Há alguns anos vivi uma experiência maravilhosa que mudou meu conceito a respeito das coisas e dos bichos. Não me lembro qual era a minha idade, era bem jovem, mas já era independente. Conhecia pouco da vida, mas me virava bem sozinha.
Porém, se aproximava o dia em que eu descobriria a coisa mais importante da minha vida.
Naquele ano, se aproximava a primavera, e seria a mais linda primavera desde meu nascimento. Estava ansiosa, pois sabia que algo novo sempre acontecia naquela estação. Mas aquele ano parecia que seria diferente. Era a época da reprodução. Amava ver os bichos se encontrando e se reconhecendo em meio àquela multidão de pretendentes. Meus olhinhos brilhavam ao ver os ovos que minhas amigas já acasaladas botavam nas pedras e grutas. Gostava de assistir aquele milagre. Sim, milagre! Pois surgia uma vidinha daquele ovo e isso nos fazia chorar de emoção. Pois é, temos sentimentos também.
Naquelas paragens por onde eu vivia, sempre cercada de companheiros da minha espécie, era muito seguro e tranquilo de se viver. Alimento não nos faltava! Um belo pôr do sol sempre nos brindava. E o nascer do sol era pura esnobação. Acho que minha espécie é a que mais se aproxima de Deus e daquele azul infinito e maravilhoso. Abríamos nossas asas de enorme envergadura e ali ficávamos tomando o primeiro banho de sol do dia.
Vez ou outra saia para uma refeição rápida e tendo o privilégio de um olfato bem apurado, logo encontrava alimento. Mas essa não era minha única habilidade. Podia enxergar também a quilômetros de distância meu prato favorito. O que me valia sempre a companhia de outros da minha espécie, que não foram abençoados com as mesmas habilidades, pois não pertenciam à família real.
Apesar de sentir-me segura, faltava-me alguma coisa ou alguém. Não que eu precisasse, pois já era feliz por demais na vida que eu tinha. E mesmo não vivendo em bandos era comum que pensássemos em perpetuar nossa espécie e para isso buscávamos parceiro para reprodução. Parceiro este que seria para a vida toda. E naquele ano, na primavera eu encontrei o amor. Meu parceiro. Aquele que seria daquele dia em diante meu maior companheiro.
Pois não é que eu encontrei o mais lindo, gentil e corajoso planador dos ares?!
Não temos inimigos naturais. As outras espécies mal se aproximam de nós. Não disputam conosco nosso alimento e nem somos prato predileto de ninguém. Não somos ameaça para humanos, muito pelo contrário. Nem tão pouco dependemos da ação humana para sobreviver. Há segurança, sem predadores, comida com fartura e da melhor qualidade e sem concorrência. Nos alimentamos do lixo produzido ou deixado pelo homem.
Mas os humanos nos desdenham e nos rotulam como imundos e malcheirosos. Somos vistos como a escória do mundo animal.
Eles desconhecem o fato de que nossas asas são mais limpas e desinfetadas que as mãos deles! O próprio sol realiza esse trabalho todos os dias. E olhe que minha espécie pode viver até 40 anos.
Será que os humanos sabem que o que lhes causa repulsa é justamente o que os livra de um grande problema ambiental e sanitário?
Será que desconhecem que nosso corpo é preparado para realizar a digestão de qualquer alimento, por mais putrefeito que esteja, sem que nada nos cause doenças?
Será que sabem da nossa grande habilidade em economizar energia em nossos voos? Sim, voamos tão alto que muitos nem podem imaginar e sabemos, como nenhuma outra ave, planar nas correntes de ar sem qualquer esforço.
Na verdade, nós prestamos com primazia um trabalho para a humanidade. Somos responsáveis pela eliminação de 95% daquilo que o homem não sabe o que fazer.
Conseguimos evitar que grandes epidemias aconteçam causadas pela ação de decomposição de restos de animais, carcaças largadas em qualquer lugar… E a nós, quanto mais apodrecida estiver, mais saborosa nos parece.
Sou a Cathar Blue, e vivo com meu parceiro Uru Blue nos picos nevados do Chile.
Sim, eu sou da família dos corvos, mais popularmente conhecidos como Urubus. Somos parentes dos Condores e pertencemos todos à grande família Cathartidae. Somos muitos ao redor do mundo. Uru Blue e eu somos da espécie Urubu-rei e como tal vivemos. Seguros, sem necessidade de caçar, sempre temos alimento, seja em qualquer estação ou lugar. Nenhuma outra espécie nos persegue e somos da paz, não incomodamos ninguém. Ninguém nos coloca arreios nem nos prende em gaiolas ou chiqueiros. A verdade mesmo é que ninguém nos quer por perto. Sorte nossa, pois temos o mundo como morada e o céu como estrada. Temos uns aos outros e reconhecemos nossa utilidade. E assim vivemos, felizes e livres nesse mundão de meu Deus!
________________________
* Luzia Maria de Souza é integrante da Turma Manoel de Barros, da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, um encontro online semanal de leitura e produção literária. Você também pode participar. Saiba mais AQUI.
Por Leandro Bertoldo Silva (Agradecimento especial a Adriana Freitas por compartilhar conosco uma vivência)
As histórias contidas em um livro vão muito além dele. Quando um autor escreve, ele nem imagina onde suas criações e personagens podem chegar e o que podem causar na vida das pessoas.
O maravilhoso livro De Carta em Carta, de Ana Maria Machado, uma das maiores e mais queridas escritoras brasileiras, com as lindas ilustrações de Nelson Cruz, protagonizou em nosso Clube de Leitura uma linda história de amor entre a realidade e a ficção.
Antes de contar, deixe-me falar do livro.
De Carta em Carta narra a comovente história de um avô e de um neto ao possuírem em comum muitas semelhanças: a teimosia, a implicância e o fato de não saberem ler e nem escrever.
O avô, Seu José, era um velho jardineiro; Pepe, um neto briguento e malcriado, não gostava de ir à escola.
Seu José e Pepe viviam a se desentender. Um dia, Pepe, ao sair de casa, chega à Praça dos Escrevedores, e lá conhece Seu Miguel, um dos escrevedores que trabalha na praça e transforma as palavras ditadas em palavras escritas em folhas de papel.
Pepe então tem a ideia de pedir a Seu Miguel para escrever uma carta ao seu avô e dita verdadeiros xingamentos. E assim começa uma intensa troca de cartas entre o avô e o neto.
Acontece que Seu Miguel sabia bem as palavras que o destinatário precisava ouvir…
Bem, não vou contar toda a história do livro, até porque não tirarei a bela surpresa do final! Mas contarei o desmembramento a partir dela.
Em nosso Clube de Leitura temos a prática de sempre buscarmos algo além do livro. Chamamos essa prática de transposição literária, isto é, a partir de cada enredo propomos alguma ação para fazer a leitura ganhar mais sentido. Como o grupo é bastante heterogêneo geograficamente, combinamos de escrever cartas uns para os outros e enviá-las por Correio, coisa obviamente rara nos dias de hoje.
Assim, uma das integrantes do grupo relatou a dúvida de sua filha em querer saber como uma carta era postada.
— Venha, vou lhe apresentar o Correio.
Uma vez lá, o carteiro estranhou aquela ação. Afinal, aquilo ainda existia? Pessoas a se corresponderem por cartas? Ao falar sobre o livro e explicar a proposta, aconteceu algo incrível! O carteiro achou aquela história tão linda, mas tão linda, e ele, o qual nunca havia escrito uma carta na vida ou provavelmente não o fazia há muito tempo, escreveu uma para e esposa e a postou com o intuito de chegar a sua própria casa. Segundo relato da nossa amiga, dias mais tarde, vinda do próprio carteiro, a esposa veio a chorar de emoção. E o melhor? Ele continua a lhe enviar cartas… Tudo isso por causa de um livro!
Não vou me estender, não é necessário… Só quero dizer algo muito sério: é isso o que a literatura faz. Quando me refiro ser ela uma das formas de salvar o mundo não estou a exagerar. É a mais pura realidade.
Essa história dentro da história termina aqui. A do carteiro com sua esposa continua. E quantas ainda estão por vir só na espera de alguém abrir um livro e ler?
________________________
Caso tenha gostado dessa história e se interessado no nosso Clube de Leitura, saiba que você pode fazer parte dele. É só enviar uma mensagem. Terei o maior prazer em conversar com você.
Luena: Capital da Província do Moxico, situada no leste de Angola.
Tchianda: Dança folclórica do leste de Angola.
Caqueia: Peixinho saboroso, pescado nas chanas do leste de Angola.
Tchokue: Língua nacional falada no leste de Angola.
Kamukakuisa: Termo pejorativo que alguns do povo do leste de Angola usam para referir-se a quem não é nato da região.
________________________
* Tomé Nasapulo é de Angola e é correspondente literário da Árvore das Letras.
________________________
A Quarta Literária é uma ação da árvore das Letras de fomento à literatura independente.
Você também pode ser um correspondente literário. Participe da Vivência Novos Autores, um encontro on-line semanal de leitura e produção literária. Saiba mais AQUI.
Imagine fazendo parte de um grupo de pessoas amigas e acolhedoras de várias partes do Brasil em um ambiente leve, descontraído e saudável, extremamente respeitoso, que amam escrever, compartilhar seus textos e leituras e ainda publicar suas histórias.
Imaginou?
Pois esse grupo existe e você pode fazer parte dele.
Estou falando da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita, que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos, e aplicar técnicas criativas e afetivas na produção de narrativas e poesias.
Não é maravilhoso para quem tem a escrita como paixão?
Tudo bem! Eu sei que o ofício de escrever geralmente é muito solitário. O escritor ou escritora trabalha de maneira independente, passa horas no computador ou, se você for como eu que ama escrever os primeiros esboços à mão, passa muito tempo em companhia da folha em branco. E muitas vezes não tem com quem se consultar ou a quem recorrer em momentos de dúvidas e incertezas e, também, compartilhar o que escreveu, ouvir opiniões construtivas que podem dar ainda mais direção a sua história ou poesia.
A Vivência Novos Autores proporciona exatamente este lugar.
E sabe o que é melhor?
Não importa se você está no início da sua jornada de escrita ou se já é um autor ou autora experiente, a Vivência é um lugar de trocas construtivas, onde todos e todas se respeitam acerca do fazer literário.
Fantástico, não é?
Aqui mesmo neste blog você encontra tudo sobre a Vivência: como funciona, o dia do encontro, nossas ações, sorteios de livros, nosso Clube de Leitura e, principalmente, como participar. É só clicar AQUI. Qualquer dúvida estou à disposição.
Por hora, quero apresentar para você algumas das muitas pessoas que fazem parte da Vivência e faz desse lugar tudo o que ele representa. Mas não se engane! Para que tudo isso pudesse existir, foram necessários 10 anos de história, muita estrada, muita formação, muitas experiências e muita, muita gente bacana que passou e continua passando por aqui. Por isso, veja só o que algumas delas têm a dizer:
VALÉRIA CRISTINA GURGEL. Escritora e musicaterapeuta – Nova Lima/MG.
A Vivencia Novos Autores criada e administrada por nosso Mestre Leandro, da Árvore das Letras, tem sido muito prazerosa e divertida. Cada semana uma surpresa, um desafio, uma proposta, um tema instigante, um debate e sempre com aquele propósito inteligente e carinhoso de convidar-nos a uma nova reflexão e uma nova escrita. Sem contar as indicações de livros, um Clube de leitura onde a gente discute um universo paralelo a partir de nossas observações por esse intercâmbio literário. Essa troca tentadora de opiniões, percepções e inspirações que acontece é algo magnífico. Poder oferecer e receber indicações de diversas obras, ler, conhecer novos autores e seus respectivos livros que vão sendo sugeridos a cada mês por um membro de nosso grupo. Tudo flui de forma passiva, deliciosa, em meio a uma amizade bonita, sincera, afetuosa que vem se consolidando entre todos nós, tornando-nos sem nenhuma dúvida uma Família Literária! Gratidão Mestre e amigo Leandro por nos proporcionar esse espaço precioso e ao mesmo tempo tão simples e pleno de arte e sabedoria compartilhadas! Um forte abraço da escritora e amiga Valéria Gurgel.
PIERRE ANDRÉ. Contador de histórias e escritor – Belo Horizonte/MG.
A Vivência novos Autores me deu, literalmente, vida em relação à escrita e à leitura. Me fez descobrir que podemos, sim, escrever algo que jamais poderíamos imaginar. Como aconteceu comigo e os Haicais, os escrevendo como tradicionalmente são e inventando maneiras diversas, diferentes e brincantes. O que já me rendeu material para pelo menos três livros distintos sobre haicais.
Mas o mais importante é poder fazer isso compartilhando com os colegas, nos nossos encontros semanais, às vezes até criando textos, uns para os outros.
Só posso dizer:
Vivência Novos Autores,
Minha Gratidão!
.
Leandro, meu “fii”,
Sobre a sua pessoa:
Você é o cara.
ELISA AUGUSTA DE ANDRADE FARINA. Escritora e Presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni – Teófilo Otoni/MG.
A Vivência Novos Autores, excedeu minhas expectativas pela gama de conhecimentos que foram disponibilizados.
Foi um UP para minha carreira de escritora, enriqueceu meus conhecimentos, estreitou laços de amizade e companheirismo entre todos envolvidos nessa grande teia literária e poética.
O bom professor, e o Leandro o é, promove a circulação do conhecimento aguçando a curiosidade que proporciona a reflexão e o diálogo.
MARAVILHOSO!
CAROLINA BERTOLDO. Professora e escritora – Pompéia/SP.
A Vivência literária chegou para agregar muito na minha experiência com a escrita. Desde adolescente escrevo trechos, contos e crônicas, mas só quando passei a fazer parte do grupo dos Novos Autores eu me reconheci como escritora.
Sempre gostei de literatura, desde a época da escola. Até mesmo de alguns dos clássicos! Mas sou muito grata por essa grande e especial permissão de a cada encontro do grupo me conectar mais ainda com o universo da literatura livre!
LUZIA MARIA DE SOUSA. Escritora e amante da reciclagem e das letras – Belo Horizonte/MG.
O trabalho desenvolvido na Vivência Novos Autores tem a cada dia despertado a leitora feliz que há em mim. E para minha surpresa veio junto um desejo enorme de escrever, colocar no papel minhas memórias. E numa linha mais romântica e divertida tenho criado textos que me agradam muito. Feliz demais com o resultado desse processo. Gratidão!
Ah! O amor!… O amor é um dos grandes temas para filmes, novelas, teatros e propagandas. Onde está o amor verdadeiro? Como definir o amor? Como saber amar?
Guimarães Rosa disse que “o amor é passo de contemplação “. Decidi embrenhar-me no filosofar para conhecer a plenitude do viver e do amor. Busco dar sentido e ver sentido nas coisas, nas palavras, nas pessoas, poetizar…
Sou um ser despreparado com relação ao amor; quando ele entrou em minha vida não fui avisada, não pediu-me licença, pegou-me desprevenida. Fez questão de chegar de mansinho para não ser notado. Apaixonei-me pela vida, pelas pessoas, pelas flores e os pássaros em seus voos livres e felizes. Sonhei… Fiz dos sonhos poesia. O amor estava em toda parte, saciava minha fome. Estava em tudo e ao mesmo tempo no nada, busquei as estrelas mais brilhantes para povoarem o meu céu de amor.
Das asas da liberdade fiz um trampolim para alcançar o inalcançável. Vi no amor a possibilidade de me conservar viva e atuante.
Quando observo as pessoas na sua luta diária, pergunto-me se sabem o sentido do amor, do existir, da importância de amar e saber ser amado.
O amor que está estampado aos quatro ventos é um amor raso, imediatista, sem profundidade, egoísta e impregnado de falsas ilusões. O verdadeiro amor reside no âmago da alma, no cerne do ser, pronto para encontrar ressonância em outra alma. Não adianta ter o amor, se não tiver a quem amar. O amor é troca, é busca, é renúncia. Necessita-se do outro com todas as suas especificidades e defeitos para que haja a comunhão. Não estou falando do amor carnal, este já se banalizou, falo do amor ágape. O amor que sentimos pelo nosso próximo, um amor generoso, sem limites, puro, livre de amarras. Para amar dessa maneira é necessário abandonar os adornos, esquecer-se de seu ego que necessita de atenção e aplausos.
Coisificamos o homem através do consumismo exacerbado. Para libertar -se dessa teia avassaladora é necessário fazer o caminho inverso do que trilhamos. Precisamos ir além do que os nossos olhos veem, a capacidade de ver além do que possamos captar através dos sentidos. É preciso penetrar o recôndito do nosso coração e escutar a linguagem dos sentimentos, encontrar a simplicidade, amar como o Criador nos ama e cuida. O amor é ação. É movimento. É (re)encontro. O amor dá significado às relações e nos torna mais dóceis, mais comprometidos com o outro. Deixa-nos mais sensibilizados e preparados para enfrentar a dor e as mazelas que surgem em nossas vidas.
Não temos tempo para o cultivo de uma vida interior. É mais fácil a superficialidade. Não experienciamos as realidades que nos levam a uma transcendência para poder acessar cada vez mais a nossa verdade pessoal, possibilitando a posse de nós mesmos, favorecendo relacionamentos mais saudáveis.
Só quando conseguimos enxergar o outro como possibilidade de complemento, seremos capazes de amar. Aí sim, seremos como a fragrância de um perfume que exala e deixa o seu cheiro modificando nossa jornada chamada vida!
________________________
* Elisa Augusta de Andrade Farina nasceu e cresceu na cidade de Teófilo Otoni. Morou em Belo Horizonte, onde graduou-se em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, constituindo família. Após 30 anos retornou com sua família à cidade Natal, onde tornou-se integrante da Academia de Letras e concretizou o seu sonho de escritora lançando seu primeiro livro: Antes de tudo, mulher. Após novas publicações, Elisa hoje é presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni – ALTO, exercendo um trabalho de fundamental importância para difusão da literatura nos Vales do Mucuri e Jequitinhonha, em Minas Gerais e no mundo.
Elisa é integrante da Vivência Novos Autores da Árvore das Letras, um encontro on-line semanal de leitura e produção literária. Você também pode participar. Saiba mais AQUI.
Neste ano de 2024, a Árvore das Letras estará trazendo mensalmente entrevistas com pessoas e personalidades reais da vida em diversas áreas do conhecimento e da arte, como a literatura, contação de histórias, psicologia, filosofia, pedagogia e outras tão importantes para o desenvolvimento humano. O diferencial e, ao mesmo tempo, o grande prazer e por que não dizer orgulho, é que todas as entrevistas serão com gente da gente, ou seja, pessoas que estão a passar ou passaram pela Árvore das Letras deixando suas presenças nessa verdadeira troca de talentos, conhecimentos e carinhos.
Para abrir mais esse grande momento da existência desse espaço, a Árvore das Letras conversou com Paulo Cezar Santos Ventura, poeta, cronista e contista. Professor aposentado do CEFETMG, é graduado em Física pela USP-São Carlos e Doutor em Ciências da Comunicação e Informação pela Universidade de Bourgogne, em Dijon, França. Enquanto professor e pesquisador, orientou mais de 1000 projetos de Engenharia e Educação em nível de graduação, pós-graduação e mestrado. Além de leitor e escritor apaixonado pela obra de João Guimarães Rosa, que o inspirou nos “Haicais do Riobaldo”, Paulo Cezar Santos Ventura é membro da Academia Novalimense de Letras, da cidade de Nova Lima, onde reside. Seu mais novo livro é “Maturidade amores e dores ao envelhecer”, publicado pela Biblio editora e apoio cultural da Rolimã editora.
Árvore das Letras: Quem é Paulo Cezar S. Ventura por ele mesmo?
Paulo Cezar S. Ventura: Pensava ser um camaleão mutante, de tantas mudanças pelas quais passei durante minha vida. Hoje sei que essas mudanças são naturais, mesmo diferenciando-me por isso, pois muitas pessoas nunca mudam. Cresci menino de interior, desde cedo trabalhei na lavoura, criei calos definitivos de tanto capinar. Mas estudei muito na vida, sou leitor desde muito cedo, e aos quinze anos comecei a escrever poesia. Li um poema em uma enciclopédia e pensei que também poderia fazer isso. Comecei e nunca mais parei. Uma de minhas características é ser muito observador do que se passa em meu entorno e aprender com isso. Outra é ser bem humorado. Meu slogan é “sou feliz por opção e bem humorado por obrigação”. Sempre pensei que um olhar nos olhos dos outros, um aperto de mão afetuoso e um sorriso são atitudes inesperadas e que podem surpreender os interlocutores e abrir caminhos importantes em sua vida. Uso isso o tempo todo.
AL: Você sempre teve inclinação para a escrita? Conte um pouco da sua trajetória na literatura.
PCSV: Sempre gostei de escrever, era um hobby importante. Mas nunca encarei a escrita como profissão antes. Precisava trabalhar para meu sustento desde muito cedo e mais tarde para sustentar uma família. Fui ser professor. No entanto, eu tinha em mente a ideia de que um dia seria escritor. Que escrever era uma necessidade, publicar era um sonho. Meus textos acadêmicos sempre foram considerados de ótima qualidade, minha tese de doutorado foi elogiada como um relatório de pesquisa de alto nível, e exigia que meus alunos escrevessem com qualidade, com boa legibilidade. Participei de alguns concursos literários sem grandes chances e sem ter um trabalho no qual pudesse acreditar. Mas o germe da escrita estava presente em tudo que eu fazia e ela vinha naturalmente. Em 2008 escrevi, durante um ano, uma série de poemas que viriam a ser meu primeiro livro, Mistérios de Marte, publicado de forma independente em 2015. A partir daí não parei mais de escrever. Muitos de meus poemas e crônicas foram publicados em Antologias e Coletâneas, mais de 10. Em 2017 publiquei o livro infantil Zorro, pela Rolimã Editora, sobre um cachorrinho e suas peraltices em seu quintal. Depois veio Haicais do Riobaldo, publicado em 2022 pela Literíssima Editora. Em seguida veio Encontro das Improbabilidades, em 2023, pela Árvore das Letras, uma edição limitada que será republicado em 2024 pela Rolimã Editora. Recentemente, em dezembro de 2023, publiquei Maturidade: Amores e Dores ao Envelhecer, um livro de crônicas sobre o processo de amadurecimento sob um ponto de vista bem pessoal. Publiquei também na Amazon KDP, que pode ser baixado e lido em tela de celular ou computador mais dois livros de poemas: um se chama Felicidade Ficção do Futuro, o outro é um livro de poemas eróticos com o título de Cinquenta Cores de Mulher. Terei ainda outras publicações em 2024, que estão a caminho.
AL: Você também é Físico e construiu toda uma carreira como professor e orientador de mestrado e doutorado, ministrando palestras e viajando para fora do país. Como você “se distribui” entre a Física e a Literatura? Como uma complementa a outra?
PCSV: Durante o tempo em que atuei como professor eu escrevia muito, principalmente poesia e crônicas, mas não tinha um método pessoal de escrita e publicava apenas em blogues (https://poesiasparabeber.blogspot.com/ e https://cronicasdamaturidade.blogspot.com/). Passei a escrever com a pretensão de me tornar um escritor apenas ao final de minha carreira de professor, pouco antes da aposentadoria. E aí fui estudar para isso. No entanto, o que aprendi com cursos sobre criatividade dos quais participei, é que o processo de criação na Ciência e na Tecnologia não difere do processo de criação nas Artes, entre elas, a Literatura. Criamos a partir dos questionamentos que fazemos diante das possibilidades da vida e na resolução dos problemas que nos surgem cotidianamente. Nem é uma questão de complementaridade. Criar exige um repertório de conhecimento, imaginação e avaliação constante daquilo que estamos realizando.
AL: Para você, qual a responsabilidade do escritor diante da realidade do nosso país? O que o preocupa?
PCSV: A responsabilidade do escritor é a mesma de qualquer profissional neste país. Trabalhar com ética e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país, para a democracia, para a igualdade de condições de desenvolvimento pessoal e diminuição das desigualdades sociais.
AL: Essa atitude de falar sobre questões do seu tempo, remonta ao Romantismo. Castro Alves fazia isso ao proclamar a respeito da liberdade dos escravos, o que demonstra uma participação social muito grande do escritor. Como você vê o engajamento social do escritor de hoje? Ele existe?
PCSV: Acredito ser a mesma coisa em todas as profissões. Alguns profissionais são altamente engajados socialmente, outros não e só produzem pensando em ganhos pessoais. Evidentemente que os ganhos pessoais são muito importantes. Quero ser valorizado e reconhecido como escritor, mas pensar em soluções coletivas para a nossa sociedade também é muito importante. Quando escrevemos uma ficção nossos personagens são representativos da sociedade no momento; quando escrevemos um poema também registramos emoções que se conectam com o que acontece na realidade. Isso é escrever sobre temas que se perpetuam.
AL: Escrever é algo diferente para cada escritor/escritora. Para alguns, curiosamente, é árduo, insano, torturante; para outros é altamente prazeroso. Para você, como é? Você tem algum ritual? Por que você escreve?
PCSV: A escrita, para mim, é prazerosa e, ao mesmo tempo, árdua. Escrever exige foco, concentração, treinamento, muita leitura, conhecimento, etc. É trabalho. Não acredito em dom. Escrevo porque treinei muito, dediquei muito, estudei muito. É muito mais trabalho que inspiração. A escrita, para mim, é uma necessidade. O dia que não escrevo sinto falta de alguma coisa. É como se tivesse uma tarefa a realizar e não a concretizei. E finalizar um texto é altamente gratificante.
AL: Mia Couto, um escritor moçambicano, diz que os escritores nascem de outros escritores. Isso nos leva a crer em pais escritores e mães escritoras. Quem são os seus pais literários?
PCSV: Temos muitos pais e mães literários, alguns definitivos outros temporários. Eu bebi nas fontes de Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Thiago de Melo, Lima Barreto, Machado de Assis, Paulo Leminsk, Ferreira Goulart, Augusto de Campos, Rainer Maria Rilker, Konstantino Kaváfis, para citar uns mais antigos. Mais recentemente me inspirei em José Saramago, Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Mário Faustino, Fernado Pessoa, Mia Couto. Como sou muito ligado ao cinema, os grandes diretores de filmes de arte sempre me inspiraram também. Bem como grandes músicos e letristas. Tenho certeza que estou deixando de citar muitos outros, principalmente estrangeiros.
AL: Fale um pouco sobre os seus livros. Embora a pergunta a seguir para um escritor possa ser perturbadora, mas há algum preferido?
PCSV: Realmente eu gosto de todos, mas os preferidos são sempre os últimos. Assim, cito Haicais do Riobaldo, Maturidade: Amores e Dores ao Envelhecer e Cinquenta Cores de Mulher. Estou trabalhando em novos livros com muito afinco e prazer. Tem alguns de poemas para breve e a reedição de Encontro das Improbabilidades, que espero publicar em março.
AL: Vamos falar sobre o seu mais recente livro publicado: “Maturidade: amores e dores ao envelhecer”. O que o levou a escrevê-lo e como foi o seu processo de escrita?
PCSV: Os tempos de pandemia me trouxeram muitas reflexões sobre o processo de envelhecimento. Nos primeiros momentos da Covid-19, os principais casos de hospitalização e mortes atingiam as pessoas idosas. Eu, hoje com 70 anos, fui infectado e por uns 30 dias vivi a preocupação com a infecção. Felizmente não fui hospitalizado e a virose passou sem me deixar sequelas físicas, apenas psíquicas. E uma das questões que me vieram à cabeça era: o que ainda tenho a perder? Comecei, então, a refletir sobre perdas e ganhos acumulados em nossa vida e aquelas que ainda virão no futuro. Como resultado dessas reflexões fiz um inventário sobre quais são meus principais patrimônios imateriais. Mesmo sabendo que as perdas desses patrimônios são irreversíveis, outra pergunta era: o que fazer para adiá-las o máximo possível? É sobre isso que trata o livro, quais são meus patrimônios e o que fazer e como fazer para não os perder ou, pelo menos, adiar as perdas. Perguntando de outra maneira, como podemos viver longa e saudavelmente nos dias de hoje? A escrita teve início ainda no sossego amedrontado da pandemia e as ideias e os textos, em forma de crônicas, foram se juntando até formar um corpo compacto como foi publicado.
AL: No livro você fala sobre os seus cinco patrimônios? O que são esses patrimônios e como você lida com eles? É possível discorrer resumidamente sobre cada um deles?
PCSV: Os cinco “patrimônios” discorridos no livro são imateriais. São aquisições reunidas durante a vida em função do conhecimento, da maturidade e do trabalho. Representam aquilo que obtive na vida e não quero perdê-los facilmente. Quero que perdurem enquanto eu viver. O primeiro deles é o tempo. Tenho tempo e não quero gastá-lo com veleidades fazendo coisas que não quero e não gosto. Sei que é difícil porque nos relacionamos com as pessoas, então só admito gastar meu tempo com pessoas que são importantes para mim. O segundo tem a ver com meu propósito de vida e com a motivação que tenho para executá-lo com alegria. E meu propósito hoje, que considero uma missão de vida, é escrever histórias que tenham significado para muita gente e as ajude a se transformarem em pessoas melhores. Escrever, publicar e vender minhas histórias é meu propósito. O terceiro patrimônio são os afetos. Quero aumentar o número de afetos e trazer de volta afetos perdidos, aqueles reversíveis. O quarto patrimônio é a saúde financeira. No meu caso é recuperar minha saúde financeira, tão negligenciada em meus anos anteriores. E o quinto é minha sabedoria. Essa ninguém, nem nada nesse mundo, me tiram. Para conversar todos esses patrimônios devo seguir um modo de vida sustentável, dentro desses princípios.
AL: Paulo, você faz parte da Vivência Novos Autores, da Árvore das Letras, que é um encontro semanal juntamente com outros autores e autoras e até mesmo aspirantes à escrita. Como foi e está sendo para você essa experiência?
PCSV: Tem sido uma experiência fantástica. Nem sei quantas páginas já escrevi nesses dois anos de experiência com a Árvore das Letras. Porque ela, a Árvore, através da interação entre os participantes, nos trás temas para a exploração da criatividade e para a discussão entre os escritores do grupo. E o mais importante para os meus “patrimônios”: ganhei novos afetos, novos amigos que entraram para a minha lista de amigos imperdíveis.
AL: Ler é…
PCSV: Primordial para o aumento de nosso repertório linguístico tão necessário à nossa criatividade. Ler abre as cortinas das janelas e portas que nos permitem entrar em outros mundos, imaginários ou reais. É a leitura a ferramenta mais importante para a aquisição e manutenção do patrimônio “sabedoria”.
AL: Escrever é…
PCSV: Uma necessidade fisiológica, como comer e beber. As quatro necessidades básicas do ser humano são: viver, amar e ser amado, aprender e deixar um legado. Ler e escrever são atividades importantes para o atendimento dessas quatro necessidades.
AL: Ser escritor hoje no Brasil significa…
PCSV: Significa trabalhar duro, muita transpiração para cada inspiração. Significa garimpar leitores com bateias gigantes, significa ensinar a ler primeiro para depois apresentar seu livro, significa correr muitos riscos de se expor e não ter o retorno almejado, significa batalhar muito para mudar este quadro. O número de leitores, no Brasil, tem até aumentado, mas a qualidade da leitura ainda está muito aquém da desejada e necessária.
AL: Paulo, muito obrigado por sua presença aqui nesse espaço. Como as pessoas podem entrar em contato com você, comprar os seus livros, convidá-lo para eventos?
PCSV: Além dos comentários nos blogues colocados acima e também no site www.paulocezarsventura.com, pode ser também através do Instagram @paulocezarsventura bem como @rolimaeditora, do WhatsApp 31-995722702, e através do e-mail pcventura@gmail.com. Estou disponível para palestras e conversas com leitores principalmente nas escolas.
Sabe aquela história de estar no lugar certo na hora certa? Em uma tarde qualquer de um dia muito bonito entro em uma biblioteca e me deparo com uma pilha de livros dispostos em um canto no chão. — Por que esses livros estão aqui? — Estão condenados. — Como é que é?! Bem, desobri que passaram por uma espécie de pente fino e que muitos deles eram de edições muito ultrapassadas, além de outros tantos estarem avariados e impossibilitados para consulta e alguns até com fungos, o que poderiam contaminar os outros. — E o que farão com eles? — Serão descartados. Mas caso alguém queira… Reparei que muitos eram coleções, enciclopédias. Livros grossos, de capa dura. De fato, alguns apresentavam um estado muito deteriorado, o que era uma tristeza. Mas e os outros? E aquelas gravuras lindas? E o material que eram compostos, como papelão e cabeceado? Sem mais delongas! Recolhi o que poderia ser reaproveitado e dei àquela pilha de nada um novo porquê, uma nova vida e função. Não serviriam mais como livros, mas poderiam doar sua arte, ilustrações, matéria-prima e alma e metamorfosear-se em seus parentes mais próximos: lindos e expressivos cadernos para que novas histórias pudessem ser escritas. Assim nasceu a ideia da criação da coleção UM NOVO PORQUÊ, cadernos de tamanhos e modelos diversos utilizando o reaproveitamento desse material. A coleção será apresentada em evento on-line no dia 17 de fevereiro, sábado, às 17 horas. Até lá, acompanhe o processo de confecção em nossas redes sociais. Garanto que irá gostar.
Mbombô era uma jovem linda, que “arrasava” com a sua beleza interior e exterior, toda e qualquer mulher de Icolo e Bengo. Era muito querida por muita gente da comuna em que nascera Mazozo, mas em particular pelo Tony Feijó, ponta de lança e marcador de golos do Clube Desportivo “Os Bebês da Kasoneka”. Kasoneka era outra comuna de Icolo e Bengo, o municipio de onde partiram muitos heróis do 4 de Fevereiro de 1961 (início da luta armada contra o colonialismo português).
Bastante preservada que era nunca deu oportunidades a este rapaz que “driblava” bem a bola, nos variados campos daquela heróica terra, o Icolo e Bengo.
Por ser muito séria, era muito invejada por muitas moças da sua comuna e de outras. Chamavam-lhe de menina “Sleta”.
-Mbombô, de uma arquitectura de cobiçar, de cintura estreita, ancas avantajadas, desenhando uma linda guitarra, olhos grandes e redondos que por inveja as outras meninas daquela sanzala e outras a apelidavam de olhos de repolho, eram de facto uma (brasa). Aqueles lindos olhos atraíam os homens de Mazozo, Kasoneka, Kaxikane, Anduri, Ubulutu (Bom-Jesus), Inácio, Domingos João, Kalomboloka, Mbanza Malambo e não só. O seu olhar transmitia mensagens difíceis de decifrar.
No início do ano 1973, Mbombô de 17 anos, filha de pai guerrilheiro, recebeu a orientação para se dirigir a Luanda (capital de Angola) a fim de cumprir algumas missões do movimento de libertação a que pertencia seu pai. Apanhou o autocarro da empresa de transportes Fernandes & Filhos em Mazozo, desceu de fronte ao Cemitério Santa Ana, na estrada de Katete, onde era esperada por Rui de Carvalho, sobrinha do enfermeiro Mendes de Carvalho (Wa Nhenga Xitu, nacionalista da clandestinidade), e dirigiram-se à casa de seu tio que vivia em uma das ruas por detrás daquele campo santo, junto do Campo do Kubaza para receber as instruções que lhe recomendara o velho Domingos Kafala-(Velho Kafala) em Mazozo, “o cirurgião peniano”; assim era designado no município, pois circuncisou gerações e gerações do Icolo e Bengo.
Em casa de seu tio, o mais velho Noé Gaspar, Mbombô recebeu as instruções, e o pseudónimo de guerra “Pombinha Branca”, o qual devia ser usado a partir daquele momento nos contactos com os membros da luta da clandestinidade para a libertação de Angola do jugo colonial fascista português.
Recebera as devidas instruções e saíra para cumpri-las com Rui de Carvalho que recebeu o pseudónimo de guerra Wevu. Wevu era também um jovem da clandestinidade desde os 14 anos e naquela altura já possuia 19. Ele andava em todos os bairros de Luanda cumprindo ordens do movimento de libertação a que pertencia.
Assim, Mbombô conheceu Luanda, de muito viajar para aquela cidade, no cumprimento do dever para a libertação do povo angolano e apaixonou-se (no íntimo) pelo Wevu, numa bela tarde quando esperavam por Maciel da Gama, um militante da clandestinidade que tinha por missão mostrar o caminho para o encontro das células espalhadas naquela cidade pelo movimento de libertação.
No término de autocarros da Mutamba (centro da cidade capital de Angola) surgiram então as primeiras palavras de amor de Rui de Carvalho, pois os olhos dela seduziram-no, porque falavam bem alto a paixão que se manifestava na jovem Mbombô: – Eu “memo” “num” sei mais como dizer, mas… Eu “memo” estou apaixonado por ti! Desculpa mana… Quer dizer… Mas leva só este envelope “né”, pensa bem; o tempo que quiseres e me responde só!… Estou a te pedir muito, “lê só em casa” – dizia Rui de Carvalho que se apercebeu que ela também estava apaixonada por ele e aproveitou a oportunudade para declarar algumas palavras de amor.
Hum! Estás a pedir “muinto”… Você só falou isso agora e uma vez! – dizia Mbombô, sentindo-se valorizada.
– Quer dizer, eu sempre falei para ti no silêncio, mas… Sei que tu sabes jóia linda! Suplicava o jovem Wevu muito sério, dando um toque para endireitar a sua “dizamba”.
– Pombinha Branca franziu o rosto, pois não havia entendido bem a parábola e levou-a como tarefa para casa.
Mbombô sorriu, girou os olhos, com um sorriso ambíguo e fechado, olhou para ele debaixo para cima e disse para o Rui- linda balalaika! – está bem, vou ler e!… Não sei, espera!… Dizia a menina dos olhos redondos, olhando curiosamente no envelope dizendo em seu coraçao: Será que vou lhe dar o sim? Este mesmo me caíu, me “tambulou“ parece boa pessoa, vou perguntar “memo” no “ti” Noé.
Gostei do teu vestido, este tecido “jiloxo” é bem bonito e as pregas estão bem “passadas”. Será que és ciumenta?- dizia o apaixonado Wevu que sorria de mancinho, lambendo os lábios, seu coração papitava aceleradamente e dizia no silêncio “Yá waba mbá”.
– De repente, “kota” Maciel surgiu e antes da hora marcada, saudando usando a senha, “yá kala yá” e os dois responderam em unissono, “yá” (contra senha) e depois de um abraço entregou-lhes alguns documentos do movimento; deu às devidas orientações e o casal retirou-se apanhando o autocarro nº 16 que terminava de fronte a sede do Clube Desportivo Terra Nova, e daí rumar para o Reordenamento do Rangel onde se hospedava em casa de seu tio Bartolomeu Kafala, o velho que na clandestinidade era conhecido pelo nome “Cabeça”.
A menina dos olhos de repolho desceu na paragem do “Kaputu”.
Mbombô atravessou a Avenida Brasil dirigindo-se à rua número 23 do Reordenamento do Rangel e Wevu seguiu viagem até ao término do autocarrro, ali na Terra Nova, junto à sede do Desportivo do mesmo nome.
FIM (da I parte)
SIGNIFICADO DE ALGUMAS PALAVRAS DO TEXTO
Alembamento ou Alambamento– casamento tradicional, para os da tribo kimbundu.
Balalaika– camisa de estilo africano que se usava muito no tempo colonial e possuia uma abertura nos lados e bolsos à frente (estilo goiabeira).
Dizamba– chapéu com aba grande, fabricado de folhas de uma pequena árvore que não dá frutos designado em Angola por a “Mateba”, abundante no norte e sul.
Jiloxo– tecido estampado, de cor azul escuro, muito utilizado no período colonial e estava na moda.
Kaputu– designação em kimbundu que significa pequeno português. Na língua Kimbundu o prefixo “Ka”faz o diminutivo de uma palavra. Putu é o mesmo que português.
Kasoneka– do Kimbundu (Soneka-escrever, ka- faz o diminutivo-radical pré – nominal). Nome atribuido a aquela comuna porque os nascidos nesta praticavam muito a leitura e da escrita, quer dizer assimilavam com muita facilidade tudo.
Kaxikane– comuna do Município de Icolo-e-Bengo, significando – vai-vê-e acredita.
Kimbundu– língua nacional angolana falada, principalmente, nas províncias de Kota – Kimbundu, designação que se dá a um mais velho por respeito- dikota- Grande Kota.
Kubaza– Nome de uma Aldeia do Município de Icolo-e-Bengo. (nome atribuído a um campo pelado do bairro popular).
Mazozo, Kalomboloka, Kasoneka, Kaxikane, Ubuluto-Bom-Jesus, Anduri, Inácio, Domingos João, Mbanza Malambu – comunas do município do Icolo e Bengo em Luanda (capital de Angola).
Mbanza Malambo– do kimbundu (cidade Malambo; Malambo é um nome).
Mbombô– nome atribuído às meninas que nascem depois de gêmeos. De origem Kimbundu– região do Icolo-e-Bengo.
Memo– significa mesmo. Muitos angolanos pronunciam a palavra mesmo sem o s. Linguagem popular.
Muinto– Muito, (muitos angolanos pronuciam muinto em vez de muito). Linguagem popular.
Num– significa não. Muitos angolanos, em vez de não dizem “num”, dependendo da frase. Linguagem popular.
Sleta– adjectivo dado às mulheres com características especais;
Tambulou– do Kimbundu, tambula, do verbo receber em portugues. Palavra já aportuguesada. Línguagem popular.
Ti – diminutivo de tio. Muitos angolanos, em vez de dizerem tio, pronunciam “ti”. Linguagem popular.
Ubulutu– da língua Kimbundu (Bom-Jesus).
Wevu– Em kimbundu, significa ouviste, forma do verbo ouvir, no pretérito perfeito, na 3ª pessoa do singular, indicativo.
Yá waba mbá– Kimbundu (língua nacional angolana), significando está bom, sim! Yá waba- Está bom.
Yá kala yá– é um slogan na língua nacional Kimbundu. (Este slogan foi muito utilizado na luta urbana de libertação nacional, significando está tudo bem)? A resposta é“yá”- significando que sim, está tudo bem.
________________________
* Kafala Tibah é pseudónimo literário de Moisés Kafala Neto, nasceu aos 05 de Dezemro de 1962 em Luanda, onde fez o ensino primário e secundário. É Licenciado em Ciências da Educação pelo ISCED (Instituto Superior de Ciências da Educação) de Luanda, na Opção de Ensino da Matemática. É Mestre em Infomática Educativa, Doutorado em Ciências Pedagógicas, é Perito Forense e foi funcionário sénior do extinto Ministério do Ensino Superior de Angola e também Presidente do Instituo Superior Politécnico Privado do Kilamba- ISPKILAMBA. Actualmente exerce a função de Vice-Presidente para a área Científica do Instituto Superior de Angola.
É amante de literatura e membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola, desde 1989. Tem participação de trabalhos em Revistas Científicas da América Latina e em antologias poéticas. Participou em eventos internacionais sobre a cultura, particularmente no “Fenacult”. Fala fluentemente português, espanhol e kimbundo.
________________________
A Quarta Literária é uma ação da árvore das Letras de fomento à literatura independente.
Participe da Vivência Novos Autores, um encontro on-line semanal de leitura e produção literária. Saiba mais AQUI.
Você certamente já ouviu falar sobre os clássicos da literatura: Machado de Assis, Dostoiévski, Victor Hugo, Jane Austen, Tolstói, Cervantes, só para citar alguns.
Mas você sabe o que realmente eles significam? Sabe o que eles são e, principalmente, por que são considerados clássicos?
Bem, antes preciso dizer uma coisa. A leitura sempre foi para mim um alimento. Ela estimula o raciocínio, melhora o vocabulário, melhora a capacidade de interpretação, além de proporcionar um conhecimento amplo de todas as coisas.
Ler desenvolve a criatividade, a imaginação, a comunicação, o senso crítico e amplia a capacidade de escrita. Ler é simplesmente a maior metamorfose das nossas vidas.
Com tudo isso, podemos pensar: se ler é tão bom assim, qual o motivo de haver pessoas que dizem não gostar de ler, ou mesmo encontram tanta dificuldade em algo tão simples e prazeroso?
Porque, como dizia Shakespeare, em Hamlet, “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia”.
Ou, mais a propósito, porque entre a obrigação e o prazer há uma grande diferença, assim como entre o discurso e a prática.
Sempre acreditei na leitura do prazer, da descoberta, do estímulo, da junção das artes musicais, manuais e visuais e principalmente do brincar. Ler precisa ser divertido e acima de tudo fazer sentido para si e para o outro. Quando isso existe a magia acontece e o leitor é formado.
Mas há um ponto de fundamental importância: engana-se quem pensa que isso é adquirido de uma só vez. É preciso tempo, carinho, paciência e conhecimento para subir degraus. Contudo, se a condução for bem feita, a chegada é certa. É preciso, pois, saber conduzir este encontro, porque é natural gostar de ler.
Como diz Carlos Felipe Moisés, no seu livro “Poesia não é difícil”, “não há idade mais propícia à poesia do que a juventude: é a idade da autodescoberta e da descoberta do mundo, da curiosidade ilimitada, da imaginação generosa, do desejo de compreender, e também do espírito crítico aguçado, das dúvidas e incertezas, das experiências decisivas, que costumam marcar para o resto da vida. Não é de surpreender, portanto, que todos amem poesia.” Assim acontece não somente com a poesia, mas com todos os gêneros literários, sejam eles romances, contos ou crônicas.
E aqui lanço olhos para uma leitura muito importante dita lá em cima, no início dessa conversa: os clássicos.
Importante porque os clássicos significam o topo da escada literária, e eles não são considerados clássicos por acaso. São obras alinhadas com os nossos mais profundos sentimentos.
Os clássicos atravessam os séculos e sempre se apresentam como atuais ao fazerem um grande sentido em nossa formação humana, porque nos convidam e nos motivam a refletir sobre a essência da vida. Essa é a principal característica de um clássico e o faz ser considerado como tal.
É preciso entender: longe de carregar todo o estigma de ser difícil e maçante, um clássico sempre tem voz, e nunca, nunca mesmo nos sentimos mal em frente a algo que nos completa.
Portanto, acredite! Os clássicos não são inacessíveis, é exatamente o contrário, eles dialogam com tudo e todas as respostas estão lá. Basta darmos uma chance a eles e a nós mesmos. Mas repito: é preciso saber conduzir esse caminho.
É esse o motivo de trabalharmos na Árvore das Letras a formação de Mediadores de Leitura em conjunto com a contação e mediação de histórias desde a infância, e seguimos em oferecer uma imensa diversidade de gêneros por meio de Clubes de Leitura, tanto presencial quanto on-line, para que os momentos sejam respeitados e os livros, inclusive os clássicos, façam parte natural da nossa existência, a nos tornarem pessoas melhores e esclarecidas. Isso faz toda a diferença no nosso futuro.
Deixo aqui um apanhado geral de quatro motivos para ter os clássicos sempre por perto e dar a eles uma chance de leitura:
Primeiro, um clássico é uma obra atemporal; ela é atual independente da época lida.
Segundo, ele está mais próximo de nós do que podemos imaginar, pelo simples fato de falar sobre os nossos mais profundos sentimentos.
Terceiro, é uma maneira de conhecermos a história do mundo não apenas por um ângulo ou fato, mas ter a oportunidade de ampliar nossas percepções, escolhas e entendimentos.
E quarto, é uma oportunidade de viajar por outras línguas e culturas.
Vamos disseminar essa grande paixão? Acredite, estaremos a construir um mundo muito melhor.
Participe dos nossos Clubes de Leitura. Veja AQUI como é possível e como funciona. Ou entre em contato. Terei muito prazer em conversar com você.
________________________
Bem, espero que essa leitura tenha te inspirado a ler ou mesmo a reler os clássicos. Aliás, qual é o seu preferido ou qual você tem vontade de ler e ainda não leu? Diga aqui nos comentários.
— Olá, boa tarde! Poderia me informar que horas são?
— Boa tarde! Você quer enformar qual pão?
— Não, não…quero saber o horário de agora!
— Ah, claro! São 16h. – respondeu o padeiro.
— Nossa, então preciso me apressar!
— Que coincidência! Eu estava indo agora mesmo apreçar, você vai comigo?
— Vou aonde? – perguntou.
— Apreçar os pães, uai! Logo os clientes chegam aqui.
Sem entender nada, resolveu ir embora.
— Olha, obrigado! Já vou indo, meu caminho é bem comprido.
— Ah, eu também estou cumprindo direitinho minha função! Recebo muitos elogios, todos os dias.
— Seus pães são ótimos mesmo, Sr. Padeiro, uma pena essa inflação, estão cada dia mais caros….
— O que foi que você disse? – o interrompeu o padeiro. – Eu não cometo infração nenhuma aqui não! Sou muito cuidadoso com o meu trabalho.
— Calma, não fique bravo não, afinal isso é eminente!
— O que está iminente? Qual infração??
Respirando fundo, continuou a se explicar:
— Fique calmo Sr. Padeiro, sei bem de sua intenção, não se irrite!
— Bom, isso é bem verdade! É preciso muita intensão para fazer pães caseiros.
E cansado de toda aquela confusão, achou melhor se despedir e finalmente seguir seu caminho. Afinal, só havia entrado na padaria para perguntar as horas.
Antes de ir, achou correto se apresentar:
— Sr. Padeiro, meu nome é Sinônimo, qual é o seu?
— Eu me chamo Antônimo!
________________________
* Kaká Bertoldo é integrante da Vivência Novos Autores, um encontro on-line semanal de literatura.