
Por Patrícia Vaucher*
Hoje o dia está nublado. Mais um. Há pouco começou a chover fraquinho. Cedinho os helicópteros reiniciaram seus voos.
Recebi a ligação de uma amiga que mora longe. Preocupada com a situação, ela, cheia de dúvidas e indagações sobre a vida, questionou-me indiretamente sobre o bem e o mal. Não seria essa tragédia uma ação do bem para que a humanidade acorde? Resposta pra isso não tenho, mas percebo que esse evento está despertando muitas almas, a minha e a dela também!
Há dois dias bateu aqui em casa um casal de desabrigados. Vieram de Mathias Velho. Casa inundada, sem teto, duas filhas, muito medo e tristeza. Estão morando nas ruas. Aliás, numa avenida aqui perto em uma barraca. Tiveram uma experiência não muito boa num abrigo. Lutam por uma casa para retomarem suas vidas e abrigarem suas duas filhas que estão sob os cuidados de uma senhora. Foram avisados que terão que buscar as meninas hoje. Abrigo não querem. Têm a firmeza de quem muito lutou por seu lugar e não aceitam que as águas levem a força interior empregada no enorme esforço que fizeram na conquista de um terreno e uma casa humilde em Canoas. Com orgulho fincaram os pés no chão sem perder a esperança, na certeza de que conseguiriam a casinha alugada. A correnteza não os arrastou. Falta pouco pra conseguir o valor do aluguel, disseram-me na esperança de que eu o completasse. Perguntei sobre as habilidades deles. Faxina, pintura, fazemos qualquer coisa. Dei alguns alimentos e um celular que estava parado aqui. Retornaram para casa, digo, rua.
Em casa assistindo tanta tragédia pela TV, sentia a vontade de fazer algo para ajudar. Abrigos dispensaram-me, pois os voluntários são muitos. Penso que algo surgirá no tempo certo, porque as demandas após o “incêndio” serão numerosas. Pensei então que esse casal talvez seja uma boa oportunidade de fazer minha parte. Eles não sabem, mas dou uma monitorada neles diariamente passando de carro em frente à barraca que montaram em plena avenida. Pensei muito neles, vontade de abrigá-los, dar trabalho, esperança. Pedi que me dessem o número do celular quando conseguissem um número para o aparelho que entreguei.
Tive notícias hoje. Eles vieram aqui desesperados com a situação das filhas. Têm que buscá-las até as 13 horas. Entendi tanta aflição quando me perguntaram várias vezes as horas por volta das 10:45. Vieram pedir socorro. Precisam completar o tal valor do aluguel. Combinamos que me pagariam amanhã com serviço doméstico o valor que precisam agora. Mas, não resolvo sozinha. Pedi um momento para conversar com meu marido sobre isso. Retornei com a resposta e, olhando aquelas faces acinzentadas pela dor vi um brilho iluminando os olhos como se o sol tivesse aparecido subitamente por de trás das nuvens quando disse:
— Vou confiar em vocês!
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Patrícia Vaucher é escritora, Bacharel em Administração de Empresas, pós graduada em Arteterapia e em Psicologia Analítica. Facilitadora de Soulcollage. Trabalhou com cerâmica artística por mais de vinte anos em atelier próprio. Conduz grupos de mulheres através do trabalho terapêutico com argila e Soulcollage. Pesquisa o Feminino na individuação e sua influência no processo de ampliação da consciência. Reside em Porto Alegre/RS.
Um forte abraço.
Até a próxima.
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Esse texto é a demonstração de que o amor ,o cuidado são resiliência e força e a certeza que tudo vai ficar bem
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Sim, meu amigo. Tudo ficará bem no seu tempo.
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