
Por Leandro Bertoldo Silva
Aflição de ser água em meio à terra
e ter a face conturbada e imóvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel.
– Hilda Hilst –
Há momentos de mais puro esquecimento, esses momentos em que nossa alma se liberta em princípio de estado. Como é doce o não ter que ser…
Era o que pensava Jorge. Queria não ter que ser sempre, entregar-se a ele mesmo como as flores se entregam ao orvalho da manhã sem trocas e sem medos. Sempre teve [ou tive?] a visão desse encontro: ora era a flor, ora o orvalho, como ora era o escritor, ora o personagem, sem preferências ou escolhas que viessem destruir os versos que existem “entre o anelo e o suspiro”, como dizia aquela poesia guardada em um naco de memória.
Já era noite e toda noite era assim: nos preparávamos, eu e Jorge, para esquecer, nunca dormir. No esquecimento, não há sonhos – essa arrogância do pensamento. Isso já era eu que achava, em comunhão com meu personagem, que, a essa altura, já não sabíamos quem era ele e quem era eu. Não importa. Calávamos um para o outro no momento exato do esquecimento, fragrância milimétrica de tempo entre o estar acordado e o começar a dormir.
Pronto. Já foi. O barulho recomeça e o sonho invade os nossos pensamentos. Boa noite, Jorge. Amanhã volto a escrever-te.
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Publicado por leandrobertoldo
Sempre gostei de histórias. Os primeiros livros que li foram os clássicos “Cinderela” e o “Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção vaga-lume. Hoje as coleções são mais modernas, melhoradas... Mas aqueles livros transformaram a minha vida. Lia-os de cima de um pé de ameixa, na casa de minha avó, e lá passava a maior parte do meu tempo sempre na companhia de outros livros que, com o tempo, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego e seu “Menino de Engenho” fui descobrindo Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Henriqueta Lisboa, Fernando Sabino, Murilo Rubião... Ainda hoje continuo descobrindo escritores, muitos se tornando amigos, outros pelas páginas de seus livros, como Mia Couto, Ondjaki, Agualusa. Porém, já naquela época sabia o que queria ser. Não tinha uma formulação clara, mas sabia que queria fazer parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances e das crônicas, pois aquilo tudo me encantava, me tirava o chão, fazia a minha imaginação voar. Hoje sou um homem feliz; casado, eterno apaixonado e pai da Yasmin. As duas, ela e a mãe, minhas melhores histórias... Mas também sou formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, com habilitação em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sou Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, título que muito me responsabiliza e sou um homem das palavras. Mas essas palavras tiveram um começo... O meu encanto por elas fez com que eu começasse a escrever, inicialmente para mim mesmo, mas o tempo foi passando e pessoas começaram a ler o que eu produzia. Até que a revista AMAE EDUCANDO me encomendou um conto infanto-juvenil, e tal foi minha surpresa que o conto agradou! Foi publicado e correu o Brasil, como outros que vieram depois deste. Mais contos vieram e outros textos, como uma peça de teatro encenada no SESC/MG, poemas, artigos até que finalizei meu primeiro romance - Janelas da Alma - em fase de edição e encontrei uma grande paixão: os Haicais! Embora venho colecionando "histórias", como todo homem que caminha por esta vida, prefiro deixar que as palavras falem por mim, pois escrever para mim é mais do que um ofício que nos mantém no mundo. Escrever me coloca além dele... E é por isso que a minha vida, como a de um livro, vai se escrevendo – páginas ao vento, palavras ao ar.
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