Por Leandro Bertoldo Silva – do livro Entrelinhas contos mínimos.
Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos a nos buscar
em outras metades.
– Fernando Pessoa –
Gosto muito dos velhos que consertam coisas. Eu mesmo tive um tio assim. Consertava tudo.
Uma vez pegou uma lâmpada incandescente queimada no lixo, emendou seu filamento e o pequeno bulbo de luz nunca mais deixou de acender.
Osmânio era um velho como ele: consertava ferros, rádios, relógios de corda, chuveiros, televisões velhas… Mas o que ele sabia mais consertar eram sentimentos…
Não havia um só casal que, se estivesse a ponto de separação, Osmânio não os unia. O que falar das brigas entre irmãos, pais, mães? Até os animais pareciam respeitar o dom reparador que vinha das mãos daquele velho, e a braveza instintiva se transformava em mansidão quando estavam em sua presença.
Os alaridos viravam sons de passarinhos, assim como as flores floresciam mais e os aromas ficavam ainda mais cheirosos. Osmânio era assim: consertava corações…
Mas, apesar de tanto talento naquelas mãos, a tristeza não se apartava de seus olhos. Camuflava-se nos sorrisos tímidos daquele jeito misturado de sentimentos. E isso por uma simples razão: Osmânio era homem e, como tal, havia amado, e muito, uma mulher que agora existia apenas em seu passado. Ninguém nunca soube quem era de fato ou o que acontecera para ela não ter envelhecido com ele.
O que todos sabiam, porém, era que Osmânio, o velho que consertava corações, nunca havia consertado o seu…
________________________
Olá você que está aqui! Muito obrigado por sua leitura. Essa é uma história muito curta, mas vasta de reflexão, não é mesmo? Por isso, além de pedir, como sempre, a gentileza do seu compartilhamento e comentário, deixo uma pergunta: o que você precisa consertar em seu coração?
Não se apresse em responder…
Forte abraço e ótimas reflexões.
Descubra mais sobre Por uma literatura de identidade própria - Escrever é costurar ideias com as mãos
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
Ver todos os posts de leandrobertoldo
Um consertador de sentimentos! Muito chique esse moço. Seu tio também era assim?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Sim, Paulo! Vivia indo nas casas de todos da família. Consertava de ferro a chuveiros, portas e até dentaduras…rsrsrs.
CurtirCurtir
Bom dia.
Texto reflexivo, gostei muito.
Abraços
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado, Antonia!!
CurtirCurtir
Recentemente fiz um check-up com cardiologista. Ao olhar os exames o médico disse que eu tenho coração de criança. Adorei ouvir aquilo porque me identifiquei de imediato. Acho que meu coração tá legal. Queria mesmo era “acriançar” o coração de todo mundo!!!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Que lindo, Patrícia!!! E concordo com o médico, viu? Sua história dá outra história…
CurtirCurtir
Que lindo Leandro!! Um consertador de corações!!! E quantos existem por aí!!! Mas, essa realidade é também muito forte e reflexiva,. Quantas vezes somos consertadores dos corações alheios e esquecemos que os nossos estão bem estragados., não é mesmo? Excelente crônica!
Um abraço!!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado, minha amiga! Pois é… Isso é mais comum do que possa parecer…
CurtirCurtir
Muito bom, Leandro! Estamos precisando de mais gente assim. Grande abraço.
CurtirCurtido por 1 pessoa
E como, minha amiga, e como!! Gratidão.
CurtirCurtir
Texto bonito, sensível e reflexivo, parabéns!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado, Jéssica. Feliz demais com sua leitura!
CurtirCurtir
Muito lindo esse texto L.eandro 👏👏
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado, minha amiga!
CurtirCurtir
Consertadores de corações enxergam o quanto podem ser duradoros e verdadeiros os sentimentos. E não permitem que sejam descartáveis simplesmente por serem diferentes uns dos outros.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Exatamente, Luzia! E como estamos necessitando dessas pessoas, não é mesmo?
CurtirCurtir
Por acaso escreveu o texto foi pra mim ? Me vi no personagem e também um.tanto de Chico Xavier . Gratidão por esse tamanho presente
CurtirCurtido por 1 pessoa
É verdade, meu amigo irmão! Concordo plenamente contigo!
CurtirCurtir