PONTOS DE VISTA

Por Leandro Bertoldo Silva

“Havia me arrumado toda. Um dia inteiro no salão de beleza”.

Pensava, pensava, pensava… Seu cabelo mais parecia uma escultura de Rodin. Unhas desenhadas, moderníssimas. A pele uma seda, e gastou uma fortuna naquele vestido dos sonhos. Ficou tão bonita que mal podia se reconhecer no espelho.

“Por que será que ele sequer me olhou?”.

Perguntava-se desiludida e triste, segurando a vassoura na pausa da casa que pedia arrumação.

O cabelo da véspera, agora volumoso e desgrenhado, estava preso no alto da cabeça por dois lápis atravessados. A maquiagem desfeita revelava as sardas abaixo dos olhos. Os óculos, de aros grossos e teimosos, escorregavam para a ponta do nariz. Os chinelos de dedo nada pareciam com os sapatos de salto de outrora.

Foi assim, com uma camiseta simples e um short desfiado, que se dirigiu à porta para atender a campainha que tocava.

Era ele! O amigo do seu irmão… O responsável por toda aquela transformação de Cinderela.

Ontem sequer a notou; hoje estava ali, bem a sua frente, vendo-a naquele estado!

Os olhos pousados nela, vidrados, pareciam não acreditar. Sua vergonha aumentava a cada silêncio do rapaz que não arredava pé, até que sua boca, num movimento de quem iria finalmente desferir a gozação, disse:

— Luiza! Você está… linda!

E o amor se indecifrou em pontos de vista…

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Então, eu, particularmente, sempre prezei pela simplicidade, o que só o dia a dia pode revelar, porque ali se encontra a realidade, assim mesmo, sem máscaras ou filtros… Você enxerga beleza no natural?

Curta, comente, compartilhe e, como sempre, boa reflexão e obrigado por sua leitura.

Forte abraço!

Até a próxima.

ALÉM DA IMAGINAÇÃO

Por Leandro Bertoldo Silva

Sempre apreciei os circos mambembes, esses viajantes de uma cidade à outra com as suas lonas rasgadas, os carros adaptados com alto-falantes a percorrer as ruas e a chamar o povo para o espetáculo.

Aprecio o fato de comprar o ingresso naqueles papeizinhos cortados à tesoura e, ao entrar e se acomodar nas arquibancadas de tábuas com o cuidado de se equilibrar para não cair entre os vãos, perceber, surpreso, a contorcionista ao ser a mesma moça que acabara de vender o saquinho de pipoca na entrada.

Gosto de ver os trailers parados nas mediações da lona com roupas estendidas em varais improvisados nas janelas e, entre um e outro, a mãe bailarina a amamentar o filho recém-nascido antes de entrar no picadeiro.

Enquanto muitos veem as atrações eu também as vejo, mas preencho-me muito mais na poesia por de trás das cortinas, naquele pai que irá tirar a maquiagem, desvestir o fraque de apresentador e ir ao banco pagar as contas no dia seguinte; nos ajudantes de palco sendo eles os trapezistas e também os operários de manutenção dos equipamentos; no filho que irá lavar todas as roupas dos artistas, inclusive a sua de palhaço.

Ah, os palhaços… Meus preferidos! Como tiram risadas de dentro das almas mais amarguradas… Um dia eu conheci o Alegria — o palhaço da luz. Após a sessão, enquanto o público saía, o vi com a mesma vassoura usada na aparição de há pouco a iniciar a varredura do chão. Fui até ele e o parabenizei. Ele agradeceu com um sorriso um pouco diferente do meu. Não era assim um sorriso alegre e largo como na cena de outrora. Era, eu diria, até um tanto triste. Uma criança chegou perto com o pai e Alegria a pegou no colo, brincou com ela e a deixou feliz dando-lhe, inclusive, conselhos. Ao despedir da criança e do pai olhou para mim, fez um aceno com a cabeça, espirrou água da flor de sua lapela que mais pareceu um choro silencioso, e continuou a vassourar.

Fui embora, mas o meu pensamento ficou naquele palhaço, o mesmo visto no dia seguinte no sinal fechado no centro da cidade ao fazer malabarismo e chamar as pessoas para o circo. Enquanto ele fazia o seu trabalho, eu fiquei ali a imaginar…

Tinham-lhe tantas vezes pedido conselhos… Era o redentor de todos os sofrimentos que assolavam as almas em conflito, a ponto de impedir suicídios. Alegria – o palhaço da luz –, como era conhecido, escolheu as ruas como o seu picadeiro e nelas transformava pessoas. Agonia mudava-se em sonhos e medos em esperanças. Contudo, algo curioso acontecia: Alegria era triste… O homem por trás do palhaço não conseguia fazer consigo o mesmo que fazia com os outros, pois não tinha tido a sorte de encontrar alguém que o apresentasse a si…

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Bem, hoje deixo os pensamentos soltos com espaço para refletir naquilo que está além da imaginação…

Obrigado pela leitura e, como sempre, peço o seu comentário. Ele é muito importante para mim.

Forte abraço!

Até a próxima.

QUANDO AS LUZES SE APAGAM

Por Leandro Bertoldo Silva

Quando as luzes se apagam enxergamos com mais clareza…

Imagine uma cidade em um sábado à noite, onde, de repente, a metade de suas luzes se apagam momentos antes da chegada de amigos tão esperados para o jantar. Qual a sensação você teria?

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 Muitas vezes temos a tendência de enxergar somente o lado negativo de certos acontecimentos, e esse comportamento nos faz achar tudo relativamente sombrio. Isso, naturalmente, é um engano. A vida, com a sua sutileza peculiar, mostra-nos o contrário e como estamos é doente dos olhos e, por que não, dos sentidos, como bem disse Alberto Caeiro:

“O que vejo a cada momento

é aquilo que nunca antes eu tinha visto,

e eu sei dar por isso muito bem.”

Quando nos colocamos frente às situações tais quais elas se apresentam e olhamos de verdade para elas na tentativa de extrair o melhor, descobrimos a poesia antes não percebida. O que aparentemente é um transtorno, na verdade é um enorme presente embrulhado no papel das possibilidades.

Estava eu fazendo a barba após um banho num início de noite de sábado, quando subitamente a luz foi embora, não apenas da minha casa, como da metade da cidade, deixando todos na mais completa escuridão. Era possível ouvir os bramidos e lamentos ecoando de cada canto, de cada esquina e casas, como se as paredes, ao invés de ouvidos, tinham enormes bocas ao emitirem gritos à la Edvard Munch.

Pedi minha filha para trazer uma lanterna para acabar de fazer a barba tranquilamente já pensando como faríamos com a visita de dois amigos convidados para o jantar. Em momento algum, tanto eu como Geane, minha esposa, queríamos desmarcar o encontro, afinal não tinha sido a primeira vez que o tentávamos e tudo já estava adiantado desde o dia anterior, incluído os ingredientes de um delicioso yakissoba, além das jabuticabas colhidas do pé do quintal da minha casa para o preparo de um vinho frisante, sem nos importarmos se estávamos cometendo ali qualquer tipo de gafe ou incoerência culinária.

Mas o melhor mesmo estava por acontecer… Fomos os três — eu, minha esposa e minha filha — para a sala. Enquanto Geane tentava falar com os amigos pelos dados móveis do celular, e ao deixar nele a luz da lanterna acesa, esta fez refletir na parede as nossas sombras enormes. Para mim e minha filha foi um generoso convite à fantasia. Começamos a brincar de fazer animais com as mãos e a criar histórias onde a cobra de 3 metros engolia uma aranha frágil e indefesa. Certo, também criamos histórias de lindos passarinhos voando entre as flores… Lembrei-me de quando eu era criança e de como passava horas a fazer essas projeções usando o abajur da minha mãe, e só então me dei conta de que nunca as havia feito com minha filha! Larguei a reflexão de tamanha perda de tempo e mergulhei nas aventuras do cachorro que corria atrás do coelho, do jacaré ao mostrar língua para o sapo e do elefante ao se fartar de beber água no poço.

Geane confirmou a vinda dos nossos amigos mesmo sem luz. A partir daí, começamos a encher a casa de velas. Enquanto as velas eram acesas na cozinha e na sala, encarreguei-me de acendê-las na varanda para uma boa recepção de boas-vindas. Tudo começou a ficar num clima mágico, meio idade média, e nossa casa já não era casa, mas um livro de histórias onde cada cantinho guardava um capítulo surpreendente. O melhor deles aconteceu quando fomos para a cama de casal e eu perguntei para minha filha se ela queria de fato ouvir uma história, pois eu leria para ela com a luz da lanterna. Yasmin logo concordou. Eu fui até minha estante e peguei o primeiro livro que minhas mãos tocaram. O título? “O menino que perdeu a sombra”, do Jorge Fernando dos Santos. Quase não acreditei na delicada coincidência de um menino que tateava no escuro à procura de si mesmo. A diferença minha e de Yasmin estava em havermos nos encontrado naquela escuridão.

No fim da leitura, como todo bom livro a nos surpreender, a luz voltou, mas nada era como antes, tudo tinha mudado: as percepções, os sentimentos, as descobertas. As velas foram apagadas, os amigos chegaram, sorrisos e abraços em festejos de carinho, brindes erguidos. Mas dentro de mim continuava aquela doce escuridão a encher de luz as nossas sombras. E mais uma vez veio à memória o velho Caeiro e de como estava certo:

“O mundo não se fez para pensarmos nele

(pensar é estar doente dos olhos)

mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…”

Pura verdade…

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Gostou da história? Escrevi essa crônica para mostrar como tudo que nos acontece é motivo de celebração, mesmo que inicialmente possa parecer o contrário. Se olharmos com cuidado, sempre haverá uma apreciação pronta para virar lindas histórias para contar.

E você, já passou por algo parecido? Um momento que se descobriu grandioso? Agradeço mais uma vez a sua leitura e peço que comente, compartilhe as suas alegrias.

Forte abraço!

Até a próxima.

A OCASIÃO NEM SEMPRE FAZ O LADRÃO, MUITO ANTES PELO CONTRÁRIO!

Por Leandro Bertoldo Silva

Está certo. A gente tem a pré-disposição de acreditar nos antigos ditados populares como mananciais de sabedoria que os mais velhos detêm com certo ar de superioridade. Isso, naturalmente, não seria um engano se de tempos em tempos as ocorrências da vida não desmascarassem certas verdades e se associassem ao Sobrenatural de Almeida que de sobrenatural não tem nada e usa o famoso personagem de Nelson Rodrigues apenas como meio de explicar o inusitado. Vejamos o acontecimento de uma manhã de sábado, dia agradável, em que um miúdo, sozinho em casa, ouve discretamente um chamado no portão de sua casa, tão discreto que as palmas tiveram suas sequências duas vezes repetidas: tap, tap, tap, tap, tap… tap, tap, tap, tap, tap…

O senso comum seria perguntar quem era. Mas o miúdo, indiferente às precauções, foi logo abrindo e desferindo em sorriso um “pois não, o que desejam” de maneira tão natural e agradável que os dois homens ali à sua frente apenas arquearam as sobrancelhas entreolhando-se.

— Seu pai está em casa? – perguntou um deles enquanto o outro já escaneava com seus olhos treinados o interior da varanda.

— Não, senhor.

— E sua mãe?

— Também não. Saíram há pouco. Meus irmãos também não estão, de modo que estou apenas com o Policial em casa.

— Policial?!

— É, o meu coelho.

— Ah, sim… Que susto, quer dizer, que nome auspicioso…

— Os senhores conhecem os meus pais?

— Bem… Sim, conhecemos muito. Por isso viemos aqui para uma visitinha…

— E por que não mandaram uma mensagem dizendo que estavam a caminho? Certamente eles esperariam.

— É que pensamos em fazer uma surpresinha.

— Ah, claro. Vocês querem entrar e esperá-los? Aposto que eles irão gostar da surpresa.

— Não resta dúvida…

Com essa conversa os dois homens foram conduzidos ao interior da casa, onde o miúdo providenciou duas cadeiras convidando-os a se sentarem. Furtar-me-ei — para usar uma palavra bem a propósito — em descrever o ambiente, tanto porque isso nada acrescentaria ao relato. Basta saber que os convidados não sabiam se admiravam mais o que viam ou se a extrema hospitalidade daquela criança ao oferecer café e biscoitos para total desconserto de suas intenções.

— Caso o café esteja frio, faço outro rapidinho.

— Não, não se incomode – disse um deles.

— Não iremos demorar – disse o outro.

— Não é incômodo algum. Afinal, precisamos tratar muito bem os hóspedes.

— Hóspedes?! – Perguntaram os dois ao mesmo tempo.

— Sim, vocês não vieram visitar os meus pais? Pena que eles não estão.

— É, pena…

Um dos homens já achando aquela situação meio diferente, embora “estranha” seria a palavra mais adequada, perguntou ao miúdo depois de conversarem tempos a fio sobre todos os assuntos possíveis, incluindo comportamento humano e coisas cheias de sabedoria e sem compreender de onde vinha tudo aquilo, se ele não tinha medo de, bem… Ladrões.

— Bem, seu… seu… Ih, olha só: nem nos apresentamos! Eu me chamo Ricardo. Ric para os íntimos. Qual a graça dos senhores?

Os homens se olharam cada vez mais espantados.

— Eu me chamo Juvenal.

— E eu Dorival.

— Parece dupla sertaneja! Então, até era para eu ter muito medo de ladrões a considerar a minha avó.

— Sua avó roubava pessoas?

— Que malucos! — disse Ric achando graça — Não, não! Minha avó foi roubada dezessete vezes. Coitada, precisavam ver como ela ficava arrasada.

— Coitada mesmo! Não é para menos… Que malandros! — disse no impulso Juvenal se assustando com o próprio comentário e recebendo um olhar meio de estranhamento, meio de cumplicidade de Dorival.

— Mas o fato é que eu não tenho medo, sabem? Entendo que isso é um problema social e da má distribuição de emprego e renda desse país.

— Quantos Anos você tem, menino?

— Doze.

A essa altura, os dois homens já não observavam a casa da mesma forma de quando entraram e se mostravam impressionados com aquela conversa, a pouca idade de Ricardo e a naturalidade com que se expressava.

— Você acha isso mesmo? — Indagou Juvenal.

— Acho sim, você não? O que você acha Dorival?

— Eu, bem… Há controvérsias!

Juvenal olhou curioso para Dorival.

— Sim, Juvenal! O menino tem toda razão, mas tem muito gatuno por aí com instrução, boa pinta, roupas de marca, sapatos novos e tênis da moda, com toda condição de trabalho, fortes e saudáveis, que ao invés de recorrer à honestidade prefere roubar as pessoas. É um absurdo!

Silêncio.

Juvenal e Dorival olharam um para o outro, de cima a baixo, e repararam como estavam bem vestidos e calçados, barbeados e penteados. Observaram seus físicos avantajados. Olharam para Ricardo ao segurar a garrafa de café com uma das mãos enquanto com a outra oferecia mais biscoitos com um sorrisinho no canto da boca.

Que diabos significava aquele sorriso? O fato é que não saberemos. Juvenal e Dorival apressaram-se a sair, mesmo com a insistência de Ricardo para esperarem os seus pais e ficarem para o almoço. Foram embora. Mas não sem antes recomendarem ao miúdo para nunca mais abrir o portão para ninguém quando estivesse sozinho. Há muitos gatunos por aí.

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Bem, a Crônica de Domingo de hoje é algo acontecido comigo lá se vai algum tempo, que a literatura sempre dá um jeito de transformar em arte ou mesmo em livramento… Mais uma vez agradeço a sua leitura nesse nosso encontro por aqui. Mas antes de ir, curta, comente, quem sabe você não se lembre de algum momento que sentiu estar sendo protegido ou protegida? Diga aí!

Forte abraço!

Até a próxima.