OUTONO DE CHOPIN

Por Cecília Andrés Caram

Gostaria de plainar acima dessas folhas outonais, em vez de craquela-las com meus passos.

Cobrem toda a terra e não me deixam brechas entre elas.

Vou devagar e longe de meus 9 amigos, entretidos com selfies, no parque da casa onde nasceu Chopin.

Tarde gelada e vento que desnuda as castanheiras. Pingos finos como fios de seda vindos enviesados das escuras nuvens não me incomodam.

As folhas são tapetes no solo polonês de Zelazowa Wola, vilarejo com 65 habitantes, perto de Varsóvia.

Apanho uma… outra… depois outra. Sinto o aroma úmido segurando algumas, as mais inteiras. Têm a mesma forma dos maples, que sempre me causam espanto e fascinação.

Entregue ao momento, começo a escutar músicas advindas das árvores.  Caminho e o som me acompanha. Demoro a assimilar o que mais me parece ser um passe de mágica: TODAS elas tocam Chopin.

Já não distingo se escuto sonata, polca ou réquiem…

Não importa. Agora predomina meu lado direito do cérebro: pura sensibilidade. Como a dele, que dizia não saber exprimir sua intimidade de outra maneira.

Vislumbro ao fundo a casinha pequena e clara, que abre as portas para nós, tão somente.

Atravesso uma ponte, prossigo. Quero deitar nas folhas, meditar. Mas urge o tempo.

Já na porta de entrada perco o fôlego ao me deparar com o último piano tocado por Chopin em sua maestria, especialmente com a mão esquerda, tendo composto desde os 8 anos de idade.

Meus olhos percorrem cada detalhe, não ficando alheia à lareira e a 2 poltronas de veludo azul-piscina junto a ela, naquela sala sob medida e pra nada mais. Qualquer móvel adicional desvirtuaria seu clima uterino, aconchegante e protetor – aliás, Chopin nascera exatamente ali em 1810.

Polonês da gema, morando em Viena e Paris, pediu à sua irmã que levasse seu coração para sua terra natal, depois que despedisse de suas músicas nesse universo.

Ela o lacrou num cristal com conhaque, e lá está ele, habitando às escondidas, numa das colunas da Igreja de Santa Cruz, em Varsóvia.

Eu rezei ali. Quis vê-lo com suas veias e partituras ali gravadas, pulando com destreza pelo teclado Pleyel.

Lembrei que seus amigos poloneses levaram e espalharam um pote de terra até seu túmulo em Paris. Assim ele dormiria no Père Lachaise, mas com terras polonesas.

Voltando à casinha, visitei todos os mini cômodos, visualizando a família de 4 irmãos, o pai professor de origem polonesa e a mãe pianista.

Fechei os olhos, colocando as sensações em minha memória.

Levando o piano em mim, recolhi algumas folhas. Aconcheguei-as  em meu cachecol. Preferi o frio e os fios do chuvisco, a não levá-las comigo.

Agora, despeço do jardim, céu escuro e clarão na alma, reconhecendo a “Heroica”, vinda das castanheiras, sendo a cada instante mais e mais desnudadas, para hibernarem nas raízes, suas seivas, até a próxima primavera.

Saindo, a igreja que batizou Chopin nos convidou a participar de uma missa. Ajoelhei. Apertei minhas folhas nas mãos e viajei pelo tempo: Chopin abandonara a religião e, já quase à morte, aos 39 anos, sofrendo de problemas respiratórios, pedira a um padre em Paris que o aceitasse como católico novamente.

Continuei absorta pela experiência vivida, setembro de 2018, espalhando as relíquias para secarem no quarto do hotel.

Em que salas de concertos e em que escolas sobrevivem mundo afora os “nocturnes”, os “etudes”, as ” sonatas”, os “preludes”, as “polonaises”, as “barcarolles”?

“Onde meu tesouro está, estará também seu coração”.

Chopin está vivo.

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O outono de Chopin é uma história do livro “Terna Memória – descobrindo artistas em viagens”, da escritora Cecília Andrés Caram. A obra relata memórias de viagens da autora. As folhas da imagem foram colhidas no jardim da casa de Chopin, quando lá esteve, e carinhosamente doadas pela Árvore das Letras. A publicação do livro foi feita pelo selo Alforria Literária e é fruto da Vivência Novos Autores, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos.

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Para entrar em contato com a autora, acesse:
https://www.instagram.com/ceciliaandrescaram/

Forte abraço!

Até a próxima.

DEUS TE LIVRE, LEITOR, DE UMA IDEIA FIXA – ASSIM DISSE BRÁS CUBAS

Por Leandro Bertoldo Silva

Machado de Assis foi, se não o primeiro, sem dúvidas o principal responsável por fazer explodir em mim a vontade de escrever. Já trouxe o bruxo do Cosme Velho aqui nos primórdios desse blog. Você pode conferir um artigo dedicado a ele clicando AQUI.

Mas volto a Machado por duas razões: primeiro para dizer algo curioso para alguém que, como eu, o tenho como um dos meus pais literários.

O meu primeiro contato com o bruxo foi igual ao de muitas e muitas pessoas, ou seja, traumático. Não tinha como ser diferente. Um pré-adolescente mal saído das fraldas do ensino fundamental, não tem a mínima condição de ler e muito menos de compreender seja lá o que for de literatura clássica, ainda mais em se tratando de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Pois foi justamente esse o primeiro livro de Machado de Assis caído em minhas mãos. Quanta loucura de uma professora ou professor, já não me lembro, mas recordo das noites mal dormidas por achar a literatura um monstro horripilante a puxar-me os pés por debaixo da cama.

Antes de continuar, permita-me um desabafo não muito carinhoso, mas necessário. A literatura é uma escada muito alta e para se chegar até o topo é preciso subir degraus. Não se lança uma criança do primeiro ao último degrau de uma só vez ao exigir a leitura de obras clássicas no inicio do ensino fundamental. Isso só serve para desconstruir leitores e fazer do aluno e aluna pessoas a odiarem os livros. Deixem, portanto, de arbitrariedade, professores e professoras. Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, assim como Drummond, Clarice e tantos nomes maravilhosos das nossas letras, são degraus a serem subidos com calma e inteligência. Seus alunos chegarão lá naturalmente. Caso consigam terão feito o trabalho ao qual foram chamados a fazer. Fim do desabafo.

No entanto, seja pelos deuses ou deusas da literatura ou uma professora mais sensível, preparada e inteligente, fui uma das crianças resgatadas do fundo do abismo. E imagine! Logo o autor que eu tinha tanto para odiar é hoje o meu escritor de referência. E sabe qual o meu livro de cabeceira, aquele revisitado tantas e tantas vezes e assim ainda será outras tantas? Justamente! Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Como não ficar fascinado, não com um autor defunto, “mas com um defunto autor para quem a campa foi outro berço”? Imaginar um personagem voltar do além para contar as suas historias enquanto aqui vivia, além de inspirar-me outros causos e memórias, fez tudo passar a ter sentido, inclusive os capítulos outrora indecifráveis. Não, não foi de uma hora para outra, foi necessário ser conduzido, e bem conduzido, como eu disse há pouco, por uma mestra. E quando eu consegui vislumbrar tal obra de arte, eis que acontece comigo o mesmo ocorrido a Brás Cubas: uma ideia fixa! Valha-me Deus! “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa”, assim disse Brás Cubas ao cabo do capítulo IV de suas memórias. Para saber qual é, vá, pois, ao capítulo e ao romance. Aqui expressarei a minha ideia fixa, tão fixa que convivi com ela durante anos. Tempo suficiente para sentir-me preparado, embora saiba do longo caminho a percorrer de agora em diante.

O que estou a dizer?

Aqui vai a segunda razão! Algum tempo hesitei se deveria ou não reescrever Memórias Póstumas de Brás Cubas em haicais! Aí está, sem mais nem menos. Minto, vou um pouco além para que perceba a loucura em que me meto.

Haicai é um micro poema de apenas 3 versos, ao perfazer um total de 17 sílabas gramaticais ou poéticas, sendo o primeiro verso de 5 sílabas, o segundo de 7 e o terceiro novamente de 5, salvo algumas regras permitidas pela nossa Língua Portuguesa. Ora, reescrever todo o romance em poesias minúsculas, com início, meio e fim, parece pouco se não fossem 160 capítulos, curtos na verdade, uma das características do Realismo, mas lá se vão algo em torno de 200 páginas…

Não sei quanto tempo levarei nessa empreitada, mas sei como é prazeroso um desafio literário. O melhor disso é conviver de perto com este ícone das nossas letras, lê-lo, relê-lo, ler novamente e sorver de sua pena a arte mais pura e genuína, transformando-a em algo a poder conduzir naquela escada cheia de degraus alguém a ser salvo ou salva do fundo do abismo…

Minha escrita terá outros suportes antes do livro. Aqui deixo, em vídeo, o primeiro capítulo, onde se trata do óbito do autor.

Desejo-lhe boa leitura e convido a vir comigo nesse delicioso passeio.

Forte abraço.

Até a próxima.

O TAMANHO DOS SONHOS

Por Paulo Cezar S. Ventura

Sonhos não devem ser espalhados. Só podem ser cochichados em orelhas amorosas e amigas.

Depois do acidente com o componente da banda Paralamas de Sucesso, Herbert Viana, que o deixou paralítico e matou sua esposa, os voos de ultraleve saíram de moda. Quase não se fala mais neles. Talvez a modernidade aeronáutica tenha decretado sua falência, afinal, espera-se por voos individuais com um motor às costas e propulsor nos pés, não se sabe.

Vô Ventura(eu) sempre gostou de voar. Tem mais horas de voo que urubu de meia idade e pensa em abrir uma escola de pilotagem para pássaros jovens. Se será um sucesso nunca se sabe. Os empreendedores de carteirinha sempre dizem que um bom começo é a ideia original. Mais original que isso?

O fato é que os voos foram diminuindo e hoje, para visitar a filha custa uns dois mil reais, ida e volta, mais deslocamentos aos aeroportos, mais o lanche nas horrorosas horas de espera no aeroporto de conexão, esses e outros voos se tornaram impossíveis. Voar, só em sonhos.

Já que é assim, Vô Ventura sonha e voa. A ordem dessas ações não importa: sonha e voa tanto quanto voa e sonha. Acordado e dormindo. Voos imaginários, porque o que faz, de fato, é caminhar. Não pode ver uma montanha que sonha em voar sobre ela. O problema, um grande problema: as montanhas, hoje, têm donos. As mineradoras são donas de metade delas e fecham suas entradas; os condomínios são donos da outra metade e também fecham suas entradas. A última vez que passou por debaixo de uma cerca encontrou um cão bravo e um vigia atrás dele. Ainda bem que o vigia foi esperto e mandou o cão parar. Só pegou o bolso traseiro de sua bermuda.

O que sobrou, Vô Ventura? Apenas as caminhadas urbanas e algumas caminhadas em grupo pagando um tanto pelas pousadas e pela segurança. Pagar para caminhar, é o que resta aos caminhantes de hoje. Ou simplesmente seguir pelas estradas sob o risco de atropelamentos. Cadê São Cristóvão, o padroeiro dos caminhantes? Perdeu o emprego. E nossos sonhos diminuíram de tamanho! Mas ainda são sonhos e eu os coloco do tamanho que quero.

Abaixo todas as cercas e todas as fronteiras!

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O tamanho dos sonhos é uma história do livro “O encontros das improbabilidades”, do escritor Paulo Cezar S. Ventura. A obra, publicada pela Árvore das Letras, através do selo Alforria Literária e parceria da Editora Rolimã, é fruto da Vivência Novos Autores, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos.

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Para adquirir o livro “O encontro das improbabilidades”, entre em contato com a autor no perfil https://www.instagram.com/paulocezarsventura/

Forte abraço!

Até a próxima.

COM A PALAVRA *

* Título da publicação especial dos discursos acadêmicos Vol. 1 – 2006-2013, da Academia de Letras de Teófilo Otoni.

Por Leandro Bertoldo Silva

Dia 07 de outubro de 2023 estarei tomando posse como membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni, onde irei ocupar a cadeira nº 27, cujo patrono é Luiz Gonzaga de Carvalho.

Essa honraria veio 11 anos após a minha nomeação, na mesma Academia, de onde jamais me afastei, como membro correspondente.

Quando olho o tempo pretérito da vida, de 2012 para cá, as pessoas conhecidas a tornarem-se amigas, outras a chegarem a assumirem o seu lugar em mim e tantas coisas a poetizar caminhos escritos e versejados, vejo que tudo tem seu momento. Foi preciso amadurecer letras e prosas para poder sentir a vida e fazer brotar um novo impulso para o futuro.

O nascer do sol…

Que dia será esse?

Apostas incertas…

Sim, este ainda virá, mas o que vivo hoje é fruto destas palavras compartilhadas no dia 15 de dezembro de 2012, na sessão solene de posse, como então membro correspondente, onde, na ocasião, disse assim:

Inicialmente, quero agradecer a Deus, razão maior de todas as conquistas. Quero saudar e agradecer aos acadêmicos e confrades da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni, na pessoa do acadêmico e professor Wilson Colares da Costa e professora Elisa Augusta de Andrade Farina, presidente desta tão importante instituição. Quero externar minha mais alta gratidão à escritora e também acadêmica e amiga, Marlene Campos Vieira, de onde partiu minha indicação para ser agraciado com este título que muito me responsabiliza, e também à acadêmica e amiga Neuza Ferreira Sena, que fortaleceu e consolidou esta indicação tornando-a realidade. […]

À minha querida esposa, Geane Matos, e minha filha Yasmin Bertoldo Silva Matos, pelo amor, pelo carinho, pela força, pelas renúncias e compreensão de meu trabalho e amor pelas letras.

Por fim, agradeço a todos os meus familiares, presentes e ausentes. Mas quero agradecer especialmente e dedicar esta conquista a duas pessoas de extrema importância em minha vida. Pessoas que foram responsáveis por eu estar aqui nesse lugar de honra tão abençoado. Pessoas que se doaram, literalmente, e não mediram esforços para que eu me tornasse um ser humano digno e um homem de bem; que me ensinaram o valor do estudo, do esforço, da fé em Deus e na vida. Pessoas que, por mais que eu agradecesse, ainda ficaria em débito e que por isso, e muito mais, os tenho como heróis: meus pais – Aniel Rocha da Silva e Maria Elena Bertoldo da Silva. Pai, mãe, muito obrigado do fundo da minha alma.

Estar aqui hoje é como um sonho acordado. Esses são os melhores, pois não acabam, permanecem. Ser um acadêmico é ter o seu nome registrado para a eternidade. Olavo Bilac, quando perguntado por que os acadêmicos são chamados de imortais, em resposta ele disse “porque eles não têm onde cair mortos”, mostrando a irreverência de um grande poeta. De qualquer forma, esta condição traz a responsabilidade perene desta honraria. Talvez eu devesse proferir belos poemas ou frases memoráveis, referindo-me a alguns gigantes da literatura que me encantam tanto. Mas creio ser mais sincero e autêntico comigo mesmo e com todos se em vez de belas citações, abrir meu coração e deixar transbordar meus mais sublimes sentimentos de emoção. […]

Neste momento em que passo a integrar esta instituição como um de seus membros correspondentes, explode em mim a vontade de transformar meus escritos, artigos, contos e publicações em algo mais substancial, pois, afinal, encontro-me na presença de ilustres acadêmicos e personalidades, em sua grande maioria com obras já consolidadas e devidamente reconhecidas como parte da história literária e cultural de Teófilo Otoni. De tudo uma certeza: venho para somar. Mas certamente ganho o presente da aprendizagem e bênção de fazer parte deste seleto mundo dos escritores que tem, nesta casa, grandes representantes. Este é o sonho realizado e a oportunidade que me é dada, a qual devo honrar como um de seus filhos. É bem verdade que as oportunidades não acontecem por acaso ou de uma hora para outra. Tenho consciência que elas foram sendo construídas ao longo de muitos anos à base de muito esforço e trabalho. Essa condição, inclusive, nunca acaba; continua sendo necessário o empenho diário. E é bom que seja assim. É o lado positivo da insatisfação, do querer ir além, do não acomodar, do querer aprender por saber que, assim, podemos nos doar mais, com mais qualidade.

Muitas coisas eu ainda poderia dizer, muitas pessoas eu poderia citar, mas como se trata de um espaço predominantemente literário, deixarei que as palavras falem por mim de agora em diante.

Escrever… Dizer o que está por dentro, juntando sentimentos em palavras alucinadas, loucas, desvairadas que, quando encontradas, se acalmam. Será? Não sei… O que sei é que assim, minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.

Obrigados a todos de coração e está dito o necessário.

Muito obrigado.

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Bem, aí está. Agora, 11 anos depois, deixo aqui o convite para a solenidade de posse para membro titular, a acontecer no dia 07 de outubro, às 19 horas, na Câmara Municipal, em Teófilo Otoni. Viva as letras! Viva a literatura! Viva a ALTO!

Saudações acadêmicas.

Forte abraço!

Até a próxima.

É COMO SE

Por Patrícia Vaucher

Há momentos em que somos provocados a escrever um novo capítulo de nossas vidas. Isso surge quando o que estamos vivendo não faz mais sentido para uma alma que cresceu além dos limites impostos. Com o passar dos anos as coisas que foram vividas vão repousando suavemente no passado, encontrando seu assento. Mas vivemos montados em dias que correm, deslizam na rapidez das horas deixando escapar no movimento a paisagem que muda incessantemente cumprindo seu papel impermanente, e quando nos olhamos no espelho vemos alguém que já não é mais quem era. Esse é o ponto, essa é a hora. Hora de confrontar quem realmente está ali a nos mirar, quem é ela/ele?

Foi assim que aconteceu naquele final de inverno. Chovia muito naquela noite. Ela dormia profundamente. De repente parecia que tinha saltado da cama com uma carga extra de energia, coisa rara. Estranhou, mas não questionou, queria mesmo era aproveitar as horas para colocar em ordem os amontoados de estudos, leituras e demais afazeres do dia a dia. Correu até o banheiro jogou um pouco de água gelada nas faces. Secou o rosto e ao olhar-se viu refletida no espelho a imagem de uma mulher. Quem era ela? Parecia indagar-lhe algo. Olhou detidamente aqueles olhos misteriosos que brilhavam num tom azulado como o oceano. Não hesitou nem por um instante, mergulhou em águas profundas.

A partir dali assistiu várias cenas de sua vida como num filme. Algumas eram fiéis aos fatos, outras pareciam um pouco distorcidas, as melhores eram aquelas que contavam sua história como ela desejaria que tivesse sido. Riu, chorou, desesperou, esperançou. A cada imagem que assistia seu corpo ia se transformando e junto a ele, algo do lado de dentro também precisava se encaixar à nova forma do corpo. O processo era bastante dolorido.

Então sonhou… No sonho ela era aquela mulher do espelho. Entendia a vida de outra forma. Parecia que tudo tinha se invertido, sentia as coisas com o coração. Enxergava o mundo através das essências e não mais a partir dos olhos do ego. Entendeu que todas as coisas eram exatamente como tinham que ser e foi aí que tudo começou a fazer sentido para ela. Entendeu finalmente o verdadeiro motivo de estar viva.

Acordou sabendo que tinha sonhado com algo muito especial apesar de não lembrar muita coisa. Inconscientemente inspirada, viveu a partir daquele dia com uma enorme sensação de pertencimento, apesar da pacata vida social que levava. Nunca tinha vivido algo assim. Nada mais lhe faltava. Tampouco tinha necessidades. Sonhava em compartilhar com as pessoas sua descoberta. E deve ter sonhado muito desde então, inspirou milhares a seguirem seus corações, enfrentando seus medos, superando desafios, entusiasmados pelo simples ato de viver sonhando acordado.

Acredite! É muito mais simples do que parece, dizia ela.

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Nascituro é um livro de Patrícia Vaucher, fruto da Vivência Novos Autores, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos. Patrícia traz em sua obre uma interatividade inovadora: cada história é acompanhada por uma consigna, que é uma forma de promover o aprendizado e a reflexão a partir de um caminho sugerido. A consigna dessa história é a que vem a seguir:

Sonhar! Quando somos provocados a sonhar geralmente imaginamos coisas mirabolantes que gostaríamos de fazer ou possuir. Porém a vida exige mais de nós. Qual seria o verdadeiro sonho a ser sonhado?

Você pode escrever, caso queira, aqui nos comentários, ou enviar também para a autora.

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Para adquirir o livro “Nascituro”, entre em contato com a autora no perfil https://www.instagram.com/patricia_vaucher/

Forte abraço!

Até a próxima.

SIM, EU TAMBÉM JÁ ESCREVI CARTAS DE AMOR

Por Leandro Bertoldo Silva

Como diz Fernando Pessoa:

“Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas”.

Mas deixa claro…

“Só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”.

Concordo tanto com Fernando Pessoa que já me dava por escrevedor de cartas de amor antes mesmo de conhecê-lo. Não porque elas eram direcionadas a alguém, pois as escrevia para que alguém tomasse posse delas e preenchesse o que faltava. Assim, andava a escrever aos ventos, às árvores, aos pássaros e algo curioso aconteceu: ninguém veio ocupar o seu lugar. Com isso, elas se perderam. Mas o tempo, seja lá o que ele for, é generoso, e no dia 18 de março do ano 2000, um mês após estar com quem estou há 23 anos, descobri que todas as cartas viraram poesia. A diferença é que elas, sim, tinham um destino: Geane Matos. Deixo aqui o que foi dito naquele dia, não sem antes uma advertência!

Poderia muito bem fazer várias emendas de linguagem e outras alterações para darem às palavras um estilo mais afeito ao que hoje se tornou a minha escrita. Mas iria junto a feição do sentimento o qual tive no momento em que as compus. Por isso, perdoem-me pelo que achardes ridículo, mas as manterei tal qual as fiz, pois, se assim não fosse, não seria uma carta de amor…

E assim escrevi:

Nem o sol, nem as flores ostentam maior beleza.
Por mais que tentasse dissimular, já não mais conseguiria.
Meus pensamentos me traem ao perceber que são os seus olhos e sorriso
que os conduzem a um mundo de sonhos e cores,
tal qual o sonho do artista que o induz à chama medrosa de encontros coloridos
ao coração que aquece palavras graciosas.

O que dizem os sábios a respeito das paixões?
O que dizem os cavalheiros e até mesmo os menestréis?
Cantaram as rosas de todos os corações,
viveram seus poemas de amor com doçura e imaginações,
e escreveram metáforas, lindas e inesquecíveis metáforas.

Ah, o amor…
Corda de mil nós, música de mil tons!
Renasceste de entre as linhas,
ressurgiste ébrio de encanto
e brilhaste como um arsenal de fogos induzindo o céu a chorar, feliz,
lágrimas de mil anos.

E eu, de baixo, olho, absorto em pensamentos, o céu afoguear.
E sorrio como uma criança ao imaginar, inocente, um corpo de mulher,
lívido de alvura e livre a voar…
Até se encontrar com as águas,
até se misturar com o mar.

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Essas palavras foram entregues em um cartão há 23 anos (o mesmo da foto), um mês após nosso encontro, o qual esperei por 10 anos que acontecesse… Hoje temos 21 anos de casados.

E você, já escreveu cartas de amor?

Forte abraço!

Até a próxima.

MINHAS COSTURAS DE PALAVRAS

Por Elisa Augusta de Andrade Farina

Palavras para mim são o poder criativo pelo qual me expresso.

Sou costureira das palavras…

Pego um papel em branco e vou medindo, alinhavando as frases, remendando afetos, bordando palavras…

Assim, vou costurando rimas nos versos que serão poemas.

Se as palavras que brotam em minha mente não manifestam o que sinto, corto-as imediatamente com a exatidão das minhas mãos, como tesouras afiadas.

Olho no entorno… Procuro uma fita métrica para medir meus pensamentos. Eles fluem pela força criadora de minha vontade.

Vejo o céu na sua imensidão…

O brilho que apreendi é como um tecido valioso que precisa de minha habilidade para moldar o modelo a ser confeccionado.

Corto as palavras que não condizem com o modelo desejado. Alinhavo, alfineto, meço de novo os pensamentos… Agora sim, o meu modelo ganha forma, força, emoção, que se traduzem pela vontade de fazer diferente com coesão, determinação e amor.

Vou costurando a peça almejada que vai se transformando na habilidade criativa da minha intenção poética.

Olho satisfeita para minha peça…

Está da maneira que sonhei… Impecável, bela, ressalta toda a força da magia poética que me impulsiona a tecer e costurar palavras…  Missão inspiradora de uma alma livre e sonhadora…

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Elisa Augusta de Andrade Farina, professora, filósofa, escritora, contadora de histórias, cronista e poetisa teófilo-otonense é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pós-graduação em Docência do Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri e Membro fundadora da Academia de Letras de Teófilo Otoni, titular da cadeira 6 e atual presidente. Em 2018, recebeu do Governo de Minas Gerais a Comenda Teófilo Otoni, em reconhecimento aos relevantes serviços prestados na área da Educação e Cultura no Vale do Mucuri.

“Minhas costuras de palavras” é um dos textos que dá título ao seu mais recente livro publicado pela Árvore das Letras, através do selo Alforria Literária. O livro é mais um fruto da Vivência Novos Autores, uma imersão de sentimentos por meio da leitura e escrita que tem o objetivo de aprimorar a percepção literária e metafórica das histórias que lemos e ouvimos.

Para saber mais sobre a vivência, clique AQUI.

Para adquirir o livro “Minhas costuras de palavras” e entrar em contato com a autora clique no perfil https://www.instagram.com/elisafarina2/

Forte abraço!

Até a próxima.

EXERCÍCIO CRIATIVO (AINDA SEM TÍTULO)

Por Leandro Bertoldo Silva

Será possível a um personagem sair do livro e manter com o seu autor momentos de conversa acerca da vida, da morte, de questões existenciais? Calma! Não se trata de paranormalidade, muito menos de psicografia. Ora, Xavier, você é um personagem, não uma entidade. Não se pode confundir o fato de ter tido longos colóquios com o fantasma de Aarão Reis – o livro em questão – com fenômenos do espírito aqui onde você é um interlocutor por meio de cartas em diário. Ou de um diário em cartas? Isso ainda veremos. Seja como for, sim, é possível, e trata-se de uma fusão interessante a fazer de nossas conversas momentos de mais puro esquecimento, esses momentos da liberdade da alma em princípio de estado.

Como é doce o não ter que ser. Pensávamos assim, Xavier. Queríamos não ter que ser sempre, entregar-nos a nós mesmos como as flores se entregam ao orvalho sem trocas e sem medos. Sempre tivemos a visão desse encontro, lembra? Ora éramos a flor, ora o orvalho, como ora éramos o escritor, ora o personagem, sem preferências ou escolhas a destruírem os versos existentes “entre o anelo e o suspiro”, como dizia aquela poesia guardada em um naco de memória. Já era noite e toda noite era assim: preparávamos-nos, eu e você, para esquecer, nunca dormir. No esquecimento não há sonhos – essa arrogância do pensamento. Isso já era eu a achar ou você? A essa altura já não sabíamos. Não importa. Calávamos um para o outro no momento exato do esquecimento, fragrância milimétrica de tempo entre o estar acordado e o começar a dormir. Pronto, já foi. O barulho recomeça e o sonho invade os nossos pensamentos.

Boa noite, Xavier. Amanhã voltamos a nos escrever. A partir de agora teremos uma longa conversa.

Xavier de Novais aos 22 anos, época em que mantinha longas conversas com o fantasma de Aarão Reis.

Xavier de Novais nasceu em Belo Horizonte no dia 13 de abril de 1952. Teve uma infância generosa, alternando entre estudar na cidade e passar férias na roça. Brincou na rua, colheu café, andou a cavalo e pegou bicho-de-pé. Seu primeiro trabalho, logo após os primeiros anos da adolescência, foi como segurança de uma livraria, lugar onde o seu gosto pelos livros ganhou contornos expressivos. Lia de tudo, do clássico ao contemporâneo. Sempre teve uma predileção por duas obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes. O momento em que conviveu com o fantasma de Aarão Reis nos encontros na livraria narrados no livro “Histórias de um certo Aarão e outros casos contados – das histórias e lendas de Belo Horizonte recontadas por um segurança que recebia, em seu serviço, a visita ilustre do fantasma de Aarão Reis”  o fez se apaixonar pelas narrativas e acontecimentos, vindo a ingressar, em 1975, no curso de História na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Em 1979, já formado, conseguiu um cargo de professor substituto em uma conceituada escola da capital mineira. Seu sucesso com os alunos foi imediato. Porém, ao receber o convite da direção da escola para se tornar professor titular, Xavier se casa e resolve se mudar com a esposa, com quem vem a ter uma filha, para o Vale do Jequitinhonha em busca de qualidade de vida, deixando para trás as loucuras da cidade grande sem, no entanto, deixar de amá-la. Apenas sente que sua vida pede outras estradas. Na nova cidade de Águas Vermelhas, atua como professor de História em uma escola na qual foi uma das lideranças na sua construção, onde veio a se aposentar. Hoje, aos 71 anos, vive em um sitio na mesma região do Vale. Não colhe mais café. Ao invés disso, navega em um barco a remo em um lago próximo. Continua andar a cavalo, mas sem pegar bicho-de-pé.

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Bem, aqui está o embrião do que pode vir a ser uma história ou até mesmo se tornar um livro. Mas não decidirei isso sozinho, é preciso ter o consentimento de Xavier. Andamos a conversar por meio de cartas que vez ou outra, caso ele autorize, publicarei aqui neste blog. Mas quero pedir a você um grande favor! Suponhamos que ele consinta e que eu resolva deixar público essas conversas em uma obra, qual título você sugeriria?

No mais, obrigado por sua leitura e atenção. Aguardo sua sugestão.

Forte abraço!

Até a próxima.