-se à escrivaninha e em seu caderno de anotações curiosamente desgastado e com mais páginas preenchidas, acrescentou:

O envelhecer
é um suspiro do tempo
que descansa em mim.

E seguiu os seus dias.

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É incrível como a natureza nos ensina os caminhos da vida. A folha da imagem que ilustra essa pequena história havia acabado de se soltar em meio a tantas outras verdes e novas. Isso aconteceu no exato momento em que eu me sentei à sombra dos ramos que as sustentavam. A beleza desse acontecimento não deixou que eu o mantivesse apenas para mim…

Um forte abraço.

Até a próxima.


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