
Por Cecília Andrés Caram
Gostaria de plainar acima dessas folhas outonais, em vez de craquela-las com meus passos.
Cobrem toda a terra e não me deixam brechas entre elas.
Vou devagar e longe de meus 9 amigos, entretidos com selfies, no parque da casa onde nasceu Chopin.
Tarde gelada e vento que desnuda as castanheiras. Pingos finos como fios de seda vindos enviesados das escuras nuvens não me incomodam.
As folhas são tapetes no solo polonês de Zelazowa Wola, vilarejo com 65 habitantes, perto de Varsóvia.
Apanho uma… outra… depois outra. Sinto o aroma úmido segurando algumas, as mais inteiras. Têm a mesma forma dos maples, que sempre me causam espanto e fascinação.
Entregue ao momento, começo a escutar músicas advindas das árvores. Caminho e o som me acompanha. Demoro a assimilar o que mais me parece ser um passe de mágica: TODAS elas tocam Chopin.
Já não distingo se escuto sonata, polca ou réquiem…
Não importa. Agora predomina meu lado direito do cérebro: pura sensibilidade. Como a dele, que dizia não saber exprimir sua intimidade de outra maneira.
Vislumbro ao fundo a casinha pequena e clara, que abre as portas para nós, tão somente.
Atravesso uma ponte, prossigo. Quero deitar nas folhas, meditar. Mas urge o tempo.
Já na porta de entrada perco o fôlego ao me deparar com o último piano tocado por Chopin em sua maestria, especialmente com a mão esquerda, tendo composto desde os 8 anos de idade.
Meus olhos percorrem cada detalhe, não ficando alheia à lareira e a 2 poltronas de veludo azul-piscina junto a ela, naquela sala sob medida e pra nada mais. Qualquer móvel adicional desvirtuaria seu clima uterino, aconchegante e protetor – aliás, Chopin nascera exatamente ali em 1810.
Polonês da gema, morando em Viena e Paris, pediu à sua irmã que levasse seu coração para sua terra natal, depois que despedisse de suas músicas nesse universo.
Ela o lacrou num cristal com conhaque, e lá está ele, habitando às escondidas, numa das colunas da Igreja de Santa Cruz, em Varsóvia.
Eu rezei ali. Quis vê-lo com suas veias e partituras ali gravadas, pulando com destreza pelo teclado Pleyel.
Lembrei que seus amigos poloneses levaram e espalharam um pote de terra até seu túmulo em Paris. Assim ele dormiria no Père Lachaise, mas com terras polonesas.
Voltando à casinha, visitei todos os mini cômodos, visualizando a família de 4 irmãos, o pai professor de origem polonesa e a mãe pianista.
Fechei os olhos, colocando as sensações em minha memória.
Levando o piano em mim, recolhi algumas folhas. Aconcheguei-as em meu cachecol. Preferi o frio e os fios do chuvisco, a não levá-las comigo.
Agora, despeço do jardim, céu escuro e clarão na alma, reconhecendo a “Heroica”, vinda das castanheiras, sendo a cada instante mais e mais desnudadas, para hibernarem nas raízes, suas seivas, até a próxima primavera.
Saindo, a igreja que batizou Chopin nos convidou a participar de uma missa. Ajoelhei. Apertei minhas folhas nas mãos e viajei pelo tempo: Chopin abandonara a religião e, já quase à morte, aos 39 anos, sofrendo de problemas respiratórios, pedira a um padre em Paris que o aceitasse como católico novamente.
Continuei absorta pela experiência vivida, setembro de 2018, espalhando as relíquias para secarem no quarto do hotel.
Em que salas de concertos e em que escolas sobrevivem mundo afora os “nocturnes”, os “etudes”, as ” sonatas”, os “preludes”, as “polonaises”, as “barcarolles”?
“Onde meu tesouro está, estará também seu coração”.
Chopin está vivo.
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O outono de Chopin é uma história do livro “Terna Memória – descobrindo artistas em viagens”, da escritora Cecília Andrés Caram. A obra relata memórias de viagens da autora. As folhas da imagem foram colhidas no jardim da casa de Chopin, quando lá esteve, e carinhosamente doadas pela Árvore das Letras. A publicação do livro foi feita pelo selo Alforria Literária e é fruto da Vivência Novos Autores, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos.
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Para entrar em contato com a autora, acesse:
https://www.instagram.com/ceciliaandrescaram/
Forte abraço!
Até a próxima.









