Por Leandro Bertoldo Silva.
Estava em viagem de ônibus para Teófilo Otoni quando entra um senhorzinho com um som portátil a tocar Dire Straits. Ainda bem que a música era boa. Ao sentar, seu celular chama e ele atende no viva-voz. Do outro lado a tal voz bem viva e sem se identificar foi logo dizendo tão alto quanto a música:
Moço, nem ti conto! Sabe o Seu João da Tutóia lá do Mandeu? Pois é, onti a gente tava lá e ele pegô um copo comprido com tampa em riba pareceno um canudo, ispremeu um bucado de limão dentro, sacudia, sacudia e abria a tampa, sacudia, sacudia e abria di novo; dizia ele que era pra sair o gás, sabe cumé? Com aquele troço sacudido, ele embrenhô um litro de cachaça lá dentro… Ê, minino! Mas nós entrô fechado naquele trem que dava até dó. Na hora de imbora, o Zaqueu aprumô uma iscada na carcunda e foi até bem. Mas quando chegô lá na frente, a iscada inganchô num gaio de arve que tava assim no arto, ele bambiô, iscorregô num arbusti e coiciô que nem cavalo bravo que só veno a disinbestança que foi. E aí num teve remendo! Foi Zaqueu prum lado, iscada pro outro, uma diabera danada… Ê trem da peste, sô. Teve bão dimais!
O senhorzinho foi responder quando a cobertura caiu. Entre as risadas de quem estava próximo e ouviu toda a história, fiquei a pensar de como a literatura surge pronta bem a nossa frente. Peguei meu bloco de notas e pus-me a registrar na tentativa de captar, entre um balanço e outro, o tom da voz que acabara de ouvir, sem saber se o que fazia era plágio ou uma apropriação indevida. Pensei em pedir permissão ao dono do celular, mas já era tarde, não dava mais tempo. Ele havia decido. Ô diacho, sô.
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Pois é… Essa é uma daquelas histórias que nos pegam de surpresa quando menos esperamos. Vem, acontece e quando percebemos já foi. O privilégio de escrever é poder registrar e contar o que poderia ter sido perdido. Então me diz o que você achou e me conte aí: você já vivenciou histórias inesperadas?
Forte abraço!
Até a próxima.
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Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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Leandro tem o pider da alquimia nas mãos regidas pelo coração. Gratidão.
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Obrigado, Simone!!!!! 🙂
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Realmente Simone. Concordo plenamente!!!
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Gratidão, Adriana 🙂
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Meu amigo ,eu fiquei curioso pra saber o que significa a expressão “entro fechado naquele trem ” Acho que dá uma outra crônica dicionário de Buzao
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rsrsrsrs…. Pois foi exatamente essa expressão que me fez querer escrevê-la 🙂 Ideia ótima!!
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Crônica bem engraçada Leandro.
Eu viajei mais de 28 anos de ônibus pra minha Terra,no Piauí e escutei muitas histórias assim no ônibus me divertia muito com esse tipo de escuta dava altas gargalhadas em duas noites e dois dias de viajem.
Parabéns!
Leandro.
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Obrigado, Sãozinha!! Essas histórias são incríveis mesmo!! 🙂
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Nosso Deus!!!
Gostei dimaisdaconta dessa história.
Isso acontece comigo todo dia.
Meu povo lá em casa tem mania de ficar lembrando as histórias que aconteceu na nossa infância e eu não perco uma.
Na em Guiricema acontece essas coisas diariamente. História muito boa essa sua, vou até pedir se Mariquinha pode contar ela.
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Eita, que coisa boa, sô!!!! Gratidão, Maria!!! Quero conhecer a Mariquinha 🙂
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Rsrsrs
Interessante!
Se ao ler tem este gostinho imagino como os passageiros se sentiam . Foi certamente uma viagem agradável porque a conversa teve uma musicalidade rítmica agradável.
Faz- me lembrar de uma viagem de ônibus de São Paulo para Foz de Iguaçu e Asunción ( Paraguai).
Adorei a variação de sotaques na fala dos passageiros : vogais recuadas, abertas e outras fechadas que davam um gostinho de se ouvir.
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Leandro, interessante a estória!
Como escritores devemos ficar atentos ao que acontece a nossa volta, sempre que possível registá-las. O nosso cotidiano angolano é também repleto de muitas estórias engraçadas, muitas retratadas nas nossas artes, teatro e humor, vou tentar trazer alguns destes traços culturais para a literatura.
Aquele abraço amigo!
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Sim, António Alexandre, essas histórias são mananciais de histórias e dialetos…
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Verdade rsrsrsr
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Leandro, interessante a estória!
Como escritores devemos ficar atentos ao que acontece a nossa volta, sempre que possível registá-las. O nosso cotidiano angolano é também repleto de muitas estórias engraçadas, muitas retratadas nas nossas artes, teatro e humor, vou tentar trazer alguns destes traços culturais para a literatura.
Aquele abraço amigo!
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Oi, Emílio! Que maravilha de comentário, meu amigo. Realmente ouço muito os escritores angolanos, moçambicanos falando sobre essas estórias que aproximam muito os costumes dos dois países. Mia Couto é um dos escritores que fala isso. Gratidão, amigo!
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