
Por Leandro Bertoldo Silva.
Perdi o medo de mim. Adeus.
– Adélia Prado –
Sou eu. Sou eu que ponho perfume nas flores, sou eu que alimento o sopro dos ventos, que tinjo de luz o negrume da noite a sustentar-me em asas descoladas.
Valentina acordou com essas palavras a fazerem versos em sua mente. Estranhou o fato de não ser alguém a lhe dizer isso em sonho que já não lembrava, mas de ser o próprio sonho que a despertava. Aquele não seria mais um dia comum… No vazio de sua existência, onde insistiam em mantê-la em uma viagem permanente que a distanciava cada vez mais de onde queria estar, perfilava a fronteira entre a sombra e o esplendor do sol que a separava da imobilidade. Valentina, valente, tinha no nome a fonte: a coragem e a força de emplumar-se, como aves, a liberdade de sua alma. E daí que vivia em uma cadeira de rodas? Acaso não existia? Não havia lugar em que não pudesse ir nem havia nada que não pudesse fazer. Levantou-se, preparou-se num esmero de namorada e linda, como nunca havia deixado de ser, mirou-se no espelho para, antes de chamar a todos e anunciar sua nova presença, chamar a si mesma.
Horas achadas ficou remirando seu rosto e seu corpo enxergando além deles. Descobria-se… Valentina virou Tina, descolada do que lhe prendia. Surgia ali Tina Descolada e agora com uma razão de vida: ser uma cadeiraerrante sem limites a viajar pelo mundo dos sonhos e das possibilidades, descolando outras Tinas para a liberdade, e construir rampas de acesso ao coração das pessoas no lugar onde antes existiam escadas. Agora sim, podia chamar os outros. Estava na hora de voar…
(Agradecimento sempre especial à Marta Alencar, que escreveu o prefácio de meu primeiro livro Entrelinhas Contos mínimos, no qual contém essa história).
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Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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Realmente o texto é lindo.
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Obrigado, Antonia! Me emocionei muito ao escrevê-lo.
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